Tinha prometido a mim mesma que não voltaria a tirar as lentes cor-de-rosa que me permitem ver o mundo não exatamente como ele é mas com um filtro para suportar, melhor, a realidade. Por vezes, a realidade é-nos atirada à cara sem apelo nem agravo, as lentes estalam, estala o verniz e a verdade, ou a realidade, assume a sua verdadeira natureza. O mundo tornou-se um lugar feio, no qual as diferenças e distâncias se esbateram para criar um fosso entre as pessoas. Em todas as dimensões sociais, temos uma sociedade cada vez mais evoluída e, no entanto, retrógrada, com desenvolvimento e retrocesso a todos os níveis. Nunca se viveu tão bem e tão mal. Estamos, cada vez mais, reduzidos à nossa insignificância, fechados sobre nós mesmos, aparentemente abertos ao mundo. Em Portugal, nunca se comeu tão bem e tão mal, nunca estivemos tão na moda, e nunca fomos tão bem vistos por todos os detalhes sofisticadamente interessantes que premeiam o país naquilo em que é muito bom: gastronomia e vinhos, praias e hospitalidade. País bonito, com uma miséria crescente que escolhemos esconder ou ignorar. E, enquanto comemos cada vez pior, construímos um admirável mundo novo ao qual apenas alguns conseguem chegar. Paradigmático? Muito.