Democracia e justiça sem tabus
Um ano depois, a Operação Influencer esfumou-se. Podemos dizer que o Ministério Público não só fez "indecente e má figura", como continua a fazer.
A passada semana foi dura para a democracia. Não me refiro apenas à eleição de Donald Trump, ainda para mais com uma retumbante maioria. Na passada quinta-feira, 7 de novembro, assinalou-se um ano desde a demissão de António Costa como primeiro-ministro, na sequência de um parágrafo da Procuradoria-Geral da República, que haveria de derrubar uma maioria absoluta ainda nem a meio do seu mandato.
Um ano depois, a Operação Influencer esfumou-se. Podíamos começar pelo facto maior de António Costa ter sido ouvido a 24 de maio, mais de seis meses depois. Ou de daí não ter sido constituído arguido, o que revela a falta de indícios de que ele tenha praticado crimes. Incrivelmente, esse não foi o momento mais embaraçoso para o Ministério Público (e para todos nós). Será que já nos esquecemos da perplexidade internacional por confundirem Costa primeiro-ministro com Costa e Silva ministro da economia? Não é menos revelador que os juízes desembargadores do Tribunal de Relação de Lisboa tenham, a 17 de abril, considerado "por unanimidade" que, depois de analisar "todos os factos", não havia indícios de qualquer tipo de crime.
Um ano depois, sim, podemos dizer que o Ministério Público não só fez "indecente e má figura", como continua a fazer. Ainda não ouviu sequer os arguidos que não foram detidos e alimenta a suspeição, ao afirmar publicamente que António Costa continua a ser investigado, ao arrepio da presunção de inocência e do segredo de justiça.
Este caso, pelo seu alcance até ao mais alto nível do poder executivo em Portugal, abalou fortemente a nossa democracia. Não se deve, claro, fazer um processo de intenções sobre a coincidência temporal deste caso com o das gémeas, o enxerto do parágrafo assassino pela Procuradora-Geral da República ou, mesmo, a visita noturna ao chão salgado dos Távoras. Conscientes ou não do que estavam a fazer e da debilidade do caso que o sustentava, daquela manhã resultou um golpe não só para aquele governo e aquela maioria mas também para, assim, comprometer o pendor parlamentar do nosso sistema político e ferir gravemente a confiança pública na idoneidade dos políticos.
É compreensível que a direita quisesse mudar de Governo. Finalmente as contas públicas estavam equilibradas, a economia andava bem e, entre PRR e os processos negociais na Administração Pública, o PS estava perto de resolver os principais obstáculos à sua governação. Por outro lado, o governo andava coxo depois de vários escândalos e intensa luta social. Mas isso justifica interromper uma legislatura?
O mais parecido que houve na nossa história democrática a esta dissolução foi a de 2004. Sampaio fê-lo a um governo que já estava a substituir o que tinha resultado das eleições e que, na segunda metade da legislatura, via desaparecer diariamente a sua autoridade governativa e o suporte do seu parceiro de coligação. O caso de 2023 foi diferente, desde logo porque a maioria era recente e de um só partido. A legitimidade era outra. Mas há debates mais interessantes do que «foi cedo demais» ou «qual era a solução de recurso?».
Apenas em França é oferecido ao Presidente semelhante latitude para determinar, por sua exclusiva vontade, a dissolução da Assembleia. Ao criar precedente e doutrina de que a substituição de um Primeiro-Ministro ou o chumbo de orçamento implicam necessariamente eleições, Marcelo Rebelo de Sousa mudou unilateralmente o nosso sistema político, deixando-o mais frágil nesta época de grande fragmentação política.
Mais frágil do que o nosso sistema político fica, porém, o sistema de justiça. A credibilidade dos seus agentes deve preocupar-nos, claro. Mas não sejamos ingénuos. Não há justiça possível enquanto o bom nome de um cidadão puder ser enlameado com suspeição pública anos a fio sem que este possa ser devidamente acusado e julgado.
Foi precisamente para prevenir isto que, desde logo na Magna Carta de 1215 e depois na Carta Universal dos Direitos Humanos, se instituiu o "habeas corpus". Em Portugal, é possível a um arguido pedir a instrução do seu processo mas quem não tem esse "estatuto" pode ficar anos na condição de "mero" suspeito, condicionando a liberdade de desenvolver a sua vida política, pessoal e profissional. No entretanto, a pessoa é julgada em praça pública, com informações em segredo de justiça criteriosamente vazadas para a imprensa, num jogo perigoso que alimenta o populismo e o mito do homem providencial. Vai-se lá perceber por que razão cada vez menos gente quer fazer política…
Até então, a (falta de) justiça apenas tinha derrubado autarcas e ministros, depois inocentados. No dia 7 de novembro, foi um governo inteiro e, com ele, uma maioria eleita para quatro anos. Fizeram-no sem precisar de acusar, nem sequer de ter indícios de qualquer crime, como nos conta a opinião unânime dos juízes da Relação. Um ano depois, importa quebrar o tabu e refletir. Se não o fizermos, estaremos a ser cúmplices com o que verdadeiramente foi um golpe não só sobre um governo mas sobre a própria democracia.
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