Quando a incompetência ganha, há perdas. Incluindo a perda de vidas humanas
Só espero que, tal como aconteceu em 2019, os portugueses e as portuguesas punam severamente aqueles e aquelas que, cinicamente e com um total desrespeito pela dor e o sofrimento dos sobreviventes e dos familiares dos falecidos, assumem essas atitudes indignas e repulsivas.
Este não era, de todo, o assunto que queria abordar neste meu texto. Só que, entretanto, ocorreu a tragédia com o Elevador da Glória. E morreram pessoas - para já 16 pessoas, de várias nacionalidades - e outras ficaram feridas, algumas com muita gravidade.
Não quero e não vou fazer aproveitamento político do caso. E não o faço porque alguns que no passado cavalgaram tragédias com o intuito de obter ganhos partidários (estou a pensar naquela que aconteceu em Pedrogão Grande em 2017) estão agora a não querer que outros ajam como eles, mas sim porque considero ética e moralmente miserável uma tal conduta.
Claro que esse ignominioso exemplo de 2017 já está agora a ser seguido por alguns e algumas.
Só espero que, tal como aconteceu em 2019, os portugueses e as portuguesas punam severamente aqueles e aquelas que, cinicamente e com um total desrespeito pela dor e o sofrimento dos sobreviventes e dos familiares dos falecidos, assumem essas atitudes indignas e repulsivas.
Não obstante, estas tragédias não podem ser ignoradas e tudo tem de ser feito para que não se repitam. E, muito sinceramente, é angustiante constatar que pouco ou nada é feito para as evitar.
E o que vem acontecendo com os incêndios é a prova mais evidente da veracidade dessa afirmação.
O que significa que o problema é mais profundo e, por mais terrível que seja uma qualquer dessas trágicas ocorrências, mais grave do que qualquer uma delas.
Nos tempos da minha juventude – ou seja, durante a década de 70 do século passado -, tomei conhecimento de duas teses sociológicas de que hoje não ouço falar muito; refiro-me ao “Princípio de Peter” e à “Lei de Murphy”.
O primeiro destes conceitos, criado pelo canadiano Laurence J. Peter, um psicólogo, pedagogo, professor universitário e homem porventura um pouco pessimista, mas com um extraordinário sentido de humor, que nasceu em Vancouver no dia 16 de setembro de 1919 e faleceu na Califórnia, numa povoação do Condado de Los Angeles chamada Palos Verdes Estates, no dia 12 de janeiro de 1990, assegura-nos que “Numa hierarquia todo empregado tende a subir até seu nível de incompetência. Com o tempo, cada posto tende a ser ocupado por um funcionário que é incompetente para realizar suas funções […] O trabalho é realizado pelos funcionários que ainda não atingiram o seu nível de incompetência.”.
Esta noção conceptual foi exposta num livro satírico intitulado exactamente “O Princípio de Peter” que, tendo sido finalizado na primavera de 1965, apenas foi publicado em 1969 e que se tornou um êxito literário (anos mais tarde, o mesmo autor, já sem a colaboração de Raymond Hull, que prefaciou aquela obra, escreveu um outro livro no qual relacionou sessenta e seis maneiras de combater a promoção de alguém incompetente).
O que significa que, se os seus membros (ou, pelo menos, a maioria deles) forem devidamente cuidadosos/precavidos e agirem de forma racional, as Comunidades não estão condenadas inexoravelmente a ser dirigidas por incompetentes.
Já quanto à “Lei de Murphy”, atribuída a uma frase que terá sido proferida em 1949 por Edward A. Murphy, um engenheiro aeronáutico e militar da Força Aérea dos Estados Unidos (USAF), na sequência de uma falhada experiência por si dirigida, mas que tem antecedentes históricos apresentados pelo matemático britânico Augustus De Morgan, que, em 1866, escreveu que "tudo que pode acontecer acontecerá" e pelo também britânico mágico Nevil Maskelyne, que, em 1908, afirmou que "tudo que pode correr mal irá correr mal".
De acordo com essa dita “Lei”, depois de algumas reformulações, se, num qualquer empreendimento humano, é possível que algo corra mal, irá correr mal de certeza.
Como sempre, esta proposição pode ser configurada em termos negativistas, mas pode igualmente ser percepcionada de um modo positivo, qual seja, no planeamento de qualquer actividade ou empreendimento, devemos ter sempre em conta o que pode correr mal para que essa ocorrência possa ser evitada ou para que os seus efeitos nocivos e/ou perigosos possam ser minimizados.
Em suma, decorre da efectiva natureza das coisas que, se não forem tomadas as devidas cautelas, os acidentes são inevitáveis e as suas consequências podem ser terríveis.
E essas devidas cautelas são um planeamento escrupuloso e uma execução cuidadosa e rigorosa dos projectos, bem como uma não menos rigorosa, cuidadosa e escrupulosa
manutenção dos materiais usados, o que passará por inspecções periódicas desses mesmos materiais, também elas rigorosas, cuidadosas e escrupulosas.
