Gaza não é Timor
À mesa dos media é, então, servido um menu em que consta, em primeiro lugar, a obtenção de um mandato das Nações Unidas reconhecendo a «autoridade suprema política e legal» desta entidade que Blair se propõe dirigir.
«Autoridade Internacional Interina de Gaza» é o nome proposto para a entidade que se propõe governar o território palestiniano durante cinco anos sob a presidência do antigo primeiro-ministro britânico Tony Blair.
O último dos planos para a pacificação e reconstrução do território está a ser divulgado com a aprovação da Casa Branca, que aparentemente abandonou a alucinação de uma Riviera em Gaza, e conta com promessas de financiamento das monarquias sunitas do Golfo Pérsico.
O antigo chefe de governo trabalhista fez saber que se empenha na reconstrução de Gaza e lembra os seus esforços como enviado especial do «Quarteto», criado em 2002 pela ONU, União Europeia, Estados Unidos e Rússia, para mediar conversações de paz.
Blair assumiu o cargo em 2007, logo que deixou Downing Street, e até 2015 manteve contactos com representantes palestinianos e israelitas, enquanto simultaneamente alargava a sua lucrativa e controversa actividade de consultoria política através da «Tony Blair Associates», empresa dissolvida em 2016.
Sucedeu-lhe o «Tony Blair Institute for Global Change» que tem colaborado designadamente com empresários e políticos norte-americanos – caso de Jared Kushner genro de Donald Trump –, israelitas e árabes em estudos e projectos no Médio Oriente.
À mesa dos media é, então, servido um menu em que consta, em primeiro lugar, a obtenção de um mandato das Nações Unidas reconhecendo a «autoridade suprema política e legal» desta entidade que Blair se propõe dirigir.
Presumindo a aprovação do Conselho de Segurança, Blair lideraria a Autoridade de Gaza à frente de um secretariado constituído por 25 pessoas e uma administração com sete a dez membros, incluindo pelo menos um palestiniano.
A entidade começaria por ter sede em Al Arish, na península egípcia do Sinai, até existirem condições de segurança para se estabelecer em Gaza.
Um contingente internacional das Nações Unidas, integrando maioritariamente militares de nações árabes e islâmicas, asseguraria a pacificação e segurança em Gaza.
Nos termos dados a conhecer do projecto, que visaria uma passagem gradual do poder à Autoridade Palestiniana, o secretariado executivo supervisionaria cinco comissões encarregadas da segurança, questões humanitárias, reconstrução, assuntos legislativos e coordenação com a Autoridade Palestiniana, sedeada em Ramallah na Cisjordânia.
Nesta fase da guerra, o Projecto Blair, chamemos-lhe assim, declara-se apostado em evitar qualquer expulsão de palestinianos e em garantir que o abandono voluntário de Gaza não implica perda de direitos de propriedade, nem um eventual retorno ao território.
Uma entidade apresentada como comissão palestiniana apartidária, integrando tecnocratas e técnicos reputados administraria, sob supervisão da Autoridade, os serviços essenciais de saúde, educação, assistência social e infraestruturas.
Uma personalidade nomeada pela Autoridade chefiaria esta entidade a que incumbiria, ainda, a formação e direcção de forças policiais e de um sistema judicial independente.
Inspira-se assumidamente este projecto de encantar na «Missão Interina das Nações Unidas para Administração do Kosovo», criada em Junho de 1999, e na «Administração Transitória das Nações Unidas em Timor-Leste», estabelecida em Outubro do mesmo ano.
Nos Balcãs e em Timor-Leste Blair foi protagonista das grandes decisões como chefe de Londres, cargo que exerceu entre 1997 e 2007, e nesta incursão em Gaza a sua proposta terá necessariamente de ser combinada e alterada em função de outros projectos alternativos de pacificação e reconstrução.
Na antiga província sérvia o objectivo do Conselho de Segurança consistia em «assegurar condições para uma vida pacífica e normal para todos os habitantes do Kosovo e promover a estabilidade regional nos Balcãs Ocidentais».
Actualmente, a estabilidade é incerta e esta missão ainda está activa, apesar do essencial das suas funções ter sido assumido em Fevereiro de 2008 pela União Europeia por altura da declaração de independência do Kosovo, estado reconhecido presentemente por mais de uma centena de países, entre eles Portugal.
Em Timor-Leste, a administração da ONU, liderada pelo brasileiro Sérgio Vieira de Mello[, foi bem-sucedida – considerando o baixíssimo nível de desenvolvimento –, beneficiou da atitude não-hostil de Jacarta e prolongou-se até Maio de 2002 quando a independência da miserável ex-colónia portuguesa e torturada vigésima sétima província indonésia se tornou realidade.
O empenho de Blair na guerra ao Iraque de 2003, sem cobertura do Conselho de Segurança da ONU, desqualifica-o como mediador no entender de muitos envolvidos no conflito israelo-árabe.
O problema principal deste projecto, bem como da proposta de cessar-fogo e reforma da Autoridade Palestiniana patrocinada por Emmanuel Macron e o chefe da diplomacia saudita Faisal al-Saud, tem a ver, contudo, com a ausência de imposição militar.
Independentemente da relevância global e das disparidades entre os conflitos provocados pelo desmembramento da Jugoslávia socialista e o fracasso da ocupação indonésia de Timor-Leste, em ambos os casos a ameaça de uso da força após a falência política de regime – queda de Suharto – e os bombardeamentos da NATO foram essenciais para obrigar a cedências.
Em 1999 só a ameaça de uso de força militar propiciada por consenso entre as potências do Conselho de Segurança quanto a Timor-Leste e a acção unilateral da NATO graças à debilidade da Rússia de Ieltsin na disputa dos Balcãs, permitiu estabelecer, posteriormente, administrações da ONU.
Em Gaza tudo isto está ausente.
Não existe qualquer possibilidade de obrigar Israel pela força militar a concessões políticas, parcerias políticas com forças palestinianas são uma miragem, consenso no Conselho de Segurança da ONU coisa do passado e os intrincados interesses divergentes dos estados do Médio Oriente manterão o conflito em lume brando na melhor das hipóteses.
Nem o que correu menos mal no Kosovo ou o que de melhor calhou em sorte a Timor-Leste deixa vislumbre de esperança para a desgraça das gentes de Gaza.
Gaza não é Timor
À mesa dos media é, então, servido um menu em que consta, em primeiro lugar, a obtenção de um mandato das Nações Unidas reconhecendo a «autoridade suprema política e legal» desta entidade que Blair se propõe dirigir.
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