Secções
Entrar
Margarida Reis Secretária-geral da Associação Sindical dos Juízes Portugueses
14.11.2025

O lado invisível das decisões públicas

A justiça administrativa não limita a ação do Estado, dá-lhe solidez. Uma decisão administrativa tomada dentro dos limites legais, devidamente fundamentada e transparente, reforça a confiança dos cidadãos e aumenta a segurança das instituições.

Todos nós lidamos diariamente com decisões da Administração Pública, mesmo sem nos apercebermos disso. Desde a escola onde matriculamos os nossos filhos, ao centro de saúde que nos é atribuído, aos impostos que pagamos, ao concurso público que define quem presta um serviço essencial, quase tudo passa por um ato administrativo. E quando algo corre mal, quando uma decisão é injusta, errada ou simplesmente não fundamentada, a resposta está na justiça administrativa. 

A jurisdição administrativa foi criada justamente para controlar a legalidade da atuação do Estado. Tem por função garantir que o poder público respeita a lei, trata os cidadãos com equidade e não ultrapassa os limites que lhe são impostos. Esta função é tanto mais relevante quanto mais complexa se torna a atuação administrativa, que hoje abrange áreas técnicas e especializadas, com impacto direto no quotidiano de todos. 

Assim, e ao contrário do que se possa imaginar, os tribunais administrativos não existem para travar políticas públicas nem para “criar obstáculos” ao Governo. A justiça administrativa não limita a ação do Estado, dá-lhe solidez. Uma decisão administrativa tomada dentro dos limites legais, devidamente fundamentada e transparente, reforça a confiança dos cidadãos e aumenta a segurança das instituições. Quando existe a possibilidade de escrutínio judicial, a Administração tende naturalmente a agir com maior rigor, sabendo que as decisões serão avaliadas à luz da lei e dos princípios constitucionais. 

Esta jurisdição contribui igualmente para uma Administração mais exigente consigo própria. O conhecimento de que as decisões podem ser controladas favorece práticas mais consistentes e reforça a previsibilidade da atuação pública. Uma Administração segura dos seus fundamentos decide melhor, e uma sociedade que compreende este mecanismo aprecia melhor a função do Estado. Este efeito estruturante, ainda que discreto, é essencial para o bom funcionamento dos serviços públicos e para a qualidade da ação administrativa. 

Como todas as áreas que integram as funções do Estado, também a justiça administrativa enfrenta desafios. A complexidade crescente da vida pública (como os processos de contratação pública, urbanismo ou regulação económica), o aumento do número de atos sujeitos a controlo (procedimentos concursais, decisões de regulação, atos digitais) e a evolução tecnológica (automatização administrativa, plataformas eletrónicas e novas exigências de gestão digital) colocam exigências que precisam de ser acompanhadas com meios adequados. São desafios superáveis, desde que existam condições de trabalho compatíveis com a responsabilidade que a Constituição atribui a esta jurisdição. 

Importa, por isso, recordar que um sistema de justiça administrativa forte beneficia toda a comunidade. Protege os cidadãos quando enfrentam decisões injustas ou desproporcionadas, mas oferece também segurança à própria Administração, que encontra nos tribunais um espaço de validação e esclarecimento. Um Estado que decide com qualidade é um Estado mais confiável, mais eficaz e mais próximo das pessoas. 

Num contexto em que se pede à Administração que seja transparente, próxima e responsável, a justiça administrativa desempenha uma função decisiva, assegurando que o exercício do poder segue regras claras e respeita os direitos fundamentais.  

Valorizar esta jurisdição é, por isso, valorizar um Estado que decide bem, que respeita os cidadãos e que cumpre, com seriedade, as responsabilidades que a democracia lhe confia. 

Mais crónicas do autor
14 de novembro de 2025 às 14:35

O lado invisível das decisões públicas

A justiça administrativa não limita a ação do Estado, dá-lhe solidez. Uma decisão administrativa tomada dentro dos limites legais, devidamente fundamentada e transparente, reforça a confiança dos cidadãos e aumenta a segurança das instituições.

07 de novembro de 2025 às 08:09

Mais apoio nos tribunais, justiça mais rápida

Importa que o Governo dê agora um sinal claro, concreto e visível, de que avançará rapidamente com um modelo de assessoria sólido, estável e devidamente dimensionado, para todos os tribunais portugueses, em ambas as jurisdições.

17 de outubro de 2025 às 08:57

O paradoxo FET

Importa recordar que os impostos são essenciais ao funcionamento do Estado e à prossecução do interesse público, constituindo o pilar do financiamento dos serviços públicos, da justiça social e da coesão nacional.

26 de setembro de 2025 às 08:55

Quem tem medo dos tribunais fiscais no pleno exercício da justiça?

A Administração Fiscal dispõe apenas de um prazo limitado para refazer as contas e emitir uma nova liquidação. Se esse prazo terminar antes de a nova liquidação estar pronta, o Estado perde a possibilidade de recuperar a receita.

12 de setembro de 2025 às 07:00

Justiça fiscal em debate

A introdução da obrigatoriedade de uma reclamação administrativa prévia (gratuita) como condição de acesso ao tribunal surge como uma solução a ponderar, com provas dadas em países como a França e a Alemanha.

Mostrar mais crónicas
Descubra as
Edições do Dia
Publicamos para si, em três periodos distintos do dia, o melhor da atualidade nacional e internacional. Os artigos das Edições do Dia estão ordenados cronologicamente aqui , para que não perca nada do melhor que a SÁBADO prepara para si. Pode também navegar nas edições anteriores, do dia ou da semana.
Boas leituras!