Insustentáveis arrendamentos
No feudalismo medieval, o feudo era a unidade básica: uma porção de terra concedida por um senhor a um vassalo, em troca de lealdade e serviço. A terra determinava o poder.
Poderia estar a falar da habitação. Afinal, em Portugal, a habitação passou de bem essencial, direito fundamental, indicador de dignidade social para um luxo ao qual apenas alguns conseguem chegar. Em Portugal, são já demasiadas as pessoas que trabalham, têm um salário que ultrapassa o mínimo nacional e não conseguem arrendar. Menos ainda, comprar. Casais separam-se mas vivem juntos por falta de alternativas. Jovens arrastam a estadia em casa dos pais. Filhos adultos regressam à infância, vivem com os pais por necessidade e não por afecto. Os preços continuam a subir, os rendimentos não acompanham. A Comissão Europeia alerta para uma sobrevalorização do preço das casas em 35%, traduzindo-se num esforço das famílias mais elevado do que nos restantes países da zona euro.
Lisboa é uma das capitais mais caras do mundo, jantar num restaurante tornou-se tão caro quanto nas cidades europeias mais caras e cosmopolitas, sem a mesma oferta cultural ou qualidade de vida. De acordo com um estudo recente da Chef’s Pencil, jantar em Berlim, Madrid e Roma é mais barato do que em Portugal. Temos um cosmopolitismo de aldeia, apressadamente renovado para turistas, num quadro que lembra que a tinta precisa secar, para perdurar.
Mas o arrendamento de que falo é outro. Invisível, igualmente injusto, talvez, ainda mais perigoso, altamente antidemocrático. Varoufakis assegura: vivemos num tecnofeudalismo e, como qualquer sistema feudal, pagamos o feudo. No caso, arrendamos espaço na nuvem, acesso à música, aos filmes, às aplicações que usamos, conteúdos e notícias, o nosso lugar nas redes e nas comunidades. No feudalismo medieval, o feudo era a unidade básica: uma porção de terra concedida por um senhor a um vassalo, em troca de lealdade e serviço. A terra determinava o poder. Hoje, o poder mede-se pelo acesso. Pagamos subscrições mensais para existir online. Os novos senhores são as plataformas que dominam a economia digital (Google, Amazon, Meta) que não produzem, mas controlam os espaços onde produzimos, trabalhamos e consumimos.
Neste novo sistema definido por Yannis Varoufakis, o feudo moderno é o pagamento regular para ter acesso contínuo a um serviço digital. A nova vassalagem é feita de dados pessoais e algoritmos. Podemos tentar ausentar-nos, mas estas plataformas tornaram-se essenciais à vida quotidiana. Viver sem um endereço de correio eletrónico é quase impossível, uma excentricidade reservada a figuras como o senhor Acácio, octogenário que Nelson Nunes descreve no seu livro sobre o cansaço contemporâneo: um homem que vive de acordo com a luz solar, algures numa aldeia da Beira Interior.
Vem daqui o cansaço. Do tecnofeudalismo e do feudalismo a que nos submetemos, todos os dias, na sociedade contemporânea. Se antes a terra determinava poder e riqueza, hoje é o acesso digital que define quem somos e o que podemos fazer. Comunicamos e socializamos por redes e mensagens, trabalhamos e colaboramos online, consumimos entretenimento em streaming, fazemos compras, estudamos, consultamos médicos e acedemos a informação sem sair de casa. Tudo passa pelo digital. Arrendamos o espaço onde vivemos, físico e virtualmente. E se antes arrendávamos uma casa, hoje arrendamos a própria vida: um espaço digital onde tudo tem dono, menos nós. Insustentável, é pouco.
Insustentáveis arrendamentos
No feudalismo medieval, o feudo era a unidade básica: uma porção de terra concedida por um senhor a um vassalo, em troca de lealdade e serviço. A terra determinava o poder.
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Edições do Dia
Boas leituras!