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Como ajudar alguém que perde dois filhos numa tragédia

Sónia Bento 04 de julho de 2025 às 07:00

Na fase do choque, "há que validar a dor da perda, dar espaço e não tentar consolar com uma lógica, porque não há lógica. Basta acompanhar em silêncio porque isso já é cuidado", explica Cátia Silva, psicóloga que trabalha com casos de luto.

"Se perder um filho é algo contra natura, uma dor profunda, o impacto de perder dois é profundamente devastador. É um luto que não se explica e que nem tem um nome", afirma àSÁBADO,a psicóloga Cátia Silva, que trabalha com casos de luto. Joaquim e Isabel Silva são os pais de Diogo Jota, avançado da Seleção e do Liverpool, e de André Silva, jogador no Penafiel, que foram surpreendidos com a notícia damorte dos dois únicos filhos num acidente de carro, na madrugada de quinta-feira, em Zamora, Espanha.

Getty Images

Como ajudar alguém que vivencia uma dor tão intensa? "Estes pais estão num estado de trauma-choque, porque foi algo súbito, o que ainda exacerba mais a sintomatologia associada ao luto. Nesta primeira fase, há que validar o que aquelas pessoas estão a sentir, validar a sua dor e o mais importante é não tentar consolar com uma lógica, porque não há lógica", explica. E acrescenta: "A tendência de quem está à volta é dizer coisas como ‘tens de ser forte’. Isso não consola. Devemos dar espaço para que a dor exista, acompanhando a pessoa em silêncio, que por si só já é um cuidado".

Revolta, raiva e culpa

Nestes dias mais difíceis, há sempre quem sugira tomar medicação para conseguir assistir às cerimónias fúnebres. A psicóloga entende que esta deve ser uma decisão da própria pessoa: "Obviamente que a sugestão surge num sentido de cuidado. Mas mesmo estes pais em profundo sofrimento e emocionalmente fragilizados, são eles que têm de tomar as suas próprias decisões. Nesta fase inicial, o apoio da família e dos amigos é essencial, bem como o acompanhamento especializado, de um psicólogo ou eventualmente psiquiatra. Todas as outras pessoas à volta vão tentar ajudar, mas aquilo que muitas vezes nos dizem é ‘vocês não sabem o que é sentir esta dor’. Por isso é que é importante validar o que o outro está a sentir e dar-lhe espaço".

Na fase do choque, Cátia Silva refere que há um misto de sentimentos, como revolta, raiva e culpa. "A culpa intensa surge muitas vezes ou arranjar um culpado para o que aconteceu. O facto de os irmãos serem figuras públicas acaba por ampliar ainda mais o impacto da tragédia na família, uma vez que o luto é "coletivo".

O que não se deve dizer 

Como ajudar uma jovem de 28 anos, mãe de três filhos pequenos e que ficou viúva dias depois de se casar? "Em muitos casos, as mulheres que perdem o marido e que têm crianças a seu cargo, deixam o seu luto em suspenso, como se a dor delas ficasse em pausa, porque a prioridade é ajudar os filhos. E isto acaba por ser positivo", diz a psicóloga. Tal como com os pais, "deve evitar-se dizer coisas como ‘és forte’, ‘os teus filhos precisam de ti’ ou ‘vais superar’, porque, explica, "estas mulheres, que viram o seu projeto de vida desmoronar, só querem que as deixem não serem fortes e viverem a sua dor".

A busca do porquê

Cátia Silva afirma que o luto vai sempre acompanhar-nos ao longo da nossa vida, sobretudo para pais que perdem filhos. "Há pessoas que conseguem integrá-lo de uma forma saudável e há outras que não conseguem fazer este trabalho. A dor é tão intensa, que só se permitem a sobreviver e não a viver, porque não conseguem perceber o porquê. E não há um porquê".

A especialista sugere a leitura um livro que "todas as pessoas deveriam ler": A Mensagem das Lágrimas [de Alba Payàs Puigarnau]. "É um guia escrito para pessoas que estão a sofrer e também para aqueles que desejam ajudar os que estão a passar por uma perda. É importante perceber que o luto é uma resposta natural e o que é expectável sentir ou não num processo de perda; Por detrás de uma pessoa em luto, amargurada, há alguém que precisa de chorar e por vezes suprimimos isso e não o devemos fazer", conclui.

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