
JOAQUIM MOUZINHO – O MILITAR
"Este reino é obra de soldados"
Mouzinho de Albuquerque
(in, carta a S. Alteza Real o Príncipe D. Luís Filipe de Bragança).
A carreira militar de Mouzinho, ilumina-se através das seguintes acções militares, todas vitoriosas:
- Participação no combate de Coolela e ocupação do Manjacaze.
Comandado pessoalmente:
- O golpe de mão sobre Chaimite e aprisionamento do Gungunhana;
- A pacificação do Maputo;
- A campanha dos Namarrais onde se travaram os combates de Mujenga, Naguema, Ibrahimo e Mucuto-Munu;
- A campanha de Gaza onde se registaram os combates de Macontene, Mapulanguene e Calapati;
- As campanhas da Zambézia em 1897 e 98.
Em todas estas acções que espantaram o mundo, tendo em conta os nossos muito limitados recursos e as derrotas que outros mais fortes que nós tinham sofrido, e cujo espírito é ilustrado pelo seguinte diálogo, que antecedeu o combate de Magul:
"Guia civil, António:
- Meu Capitão, 6500 negros, são muitos negros..."
Paiva Couceiro:
- "Mas 275 portugueses também são muitos portugueses.
Em todas estas acções Mouzinho demonstrou as suas extraordinárias qualidades de chefe e de militar das quais se destacam a sua serenidade e bravura debaixo de fogo, como é ilustrado pela sua postura na batalha de Coolela fumando charuto à direita do Coronel Galhardo, que tinha à sua esquerda o Tenente Pinheiro, o qual empunhava a primeira bandeira que acompanhou as forças expedicionárias em África e que está hoje à guarda da Sociedade de Geografia. Mouzinho viu o seu cavalo ser morto neste combate.[1] Além de corajoso, era intrépido e bravo. Recorde-se a famosa carga de Macontene em que Mouzinho sai do quadrado à frente dos seus 50 lanceiros, levando apenas um "stick"!
Mas sabia ser temperado, quando em Mujenga intentava liderar uma perigosa carga, foi detido por Gomes da Costa que lhe chamou a atenção de que os seus deveres de comandante o impediam de se arriscar tanto. Mouzinho apesar de contrariado acatou o alvitre.
Mouzinho tinha, enfim, um conjunto alargado de virtudes militares: iniciativa, capacidade de decisão, sangue frio, estoicismo etc. comandava pelo exemplo e tinha estofo de general:
Aliava a visão estratégica á flexibilidade táctica as quais eram suportadas por vasta cultura e capacidade intelectual e organizativa. E punha em tudo a mais estrita ética.
Mouzinho não estava apenas eivado de espírito militar: ele era o espírito militar, como bem demonstrado por mais uma passagem da carta, tantas vezes citada:
"Porque ser soldado não é arrastar a espada, passar revistas, comandar exercícios, deslumbrar as multidões com os doirados da farda. Ser soldado é dedicar-se por completo à causa pública, trabalhar sempre para os outros".
Mouzinho de Albuquerque
(in carta ao Príncipe D. Luís Filipe de Bragança)
Mouzinho não deixava nada ao acaso e preparava as suas acções. Antes de ser mobilizado para Moçambique, estudou as campanhas que outras potências europeias já tinham realizado em África e aconselhava-se com quem sabia, nomeadamente Caldas Xavier. Obtinha informações sobre o inimigo, o armamento e as tácticas, e preparou o seu esquadrão o melhor possível para o que ia encontrar e em fazer dele "uma boa tropa".
Quando embarcou já tinha ideias assentes sobre como se deveriam processar as operações e disso deu conta em artigos que escreveu no jornal Novidades e expôs o que pensava ao próprio Ministro do Ultramar. Mas não o conseguiu fazer ao Governador de Moçambique António Ennes, quando aportou a Lourenço Marques.
A nomeação de Ennes tem uma história curiosa: Quando os Vátuas cercaram Lourenço Marques, em 1894, o governo português não sabia muito bem o que fazer. Ennes estava em Lisboa e era jornalista, na altura. E como tal zurzia o governo. D. Carlos chamou-o e disse-lhe: "Se tu dizes tão mal do governo é porque és capaz de fazer melhor", ao que aquele respondeu afirmativamente, desde que o governo lhe desse plenos poderes. O Rei convenceu o Governo a nomeá-lo Comissário Régio.
António Ennes, que chegou a Moçambique em Janeiro de 1895, não tinha experiência de África nem percebia nada de tropa, mas teve a inteligência e a humildade de ir escolher os melhores oficiais que havia na Marinha e no Exército. As operações que vieram a ser planeadas estão assim, competentemente delineadas (e já tinham começado, tendo-se ferido o combate de Marracuene, em 2 de Fevereiro) e ajustavam-se ao pensamento de Mouzinho, que entretanto chegou em Maio. Este, porém, não gostava, de Ennes, embora nunca deixasse transparecer isso em público.
Mas com os seus íntimos tratava-o por "chungo-congolo", expressão depreciativa que no dialeto Quitonga, de Inhambane, quer dizer, europeu grande. Mouzinho era teimoso acreditava no valor dos militares e não gostava em geral dos paisanos, especialmente dos políticos, que acusava de terem duas caras. Sem embargo, acabou derrotado por eles.
Finalmente, Mouzinho era um inovador. Sendo o primeiro a utilizar e a desenvolver o conceito de armas combinado, utilizando o movimento, o choque e a manobra e adequando a Infantaria, a Cavalaria, a Artilharia, as metralhadoras, a Engenharia, a Intendência e até a Marinha, às necessidades de cada acção; desenvolveu novas tácticas, como foram por exemplo, as cargas de cavalaria em mato cerrado (contra tudo o que se ensinava); e a formação de pequenos grupos de atiradores que procuravam limpar o terreno à volta do quadrado. E a campanha de Gaza foi considerada por numerosos especialistas, a mais bem concebida e levada a cabo, de todas as que se realizaram no Sul da África. Este espírito de inovação e gosto pelo risco são características que muito fazem falta nos dias que correm...
Pode-se considerar como epílogo da vida militar activa, de Mouzinho a ordem à força armada do exército da África Oriental, datada de 30 de Julho de 1898, após a sua demissão de Comissário Régio.
Eis um pequeno excerto:
"Srs. Oficiais, oficiais inferiores e mais praças desta guarnição...
Tenho a consciência que, enquanto estivestes sob as minhas ordens, não teve o vosso brio de soldados portugueses que sofrer a afronta de ver pactuar com rebeldes, poupar o castigo a traidores, nem recuar perante os inimigos de El-Rei e da Pátria. Entregando o comando resta-me a esperança de que continuem a manter-se intactas nesta província a honra da nossa bandeira e as gloriosas tradições do Exército e da Armada portuguesa"
Caros leitores, grandes contrastes encerra esta missiva, com muitos outros exemplos que conhecemos!...
[1] O cavalo do Coronel Galhardo, comandante da coluna norte, chamava-se "Mike" e tinha sido comprado por Aires de Ornelas, no Transval, por 35 libras. Este magnífico animal veio a passar para a posse de Mouzinho que com ele fez toda a Campanha dos Namarrais.
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