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Cinco livros para lembrar Mario Vargas Llosa (1936-2025)

O escritor peruano foi celebrado e prestigiado com o Nobel pela sua "cartografia das estruturas do poder". Revisite cinco dos seus títulos mais memoráveis.

Pedro Henrique Miranda 14 de abril de 2025 às 16:07
Regina Kühne

Mario Vargas Llosa (1936-2025) era um escritor que queria ser lembrado pela sua escrita. "Quando escrevo literatura, acho que as ideias políticas são secundárias. Acho que a literatura compreende um horizonte mais vasto da experiência humana", disse, no discurso de aceitação do Prémio Nobel da Literatura de 2010, ainda que tenha reconhecido que "a literatura latino-americana está impregnada de preocupações políticas que, em muitos casos, são mais preocupações morais".

Não é fácil, no seu caso, distanciar ambas as vertentes - não só porque se tornou crescentemente vocal em relação às suas opiniões políticas, movendo-se de uma juventude esquerdista em direção ao apoio assertivo do neoliberalismo, mas porque a sua obra, que se debruçou sobre a especificidade da vivência latino-americana no século XX, sempre se preocupou, em maior ou menor grau, com as consequências da política nessa vivência. 

Galardoado com o Nobel pela "cartografia das estruturas do poder", as suas obras centravam-se na examinação dos autoritarismos na América Latina - frequentemente das ditaduras que grassaram a região no seu tempo de vida - e da resistência do indivíduo perante a violência das instituições. Fique com alguns dos mais formidáveis exemplos. 

A Cidade e os Cães (1963)

O seu primeiro romance, publicado quando o autor tinha apenas 27 anos, foi um sucesso instantâneo devido à polémica que gerou em torno da Academia Militar Leoncio Prado, que Vargas Llosa frequentou na adolescência e na qual se baseou para tecer uma trama de abuso e hierarquia social entre cadetes - os "perros", ou cães, do título. Um exemplo do realismo social baseado nas suas experiências de vida (que viria a empregar em muitas outras obras), é celebrado pela narrativa experimental de múltiplos pontos de vista e denúncia do autoritarismo militar - uma marca da sua juventude ligada à política de esquerda.

A Casa Verde (1966)

A sua segunda grande obra de ficção vai ainda mais longe na experimentação narrativa: saltando entre duas localizações e histórias - a cidade costeira de Piura e a Amazónia Peruana -, está dividido em 5 capítulos, cada um começando com uma descrição impressionista sem parágrafos, e cobre um período de 40 anos de forma não-linear. As histórias, que giram em torno de um bordel misterioso e do crime e comércio de borracha na floresta amazónica, são baseadas em memórias e experiências que impressionaram Vargas Llosa.

Conversa n'A Catedral (1969)

A completar a tríade mais célebre dos primeiros romances de Vargas Llosa sobre a realidade social do seu país, este livro, publicado em 1969, centra-se numa conversa entre duas personagens de realidades sociais distintas - o filho de um empresário bem-sucedido e o seu motorista - para retratar o Peru dos anos 50 sob a ditadura de Manuel A. Odriá. Com raízes nos movimentos de oposição estudantil ao regime autoritário de Adriá que Vargas Llosa testemunhou na sua juventude, centra-se num traço característico da sua literatura desta época: o caráter pernicioso, ubíquo e sistémico da corrupção na sociedade peruana.

A Guerra do Fim do Mundo (1981)

Tido por muitos como um dos seus melhores romances - e pelo próprio Vargas Llosa, a certa altura, como a sua maior conquista literária -, é também o primeiro a afastar-se tematicamente do Peru, centrando-se, no seu lugar, numa narrativa ficcionada da Guerra de Canudos, um confronto entre rebeldes liderados pelo místico Antônio Conselheiro e a polícia republicana no norte do estado brasileiro da Bahia. A história verdadeira, de contornos sinistros - Conselheiro pregava a iminência do fim do mundo (daí o título do livro) e conseguiu, com armas rudimentares, repelir três investidas do exército brasileiro - é palco para o entrelaçar complexo de dezenas de personagens.

A Festa do Chibo (2000)

Talvez o último grande romance de Vargas Llosa, explora, com a característica ambição do autor, o assassinato de Rafael Trujillo, ditador da República Dominicana por mais de trinta anos, e os efeitos duradouros que teve na sociedade dominicana nas décadas subsequentes, saltando temporalmente entre o dia do homicídio, em 1961, e trinta e cinco anos depois, em 1996. A decadência do regime é relatada através de diversos pontos de vista, num retrato multifacetado de um dos autoritarismos da América Latina - um dos seus mais duradouros legados.

Regina Kühne
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