Sábado – Pense por si

Como o 25 de Abril mudou a vida delas

A revolução foi vivida com especial alegria por quem ainda era considerado o sexo fraco e não podia votar, ser juíza ou diplomata. A propósito do dia 8 de março, oito mulheres contam à SÁBADO qual foi a alteração mais importante.

A revolução foi vivida com especial alegria por quem ainda era considerado o sexo fraco e não podia votar, ser juíza ou diplomata. A propósito do dia 8 de março, oito mulheres contam à SÁBADO qual foi a alteração mais importante.

De um dia para o outro, a vida dos portugueses mudou. A revolução de 1974 veio acabar com a Guerra Colonial e ofereceu a liberdade para protestar na rua por direitos negados durante 48 anos de ditadura. Grande parte da multidão que se fez ouvir eram mulheres cansadas de serem tratadas como inferiores e incapazes.

Durante a ditadura as mulheres só podiam trabalhar com a autorização do marido e ganhavam menos 40% do que os homens. Não podiam ser juízas, diplomatas ou polícias, as enfermeiras e hospedeiras não se podiam casar. Até 1969, só podiam viajar para o estrangeiro com autorização escrita do marido. O fim do casamento católico não era permitido e as mulheres que tinham filhos de outras relações não tinham proteção legal, nem sequer acesso aos hospitais. "O tio-avô de Jorge Sampaio, Abraão Bensaúde, abriu uma casa de saúde, à frente do Hospital Curry Cabral, para assistir estas mulheres", conta Zita Seabra.

O voto só foi permitido em 1968, mas a quem soubesse ler e escrever e 31% das mulheres eram analfabetas, segundo a Pordata. Tudo foi alterado na lei após o 25 de Abril. "Muito ainda está por alcançar, mas ter na Constituição a garantia de igualdade foi um avanço enorme", conclui a escritora Isabel Alçada.

Helena Isabel
72 anos
Atriz

"Na altura, não tive noção do que se estava a passar e do que iria mudar"
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"Tinha 22 anos quando foi o 25 de Abril e já trabalhava como atriz numa companhia de teatro de revista no Parque Mayer. Nessa noite, vinha de uma festa de aniversário e ouvi na rádio do carro os comunicados dos militares, mas não tive noção do que se estava a passar e do que iria mudar. Para mim, a alteração mais importante foi a criminalização da violência doméstica pela lei. Todos sabemos que apesar de atingir ambos os sexos, as mulheres sempre foram mais sacrificadas e ainda temos um longo caminho a percorrer. Também foi fundamental a independência ganha em relação aos homens. As mulheres deixaram de precisar de autorização dos maridos para exercer certas profissões (nomeadamente comerciante) e passaram a poder votar e a poder ser eleitas. Eu e uns colegas formámos a companhia Ádóque, uma cooperativa de atores e passámos a fazer teatro sem censura. O que fez toda a diferença."

Isabel Alçada
73 anos
Escritora

"Antes do 25 de Abril a própria lei era discriminatória da mulher"
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"O 25 de Abril trouxe a liberdade. A vivência da liberdade era essencial para as mulheres que viviam num grande condicionamento. Esta liberdade veio a concretizar-se em grandes dimensões. Primeiro na Constituição da República: ter na lei fundamental a garantia de direitos para o género masculino e feminino foi um avanço enorme. As pessoas não se recordam que antes do 25 de Abril a própria lei era discriminatória da mulher. Estar consagrado na lei não quer dizer que se concretize na realidade e há ainda muito que não está resolvido. Houve um avanço enorme no acesso ao trabalho. Já no salário igual para trabalho igual, ainda está por concretizar. Ainda existe uma discriminação nas organizações onde as mulheres não assumem lugares de chefia porque se mantém o lastro da ideia de que têm menos capacidade de liderança. Não é verdade! A liberdade das mulheres foi essencial no desenvolvimento da sociedade portuguesa."

Ana Gomes
70 anos
Ex-diplomata
"Houve imensas pessoas com a vida estragada porque não se podiam divorciar"

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"A legalização do divórcio foi importantíssimo para as mulheres e também para os homens. Até 1974, o casamento válido era o católico e, de acordo com a Concordata assinada em 1940 com o Vaticano, o divórcio não era permitido. Houve imensas pessoas com a vida estragada porque não se podiam divorciar. As pessoas separavam-se e os filhos das novas relações eram considerados ilegítimos. Era uma confusão em termos de heranças, por exemplo. Depois da revolução houve um movimento popular a exigir a legalização do divórcio. Por acaso, casei-me nesse ano e não estava a pensar em divórcio, mas divorciei-me sete anos mais tarde. A legalização da interrupção da gravidez foi uma questão fundamental, porque as mulheres abortavam clandestinamente, pondo em risco a própria vida. Foi falado na revolução, mas só foi alcançado bastante mais tarde: tentou-se em 1998, mas só foi legalizado com o segundo referendo em 2007."

