O que será que vai ser necessário para furar a bolha de irracionalidade em que estamos imersos?
É de uma ironia cruel que as pessoas acabem por votar naqueles que estão apostados em destruir o Estado Social. Por isso mesmo, são responsáveis pela perda de rendimentos e de qualidade de vida da grande maioria dos portugueses e das portuguesas.
Muito sinceramente, admito que a quase totalidade dos habitantes dos países da União Europeia e dos restantes Estados do chamado Mundo Ocidental estejam não apenas desiludidos, mas até furiosos com os dirigentes políticos que detiveram o poder nesses países nas últimas décadas, ou mais exactamente, desde o início dos anos 80 do século passado. Ou, quem sabe, têm-lhes mesmo um profundo ódio.
Provavelmente, no resto do Mundo tudo será muito semelhante, mas prefiro concentrar-me nessa área mais restrita (o dito Mundo Ocidental), relativamente à qual detenho algum conhecimento mais detalhado.
Voltando, então, à apreciação do que tem vindo a acontecer na zona do planeta em que Portugal está inserido, após várias décadas de um muito significativo conforto para a generalidade desses povos, alicerçado sobretudo pela existência de um Estado Social que foi edificado após o final da Segunda Guerra Mundial nos países que se encontravam na esfera de influência dos EUA – país no qual, curiosamente, essa forma de organização social verdadeiramente nunca existiu e cuja riqueza sempre derivou de forma substancial da circunstância de o dólar ser virtualmente a única moeda corrente usada nos negócios internacionais -, tudo começou a mudar quando a ideologia neo-liberal, assente num radical individualismo e numa intensa e cada vez mais acelerada desregulação da actividade económica e do próprio relacionamento social, se tornou dominante.
Já agora, antes de prosseguir, importa sublinhar que na URSS e nos Estados da chamada Europa de Leste - incluindo os não membros do Pacto de Varsóvia (primeiro só a Jugoslávia e, após a invasão da Checoslováquia em agosto de 1968, também a Albânia) - quer se queira quer não, também nunca existiu uma estruturação da sociedade sequer minimamente semelhante a um Estado Social.
Retornando à vitória ideológica do neo-liberalismo, os seus efeitos na vida das populações começaram a ser visíveis exactamente por volta do início desses anos 80 do século XX do 2º Milénio dC, e traduziram-se num contínuo enfraquecimento das estruturas do Estado, considerado demasiado “gordo” e asfixiante do desenvolvimento das capacidades/potencialidades dos indivíduos e das entidades privadas.
Claro que esse “emagrecimento” do Estado não atingiu uniformemente todos os sectores da estrutura estatal e acabou por concentrar-se sobremaneira nas áreas das prestações sociais à Comunidade.
De início, tudo foi acontecendo muito lentamente, mas a implosão do denominado Bloco de Leste, que se iniciou com a queda do Muro de Berlim em 9 de novembro de 1989 e se concluiu com a dissolução do Pacto de Varsóvia e da própria URSS ocorridas, respectivamente, a 25 de fevereiro e a 26 de dezembro de 1991, vieram acelerar exponencialmente esse processo.
Afinal, para os defensores dessa ideologia, a “Guerra contra o Comunismo” terminou nessa altura com a vitória total do Ocidente (contra o “Império do Mal”, como afirmava alguma propaganda), e chegou até a ser proclamado, de forma muito empolgada e vibrante, que havia chegado “o fim da História”.
E tivemos os anos de ouro da globalização que corresponderam ao triunfo, a nível planetário, da desregulamentação. E foi dada rédea solta à “mão invisível do Mercado”.
Teoricamente, a deslocalização da indústria e de outras actividades económicas para os países mais pobres deveria conduzir – e assim se apregoava com grande alarido – a uma elevação do rendimento de todos os cidadãos e cidadãs do Mundo.
Que rotunda falsidade!
O resultado de toda esta mistificação pretensamente filantrópica foi um colossal alargamento do fosso, que já existia e já era abismal, entre ricos e pobres, agravando de forma descomunal a desigualdade na distribuição da riqueza criada a nível planetário.
Nunca como agora existiram tantos bilionários e super-ricos no Mundo.
Só que a contrapartida dessa verdadeiramente obscena acumulação de riqueza num reduzidíssimo número de pessoas (os chamados “1%”) foi o progressivo empobrecimento e o quase desaparecimento das classes médias, sem que as camadas ainda mais desfavorecidas dos vários povos do Mundo daí retirassem um qualquer benefício. Antes pelo contrário, também esses grupos sociais se tornaram ainda mais pobres do que antes já eram.
Perante tudo isto e como não podia deixar de ser, o descontentamento popular foi crescendo e com ele o fortalecimento das pulsões irracionais que são inerentes à natureza humana. E também da violência.
Como nunca me cansarei de repetir (até que a voz me doa, como cantava e ainda canta a fadista Maria da Fé), todos os seres humanos sem excepção, seja qual for a cor da sua pele, a sua etnia ou o grupo cultural a que pertencem, nascem selvagens, egoístas e tendencialmente irracionais, e só a educação/aprendizagem permite(m) que se torne perceptível que o estabelecimento de plataformas de colaboração colectiva e a criação de mecanismos de resolução pacífica de conflitos (ou, pelo menos, com um mínimo de violência) são algo muito benéfico para todos.
