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Mariana Moniz Psicóloga Clínica e Forense
18.04.2025

Atração sexual por animais: da fantasia à ação

Como outras perturbações do foro sexual, o interesse sexual por animais surge espontaneamente na pessoa, não escolhendo ela sentir esta atração.

No início do mês de abril, fomos confrontados com a notícia de um homem encontrado pela PSP inconsciente, após ter violado uma ovelha, em Vila Real. O animal, ensanguentado na zona genital, estava, infelizmente, morto, e o homem acabou por se recusar a ser transportado até ao hospital, abandonando o local após ser identificado pelas autoridades.

Esta ocorrência, que retrata um ato de violência contra um animal, é especialmente invulgar pelo envolvimento sexual com aquele, e pode-nos pôr a pensar sobre o que motivará alguém a ter relações sexuais com animais e o que poderá explicar, do ponto de vista psicológico, este tipo de conduta.

Apesar de remeter para uma prática com registos que remontam à Idade do Ferro e à Idade do Bronze, poucos são os estudos modernos que procuram providenciar uma explicação sobre este tipo de comportamentos. Como tal, poderemos dizer que o bestialismo, isto é, a prática sexual entre um ser humano e um animal, permanece como um dos últimos verdadeiros tabus da atualidade. No entanto, não deixa de ser uma temática que vale a pena escrutinar e explanar.

Iniciando esta análise, teremos, em primeiro lugar, de distinguir o conceito de bestialismo do de zoofilia. Se, por um lado, o bestialismo se refere, de forma genérica, ao estabelecimento de contacto de natureza sexual com animais, a zoofilia remete para uma atração sexual persistente e duradoura por animais. Este último termo é, como tal, o mais utilizado por profissionais de saúde mental, uma vez que ilustra a vertente cognitiva e psicológica, e não apenas a vertente comportamental do envolvimento sexual com animais. Aliás, a zoofilia é, atualmente, considerada uma perturbação inserível nas parafilias não especificadas, no Manual de Diagnóstico e Estatística das Perturbações Mentais (DSM-5-TR). O que difere, efetivamente estes dois conceitos é o processo mental subjacente ao ato: uma pessoa com práticas de bestialismo não tem, necessariamente, de sentir desejo sexual exclusivamente por animais, e uma pessoa com zoofilia não tem, necessariamente, de passar ao ato e de se envolver sexualmente com estes.

Devido ao tabu do tema e ao estigma existente em torno de quem padece de zoofilia, pouco sabemos sobre a prevalência real desta patologia na população. Os estudos existentes apontam para uma prevalência de fantasias e atos sexuais com animais que vai até aos 5% na população geral, até aos 15% em populações psiquiátricas e superior a 30% em populações forenses, particularmente em agressores sexuais. Estas percentagens, contudo, podem estar sub-representadas, devido à natural relutância em admitir a atração ou prática sexual com espécies diferentes.

Autores têm procurado, ao longo dos anos, alcançar uma definição de zoofilia que abranja as diversas vertentes e dimensões da patologia, pelo que um dos classificadores mais estudados divide estes sujeitos em dez classes:

  1. Roleplayers de bestialismo, ou seja, pessoas que se envolvem sexualmente com humanos que fingem ser animais; frequentemente denominados de furries;
  2. Zoófilos românticos, que mantêm animais de companhia para obter estimulação psicossexual, mas que não se envolvem sexualmente com estes;
  3. Zoófilos que fantasiam sexualmente com animais, mas que não passam à ação, podendo masturbar-se na presença do animal;
  4. Zoófilos de contacto, isto é, que tocam na zona genital dos animais para que estes atinjam o orgasmo;
  5. Zoófilos fetichistas, que preservam partes dos animais, como pelos, para usar em atividades sexuais;
  6. Bestialismo sádico, ou seja, pessoas que derivam prazer sexual de atividades sádicas contra o animal, como a tortura;
  7. Zoófilos oportunistas, que se envolvem em atividades sexuais com animais porque não existem pessoas disponíveis para este envolvimento;
  8. Zoófilos comuns, que preferem a relação sexual com animais e não procuram este envolvimento com pessoas;
  9. Zoófilos homicidas, que preferem matar os animais antes de se envolverem sexualmente com estes;
  10. Zoófilos exclusivos, que se envolvem exclusivamente com animais, excluindo qualquer possibilidade de se envolverem com pessoas.

Podemos, então, dividir este conceito em muitas tipologias e expressões, pelo que as motivações destas pessoas para o envolvimento sexual com animais vão variar em função da classe onde se inserem. Como tal, enquanto alguns sujeitos podem atribuir este contacto sexual a afeto e atração pelo animal, outros podem argumentar que este se deveu a uma questão de curiosidade, conveniência e incapacidade de ter este tipo de contactos com pessoas.

Para além das questões legais e éticas inerentes à prática de atos sexuais com animais, que não devem ser descuradas mesmo nos casos em que o animal não morre ou fica ferido, reforçamos que esta patologia pode também ser nociva para as próprias pessoas, estando associada a mal-estar psicológico atribuível à avaliação negativa que fazem do próprio comportamento e práticas e ao estigma social em torno da mesma. Nestas situações, profissionais de saúde mental deverão adotar as metodologias que empregariam noutras parafilias.

Como outras perturbações do foro sexual, o interesse sexual por animais surge espontaneamente na pessoa, não escolhendo ela sentir esta atração. Aliás, reconhecemos que pode ser causadora de grande vergonha e sofrimento. No entanto, este interesse não tem de passar à ação. Pode, efetivamente, ser gerido, mediante o recurso a apoio especializado. Se padece desta patologia, procure ajuda. Salvaguarde-se, a si, e aos animais à sua volta.

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