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Francisca Costa Gestora de projetos
19.07.2024

Caça às bruxas

Este tipo de ações não violentas têm sido alvo de divergências e controvérsia no debate público. Independentemente de se concordar ou não com a operacionalização e comunicação das mesmas, é indubitável que as penas aplicadas a estes protestos não violentos são manifestamente desproporcionais.

Numa corrida contra o tempo para reverter os efeitos das alterações climáticas, os tribunais têm sido verdadeiros campos de batalha seja para legitimar, seja para condenar ações de protesto de ativistas.

Ontem, 18 de julho, a maior sentença de sempre por protestos pacíficos no Reino Unido foi dada a cinco ativistas climáticos do coletivo Just Stop Oil. Esta condenação teve por base uma chamada Zoom em que os visados recrutavam novos membros para fazerem parte de uma ação de desobediência civil que iria interromper o normal funcionamento de uma autoestrada britânica. Depois de duas semanas de julgamento, o juíz condenou um dos ativistas a 5 anos de prisão e os restantes a 4 anos de prisão cada um. As questões climáticas, enquanto motivações que levaram à ação, foram consideradas irrelevantes e inadmissíveis para o caso, por se tratarem, segundo o juíz, de meras convicções pessoais e opiniões políticas.

Os manifestantes vêm estas ações como último mecanismo possível dentro do estado de direito para chamar a atenção relativamente à iminente crise climática, replicando aquilo que foi feito por outros movimentos sociais ao longo da história para salvaguardar os seus direitos fundamentais, como é o caso das sufragistas, lutas LGBT e anti-racistas. Na falha das instituições democráticas, quer seja do poder legislativo e executivo por parca legislação climática, quer seja do poder judicial pelos intermináveis processos, resta a esperança na desobediência civil como forma de chamar à atenção para a crise mais ameaçadora do século.

Mesmo assim, este tipo de ações não violentas têm sido alvo de divergências e controvérsia no debate público. Independentemente de se concordar ou não com a operacionalização e comunicação das mesmas, é indubitável que as penas aplicadas a estes protestos não violentos são manifestamente desproporcionais. No caso do Reino Unido, a pena aplicada a estes ativistas está bem acima da média das penas aplicadas a crimes de roubo, posse de drogas, fraude ou posse de armas, segundo os dados mais recentes de 2022/2023.

É igualmente indubitável que a ciência, que considera o ser humano como principal causador das alterações climáticas devido à queima de combustíveis fósseis, não se trata de uma mera crença ou opinião política mas sim de um consenso alargado de cientistas por todo o mundo, legitimados pelo Painel Intergovernamental das Alterações Climáticas das Nações Unidas.

Deste modo, a decisão do tribunal britânico no ano mais quente de sempre, parece o culminar de perseguições que têm sido feita nos últimos anos a ativistas e movimentos sociais. Ainda este ano, ativistas alemães do coletivo Last Generation foram equiparados a organizações criminosas, mesmo estando apenas a exercer o seu direito à manifestação. A violência policial e atentados a direitos humanos têm sido também sistemáticos neste tipo de manifestações um pouco por toda a Europa, incluindo Portugal, tal como consta no mais recente relatório da Amnistia Internacional "Pouco protegido e demasiado restringido: O estado de direito de manifestação em 21 países Europeus".

A caça às bruxas que levou a milhares de perseguições, julgamentos e condenações na Europa entre os séculos XV e XVIII terminaram com o aumento do pensamento crítico e desenvolvimento científico. Paradoxalmente, a ciência, que deveria guiar a ação política no combate às alterações climáticas é deliberadamente ignorada nas principais instituições democráticas que perseguem estes manifestantes. A criminalização de ativistas climáticos representa por isso, não apenas uma falha da justiça e do estado de direito, como tmbém uma repetição de erros históricos.

É urgente adaptar as respostas dos sistemas legais aos desafios climáticos, capacitar os juízes para compreenderem o impacto das evoluções socio-ambientais na intrepretação e aplicação da lei e dotar os ativistas de uma melhor proteção jurídica. Só assim será possível evitar que a luta pela justiça climática se transforme na caça às bruxas das democracias ocidentais.

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