Estar doente é ver com olhos de quem vê o mundo todo pela última vez, como se tudo passasse a ter um valor acima daquele que tem.
PARECE QUE É UMA VIROSE, é o que dizem. A virose tem costas largas, porque é muito de muita coisa e pouco de nada. Toda a gente está a ser alvejada por uma coisa qualquer que não tem nome, ó Sr. Bruno sabe que hoje em dia isto já não se sabe bem que nome dar, já são tantas que é Ben-U-Ron e Brufen e esperar até que passe. O que alivia é sermos muitos, mas o que assusta é que cada um tem a sua versão específica. Estar doente é ver com olhos de quem vê o mundo todo pela última vez, como se tudo passasse a ter um valor acima daquele que tem; é um leilão em que nunca percebemos bem se estamos a oferecer o valor justo, ou a subir a parada, toldados pela dor. A doença é tramada, tira a vontade de tudo. Olhamos para a rua e nada apetece, só conseguimos ficar a rodar na cama, a ver se os músculos chegam a acordo para não doerem tanto, se a cabeça nos dá paz. É uma dor que começa não se sabe bem onde, que vai por aí fora e viola-nos o corpo. O hospital está sempre lá ao fundo quando tudo falha, como último reduto da dor, uma relação silenciosa de amor-ódio na esperança que naquele edifício haja o alívio prometido. Lá dentro os enfermeiros começam a salvar-nos só de olharem por nós. Estão ali, na linha da frente, a lidar com os doentes que ficam a gemer a um canto enquanto levam soro, ou os que entram a achar que é só mais um bicho, e depois ficam lá para tratar de um bicho maior. A paciência e a generosidade dos enfermeiros é o que nos salva quando chegamos a um sítio tão assustador e frio como um hospital. Eles falam como pessoas que querem saber de nós, que se preocupam connosco, porque sabem que só por fazerem isso estão a salvar metade do que somos. E eu pergunto-me: como conseguimos devolver o que nos dão? Como podemos corresponder à generosidade de quem não mede sacrifícios e cuja tarefa é garantir que continuemos a viver – física ou emocionalmente – em paz? Talvez seja esse o grande milagre: a capacidade desses enfermeiros, com os seus gestos quase imperceptíveis, serem os familiares que não temos ali.
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