A Civilização não é, de todo, algo de natural nos seres humanos, antes sendo uma árdua construção cultural que exige esforço e tempo. E também, como enunciou Winston Churchill, que custou muito sangue suor e lágrimas – e as vidas – de várias gerações de homens, mulheres e, infelizmente, até de crianças.
Que fique claro, também eu tenho algum desprezo por muitos dos dirigentes políticos portugueses e mundiais que nos últimos anos ocuparam os lugares de poder a nível planetário – e em particular na União Europeia e nos seus Estados membros -, muito concretamente, pela sua vergonhosa hipocrisia e dualidade de critérios (e não estou a pensar apenas no que acontece com a guerra na Ucrânia e o horripilante genocídio que está a ser praticado na Faixa de Gaza), e pela sua absoluta falta de Ética e de princípios morais no exercício das funções para as quais foram eleitos ou nomeados.
E, em alguns casos, esse desprezo é tão profundo que chega a roçar o ódio.
Logo, eu compreendo a animosidade sentida por uma grossa fatia da população portuguesa pelos políticos que desde o início do século XXI (e 3º Milénio dC) têm governado o país.
Porque, quem quiser ser honesto, os últimos 49 anos (1974 e 1975 – até ao 25 de novembro – foram anos de crise revolucionária e muita ingovernabilidade), não podem/devem ser considerados como uma única ininterrupta e perversa cadeia de comportamentos uniformes.
Isto apesar de durante todo esse tempo, incluindo o da crise revolucionária, ter havido gente que mentiu alarvemente com quantos dentes tinha na boca, e também muita gente corrupta a ocupar lugares nos diversos aparelhos do Estado.
Acontece, porém, que há quem não queira ser honesto e, o que é muito pior, há quem nunca tenha chegado a aprender os mecanismos mentais que permitem separar o que é real do que é uma manipulação fabricada e a distinguir a verdade da mentira, e, de igual modo, que não tenha conseguido adquirir os conhecimentos que permitem perceber as inúmeras e insuperáveis vantagens que decorrem da existência de efectivas plataformas de colaboração colectiva e de mecanismos de resolução pacífica de conflitos.
Em suma, as insuperáveis vantagens e os grandes benefícios da existência de um Estado de Direito e do respeito pela Democracia e pelos direitos humanos universalmente válidos.
Não obstante, o que é para mim muito difícil aceitar é que essas falhas – porque são mesmo falhas – e esse ódio tenham tornado possível a criação de uma bolha de grosseira irracionalidade em que está imersa uma grossa fatia da população portuguesa e que agora já não é só alimentada pelas perniciosas redes sociais e pela propaganda maléfica do Chega, mas também por muita comunicação social e por partidos políticos que de modo oportunista e irresponsavelmente alinham na propaganda xenófoba, racista e supremacista que, contra toda a verdade dos factos que é reconhecida pelas entidades oficiais, desde as polícias ao INE e à Segurança Social, elege os imigrantes como bode expiatório por todos os males que afectam a sociedade no seu todo.
De facto, é de uma ironia cruel que as pessoas acabem por votar naqueles que estão apostados em destruir o Estado Social e que são, eles sim, responsáveis pelo desmantelamento que já ocorreu dessa estrutura social que tantos benefícios trouxe às várias camadas populacionais que não apenas às mais desfavorecidas, e, por isso mesmo, que são responsáveis pela perda de rendimentos e de qualidade de vida da grande maioria dos portugueses e das portuguesas.
E a essa gente, que é corrupta e que mente e insulta descarada e despudoradamente, tudo se perdoa e tudo se permite.
E tamanha irracionalidade irrita-me profundamente.
A ponto de, quando ouço certas pessoas a falar, surgir na minha mente um pensamento mórbido, qual seja: se calhar é necessário que o partido fascista, xenófobo, racista e homofóbico cujo cabeça de cartaz (único cabeça de cartaz?) é André Ventura, ganhe as eleições numa qualquer Câmara Municipal para que, perante a constatação da vacuidade do seu programa e da inconsistência das suas propostas, seja perfurada a bolha de irracionalidade na qual está mergulhada essa grossa fatia da população portuguesa a que repetidamente venho aludindo.
Mas terá de ser só uma Câmara, porque, como já aconteceu na Europa nas décadas de 1920 e 1930, e actualmente em outros países em que a extrema-direita ascendeu ao poder (que não só nos EUA), quando essa gente se torna governo, a sua primeira preocupação é a de criar condições para que não voltem a ter lugar eleições livres e democráticas.
E introduzir alterações constitucionais ou elaborar novas constituições, sem que esse assunto tenha sido objecto de debate nas campanhas eleitorais que lhe deram o acesso ao poder, são os meios de que habitualmente essas forças políticas se gostam muito de servir.
Será que esta é mesmo a única forma de pôr fim a este crescendo de irracionalidade que, se não for invertido, tanto mal nos fará? Espero que não. Mas não estou optimista.
O que será que vai ser necessário para furar a bolha de irracionalidade em que estamos imersos?
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