E, acima de tudo, devendo todos esses actos ser realizados por pessoas capazes, competentes e conscientes das suas responsabilidades profissionais e sociais.
Isto é, conscientes de que, em muitos casos, está em causa servir o Bem Público da Comunidade e não interesses particulares, por mais dignos que sejam.
E é por isso mesmo que certos serviços não podem ser entregues a entidades privadas que, muito legitimamente, têm como objectivo primeiro a criação de lucros para os detentores do seu capital social.
Eu não sou inimigo do Mercado, apenas refiro e insisto que certas actividades, pela sua relevância para o Bem Público da Comunidade, têm de ser geridas por entidades públicas.
Desde a vitória ideológica e política do ideário neo-liberal que se tornou dominante a ideia de que as entidades públicas são estruturalmente incompetentes e ineficazes - logo, incapazes de dar satisfação às necessidades e aos anseios das populações - e que esse objectivo de bem servir os membros da Comunidade só será possível com a privatização dos serviços e/ou com a entrega da gestão dos mesmos a entidades privadas (o dito “outsourcing”).
A experiência histórica aponta em sentido contrário, mas quem é que, nos tempos que correm, está interessado na verdade?
Aliás, para o pensamento pós-moderno, a verdade é subjectiva - apenas existem percepções da realidade e não uma realidade objectiva, e, no que respeita a percepções, cada um tem as suas.
As consequências desta ideologia - porque de uma ideologia se trata - estão bem à vista: a contínua e persistente degradação dos serviços prestados à Comunidade é um facto indesmentível, uma realidade inegável.
Mas não, dizem os manipuladores (mentirosos sem pudor nem vergonha), isso é só a má-língua dos detratores a funcionar, no futuro, vai ser tudo maravilhoso.
Contudo, como nos ensina a sabedoria popular, o pior cego é aquele que não quer ver.
Porém, a verdade é que as consequências nefastas do padrão ideológico dominante nas sociedades pós-modernas tornam-se ainda mais graves por a competência, o profissionalismo e a dedicação ao serviço público (ao Bem Público da Comunidade)
deixaram de ser os critérios usados para a escolha dos responsáveis da Administração Pública.
Infelizmente, há já várias décadas – logo, trata-se de um mal (porque é mesmo um mal, um gravíssimo mal) que é transversal a todo o espectro político do país - que o critério relevante é a fidelidade ao partido, ou, pior ainda, ao chefe de partido que detém o poder no momento em que as escolhas estão a ser feitas.
E, normalmente, as pessoas competentes não são bajuladoras. É uma questão de feitio.
Mau feitio, acrescento. Mas isto sou eu a falar, pois, como já abundantemente me foi apontado, eu sou mesmo uma pessoa com muito mau feitio.
Acontece, porém, que os bajuladores gastam tanto tempo e energia a ser os tartufos tão bem descritos pelo dramaturgo, actor e encenador francês Jean-Baptiste Poquelin (o nosso conhecido Molière), que não sabem fazer outra coisa que não isso.
A sua competência esgota-se na sabujice e na eliminação de todos e todas que lhe possam fazer sombra (mas nisso são mesmo muito competentes).
E os perigos assinalados no “Princípio de Peter”, que são reais e não uma invenção destinada a facilitar a criação de piadas que são boas para entreter o público, tornam-se uma inevitabilidade.
E, cereja no topo do bolo, uma outra das consequências da vitória ideológica e política do ideário neo-liberal é a que está consubstanciada na também contínua e persistente degradação do valor económico dos salários e das condições de vida de quem vive do seu trabalho.
É penosa, infeliz e sem esperança a vida de um número cada vez maior dos portugueses e das portuguesas (e daqueles que imigram para Portugal em busca de trabalho – salvo os ditos nómadas digitais).
E quem sente essa infelicidade, essa desesperança e esse sentimento de não ser tratado/a como devia ser - como merecia ser -, não gera a vontade de ser competente na mal paga actividade profissional que essa pessoa desempenha.
E, com tudo isto, está criada a tempestade perfeita para que as tragédias ocorram.
E se nada for feito para inverter esta suicidária jornada não em direcção à noite, ou sequer longa (Eugene O’Neill), mas sim de descida aos infernos (Carlos de Oliveira), as tragédias irão continuar a acontecer. Com sorte, não morrerá muita gente.
Quando a incompetência ganha, há perdas. Incluindo a perda de vidas humanas
Só espero que, tal como aconteceu em 2019, os portugueses e as portuguesas punam severamente aqueles e aquelas que, cinicamente e com um total desrespeito pela dor e o sofrimento dos sobreviventes e dos familiares dos falecidos, assumem essas atitudes indignas e repulsivas.
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