Teresa Guilherme
68 anos
Apresentadora
"O 1.º de Maio foi uma festa como nunca antes se tinha visto em Portugal"

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"A primeira alteração foi sem dúvida o poder votar. As primeiras eleições foram emocionantes. Tinha 18 anos, já pensava que ia mudar o mundo e a grande emoção de ir votar ficou-me na memória. Foi um ato de responsabilidade. E depois foi a festa nas ruas que tomou dimensões enormes no 1º de Maio. O estádio onde se realizou a festa, e que depois se chamou 1º de Maio, era atrás da minha casa. Foi a primeira vez que vi o Mário Soares e o Álvaro Cunhal. Foi uma festa como nunca antes se tinha visto em Portugal. Nunca tinha visto tanta gente na rua. Andei a passear pela Av. de Roma e havia uma partilha grande. Antes não se falava com as pessoas na rua. Lembro-me dos conselhos das avós para não se falar sobre certos temas nos táxis, com medo da Pide. Não havia confraternização. Até porque, mais de três pessoas a falar era considerado suspeito. Naquele dia estavam milhares na rua a manifestarem-se. Poder dar a opinião na rua e nas urnas foi o que mais me marcou."

Lídia Jorge
77 anos
Escritora
"Em criança ouvia dizer que as mulheres não tinham palavra de honra"

"O surgimento do novo código de família que permitiu o divórcio foi crucial do ponto de vista legal e simbólico: a ideia de que o casamento era algo indissolúvel. Acabou com a violência calada da submissão da mulher, com a ideia de que cada planta deve florir lá onde Deus a plantou. E levou os homens a verem as mulheres como parceiras. A segunda medida mais importante foi a abertura de profissões que estavam vedadas. As mulheres poderem ser juízas foi extraordinário, foi um ato supremo de crença na capacidade feminina. Imaginar uma mulher polícia era impensável. Em criança ouvia dizer que as mulheres não tinham contenção verbal, nem palavra de honra. E quando era adolescente ouvi uma professora a aconselhar alunas a não irem para Direito porque as mulheres eram muito afetivas e não tinham capacidade para julgar. A mulher era um ser humano com defeito. Isso foi ultrapassado. Sem isso, a minha vida teria sido diferente. Possivelmente não teria sido escritora."

Zita Seabra
74 anos
Editora
"Não havia coisa mais terrível do que ser filho ilegítimo"

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"A primeira coisa que fiz na madrugada do 25 de Abril foi ligar para os meus pais. Vivia na clandestinidade e não nos víamos há anos. A alteração mais importante foi a consagração na Constituição da igualdade de direitos entre homens e mulheres, que obrigou à modificação de toda a legislação que discriminava as mulheres e era muita. Mas a medida mais importante para mim foi o fim dos filhos ilegítimos. Antes do 25 de Abril, quem não era reconhecido pelo pai não tinha qualquer direito, incluindo à herança, e passou a ter todos. Não havia coisa mais terrível do que ser filho ilegítimo e muitas mulheres juntavam os nomes Espírito Santo para que os filhos não ficassem sem um segundo apelido. Apareceram irmãos bastardos em muitas famílias de bem, porque bastava a mãe indicar quem era o pai e este é que tinha de demonstrar que não o era. Orgulho-me muito de ter participado na comissão que fez esta alteração. Foi revolucionário."

Maria Filomena Mónica
81 anos
Socióloga

"Gostei da ideia do divórcio. Eu casara-me pela Igreja por pressão familiar"

"Na minha opinião a mudança mais fulcral foi o voto de 25 de Abril de 1976, o que anteriormente, devido ao meu sexo, não podia fazer. Em segundo lugar, foi a transformação da "separação judicial" de 1969 em divórcio. Eu casara-me pela Igreja seis anos antes devido à pressão familiar (estava grávida). Gostei da ideia em teoria: quanto menos a Igreja andasse de mãos dadas com o Estado melhor. Como nessa altura jurara nunca mais me voltar a casar nem sequer me importou. Afinal, acabaria por viver primeiro em regime de união de facto e depois ainda me casei numa Conservatória da Rua Infante Santo. Tudo isto sem ser ostracizada, o que era impossível antes do 25 de Abril."

Ana Salazar
82 anos
Estilista

"Não votar é péssimo. Mas tem de ser feito com cabeça, com conhecimento"

"Já era uma mulher independente quando aconteceu o 25 de Abril e nunca senti a repressão do Estado Novo. Casei-me com 16 anos, obrigada pela minha mãe que não quis que eu fosse viver com o Manuel sem casar. Ela tinha esses preconceitos, mas o meu marido era progressista e nunca me limitou. Desde os meus 20 anos que trabalhava como secretária de administração de uma empresa de importação e exportação e nunca lhe pedi autorização. Trabalhava e estudava inglês, alemão e francês. Penso que a grande medida do 25 de Abril foi o direito de votar. Não sabia que as mulheres não podiam votar e, na verdade, não votei nas primeiras eleições. Agora penso que não votar é péssimo. Mas tem de ser feito com cabeça, com cultura, com conhecimento. Nunca imaginei que fosse possível ser estilista, mas penso que teria sido mesmo sem o 25 de Abril. Abri a minha loja A Maçã, em 1972, e passava mais tempo em Londres e Paris do que em Portugal."

Texto Susana Lúcio
Fotografia Luís Manuel Neves, Bruno Colaço,Sérgio Lemos, João Cortesão
Vídeos Bernardo Franco 
Edição Leonor Riso
Webdesign Edgar Lorga 
Produção multimédia Sandro Martins 

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