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Robert Wilson: "Senti uma forte afinidade com Pessoa"

À SÁBADO, o encenador diz que na sua nova peça, "Since I've Been Me", os heterónimos de Pessoa interagem "como se fossem um, num prisma".

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Edição de 9 a 15 de setembro
Robert Wilson: 'Senti uma forte afinidade com Pessoa'
Pedro Henrique Miranda 06 de março de 2025 às 18:46
Lucie_Jansch

É comum vermos a vida e obra de Fernando Pessoa plasmadas na nossa produção artística, em filmes, livros, artes visuais ou performativas, numa eterna recorrência, releitura ou reinterpretação do seu legado. Menos comum é confrontarmo-nos com uma visão estrangeira desse legado, um olhar externo sobre um corpo de trabalho que se tornou pilar central da nossa identidade cultural.

É isso que faz o encenador Robert Wilson em Pessoa - Since I've Been Me, que nos próximos dias - entre esta quinta-feira, 6 de março, e este sábado, 8 - ocupa a sala Luís Miguel Cintra do Teatro São Luiz, em Lisboa. E quando Robert Wilson - veterano de 83 anos e mais de cinco décadas no teatro, considerado um dos mais destacados expoentes da encenação experimental no mundo - fala, nós escutamos. 

"[A peça] surgiu porque me pediram para fazê-la", responde Wilson, secamente, por email à SÁBADO, referindo-se à encenação do texto do também norte-americano Darryl Pinckney, que procurou explorar, em particular, os heterónimos de Pessoa, ou seja, "os seus aliados numa grande aventura, a busca pela voz libertada da poesia", escreve Pinckney na folha de sala da peça.

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Já Wilson refere que se inspirou "nos textos de Pessoa e na admiração e fascínio pelo mundo que ele criou". "Senti uma forte afinidade com ele, senti liberdade e senti-me confortável nesse mundo", diz o encenador, que fez do título da peça, Since I've Been Me, "um dos primeiros versos" que leu de Pessoa: "Tornou-se na lente através da qual passei a enquadrar a sua visão."

Esse nome, versão traduzida e abreviada do verso, na versão inglesa, "It's been a long time since I've been me", de Álvaro de Campos, destila a multiplicidade tão característica da obra de Pessoa, e que Wilson escolheu interpretar dramaticamente como reverso. "Cada oposto precisa do seu oposto", disse, explicando que se interessou pelo "duplo negativo", como a ideia de "não não estar".

Como é que tudo isso se traduz em cena? Wilson diz que Pessoa e os seus heterónimos, que partilham o palco, "interagem como se fossem todos um, num prisma", recordando a ideia da personagem da lagarta em Alice no País das Maravilhas: "Tudo o que conseguir imaginar é verdade", em tradução livre.

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Talvez seja útil, neste âmbito, recuperar a descrição de Pinckney da encenação, quando afirma que "a liberdade de imagem de Wilson é equivalente a esses alegres e sérios céticos da metafísica", já que "Wilson está tão atento quanto Pessoa à realidade dos sonhos e à falta de confiança no concreto" - máximas expressas por Pessoa "através do culto e da libertação dos múltiplos eus que existiam na sua cabeça".

Wilson não resiste, ainda assim, em estabelecer uma conexão entre este domínio abstrato e a concretude dos tempos que vivemos. "Estava muito convencido de que a Kamala Harris ganharia [as eleições presidenciais americanas] e li, na manhã seguinte, que Donald Trump ganhou", confessa, acrescentando que a primeira linha da sua peça, que tinha estreado na noite anterior às eleições, era: "Não sei o que o amanhã trará".

Pessoa - Since I've Been Me está em cena no Teatro São Luiz, em Lisboa, até quinta-feira, 8 de março, com bilhetes já esgotados. 

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