Roald Dahl é um dos mais lidos (e comprados) autores infantis do mundo. Escreveu dezenas de livros icónicos, sendo que muitos viraram filmes de sucesso, como Charlie e a Fábrica de Chocolate, ou GGG - Grande Gigante Gentil. Agora voltou às notícias porque a sua editora decidiu lançar novas edições onde é substituída linguagem considerada ofensiva. A decisão foi contestada por milhares de utilizadores das rede sociais que lamentam a alegada cedência ao politicamente correto, mas também por figuras do mundo das artes e até do primeiro-ministro britânico que clamam por censura. Os livros sobre o agente James Bond vão também ser revistos para que sejam retiradas referências consideradas racistas.
Roald Dahl nasceu em 1916 e morreu em 1990 e, durante quase 50 anos escreveu histórias infantis repletas de aspetos excêntricos e até algo retorcidos. Tornou-se um dos autores mais vendidos de sempre, com mais de 300 milhões de exemplares das suas obras vendidos em todo o mundo. Agora a sua editora britânica, a Puffin Books, quer estender os seus livros a novos públicos e para o conseguir contratou leitores para reverem os trabalhos do escritor e a que sugerissem alterações.
As alterações ao livro foram descritas peloTelegraphque refere que no livro Charlie e a Fábrica de Chocolate, os Oompa-loompas passaram de "homens pequenos", "minúsculos" a "pessoas pequenas" ou simplesmente "pequenos". Ao mesmo tempo que o "gordo Augustus Gloop" passa a ser o "enorme Augustus Gloop". As palavras "doido" ou "louco" foram também removidas dos textos.
Mas não é só no vocabulário que há alterações.Matildajá não lê um livro de Conrad (autor de O Coração das Trevas e acusado de ser racista), mas sim um de Jane Austen (autora de Ema) e não "viaja pela Índia de Rudyard Kipling" (escritor de O Livro da Selvaeacusado de ser "colonialista, nacionalista, racista, anti-semita, misógino, imperialista de direita e apologista da guerra"), mas sim pela "Califórnia de Steinbeck" (autor de As Vinhas da Ira). Esta é uma das alterações que tem levantado mais críticas por mexer no conteúdo e não apenas na forma.
Outro exemplo de alteração que tem sido alterado está emJames e o Pêssego Gigante, no qual as canções sofrem também alterações. A tia Sponge deixa de ser "terrivelmente gorda/ e tremendamente flácida já agora" e passa a: "A tia Sponge era uma bruta velha e terrível/ E mereceu ser esmagada por uma fruta".
A decisão tomada pela Puffin Books vai, alegadamente, contra a vontade de Dahl que se terá manifestado contra alterações aos seus textos. "Avisei os meus editores que se no futuro eles mudarem sequer uma vírgula dos meus livros, nunca mais vão ver outra palavra escrita por mim. Nunca! Nunca mais", disse o autor, em 1982, acrescentando: "Quando eu morrer, se tal acontecer, espero que o poderoso Thor lhes dê na cabeça com o seu Mjolnir [martelo]. Ou então vou mandar o crocodilo enorme [uma das suas mais famosas personagens] para engoli-los inteiros", explica oThe Guadian.
Mas a verdade é que o próprio Dahl chegou a alterar os seus textos originais. Inicialmente, os oompa-loompaseram descritos como pigmeus trazidos de África. Mas quando o livro foi adaptado para o cinema pela primeira vez em 1971, uma associação contra o racismo emitiu um comunicado que expressava preocupação que este pormenor pudesse remeter para a escravatura. Dahl concordou com a interpretação e editou o livro com alterações. Os oompa-loopas passaram então a ser brancos e foram apagadas as referências a África.
A nova iniciativa de alterar os seus textos foi tomada inicialmente pela família do autor, tendo sido continuadas depois do catálogo ter sido comprado pela Netflix, em 2021, por 500 milhões de libras (quase 600 milhões de euros). Salman Rushdie, escritor britânico, comentou que esta decisão da editora era uma "censura absurda", apesar de reconhecer que Dahl "não era um anjinho" - ao longo da vida proferiu várias frases consideradas anti-semitas. Rishi Sunak, o primeiro-ministro britânico, criticou também a decisão, defendendo que as obras de ficção devem ser "preservadas e não retocadas". A associação PEN America, composta por cerca de 7.500 escritores, diz-se "alarmada" perante a iniciativa.
Os livros de Dahl em Portugal são editados pela Oficina do Livro que refere que ainda não recebeu indicações de que deviam substituir o texto nas edições nacionais. A Puffin Books já disse que vai também editar uma coleção dos "Clássicos de Roald Dahl" sem as alterações que vão ser agora introduzidas.
Também as aventuras do espião ao "Serviço de Sua Majestade" vão receber alterações de forma a remover referências consideradas racistas ou ofensivas. A obra de Ian Fleming, que começou a ser publicada na década de 50 do século passado, vai ser revista e editada, anunciou a Ian Fleming Publications, empresa que detém os direitos das obras literárias do autor, a propósito da comemoração dos 70 anos de 007.
Serão eliminadas referências étnicas de muitas personagens e editadas algumas para que sejam menos suscetíveis de ferir sensibilidades, avançou a editora, que optará por manter outros conteúdos potencialmente ofensivos, como referências misóginas ou homofóbicas. A editora quer fazer o mínimo de edições possíveis.
Os livros de Fleming vão passar a incluir uma advertência no início: "Este livro foi escrito numa época em que termos e atitudes que poderão ser considerados ofensivos pelos leitores modernos eram comuns", adiantou o The Telegraph. "Foram feitas uma série de atualizações nesta edição, mantendo o mais próximo possível do texto original e do período em que está definido".