Secções
Entrar

Robert Wilson: "Senti uma forte afinidade com Pessoa"

À SÁBADO, o encenador diz que na sua nova peça, "Since I've Been Me", os heterónimos de Pessoa interagem "como se fossem um, num prisma".

Pedro Henrique Miranda 06 de março de 2025 às 18:46
Lucie_Jansch

É comum vermos a vida e obra de Fernando Pessoa plasmadas na nossa produção artística, em filmes, livros, artes visuais ou performativas, numa eterna recorrência, releitura ou reinterpretação do seu legado. Menos comum é confrontarmo-nos com uma visão estrangeira desse legado, um olhar externo sobre um corpo de trabalho que se tornou pilar central da nossa identidade cultural.

É isso que faz o encenador Robert Wilson em Pessoa - Since I've Been Me, que nos próximos dias - entre esta quinta-feira, 6 de março, e este sábado, 8 - ocupa a sala Luís Miguel Cintra do Teatro São Luiz, em Lisboa. E quando Robert Wilson - veterano de 83 anos e mais de cinco décadas no teatro, considerado um dos mais destacados expoentes da encenação experimental no mundo - fala, nós escutamos. 

"[A peça] surgiu porque me pediram para fazê-la", responde Wilson, secamente, por email à SÁBADO, referindo-se à encenação do texto do também norte-americano Darryl Pinckney, que procurou explorar, em particular, os heterónimos de Pessoa, ou seja, "os seus aliados numa grande aventura, a busca pela voz libertada da poesia", escreve Pinckney na folha de sala da peça.

Lucie_Jansch

Já Wilson refere que se inspirou "nos textos de Pessoa e na admiração e fascínio pelo mundo que ele criou". "Senti uma forte afinidade com ele, senti liberdade e senti-me confortável nesse mundo", diz o encenador, que fez do título da peça, Since I've Been Me, "um dos primeiros versos" que leu de Pessoa: "Tornou-se na lente através da qual passei a enquadrar a sua visão."

Esse nome, versão traduzida e abreviada do verso, na versão inglesa, "It's been a long time since I've been me", de Álvaro de Campos, destila a multiplicidade tão característica da obra de Pessoa, e que Wilson escolheu interpretar dramaticamente como reverso. "Cada oposto precisa do seu oposto", disse, explicando que se interessou pelo "duplo negativo", como a ideia de "não não estar".

Como é que tudo isso se traduz em cena? Wilson diz que Pessoa e os seus heterónimos, que partilham o palco, "interagem como se fossem todos um, num prisma", recordando a ideia da personagem da lagarta em Alice no País das Maravilhas: "Tudo o que conseguir imaginar é verdade", em tradução livre.

Lucie_Jansch

Talvez seja útil, neste âmbito, recuperar a descrição de Pinckney da encenação, quando afirma que "a liberdade de imagem de Wilson é equivalente a esses alegres e sérios céticos da metafísica", já que "Wilson está tão atento quanto Pessoa à realidade dos sonhos e à falta de confiança no concreto" - máximas expressas por Pessoa "através do culto e da libertação dos múltiplos eus que existiam na sua cabeça".

Wilson não resiste, ainda assim, em estabelecer uma conexão entre este domínio abstrato e a concretude dos tempos que vivemos. "Estava muito convencido de que a Kamala Harris ganharia [as eleições presidenciais americanas] e li, na manhã seguinte, que Donald Trump ganhou", confessa, acrescentando que a primeira linha da sua peça, que tinha estreado na noite anterior às eleições, era: "Não sei o que o amanhã trará".

Pessoa - Since I've Been Me está em cena no Teatro São Luiz, em Lisboa, até quinta-feira, 8 de março, com bilhetes já esgotados. 

Receba o seu guia para sair
todas as semanas no seu e-mail
Subscreva a Newsletter GPS e seja o primeiro a saber as melhores sugestões de fim-de-semana. Subscreva Já