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Em A Língua Resgatada, o primeiro volume de uma trilogia dedicada às memórias, o Nobel búlgaro viaja até à infância e ao início do século XX.
Serão poucos os miúdos que descrevam um colega de escola do qual não gostem como um Ricardo III. E serão poucos os adultos que se recordam com tanta clareza de episódios que tenham acontecido quando tinham quatro ou cinco anos. Não é o caso de Elias Canetti, autor búlgaro que venceu o Nobel da Literatura em 1981. Em A Língua Resgatada narra as suas memórias com especial nitidez.
Este é o primeiro volume da trilogia dedicada às suas memórias, a ser publicada pela Cavalo de Ferro, editora que já tinha avançado, em 2011, com Auto de Fé, o seu único romance, e, em 2017, com os ensaios Massa e Poder e A Consciência das Palavras. Da relação difícil com a mãe à adoração pelo pai - que morreu cedo e de forma inesperada quando a família tinha acabado de se mudar para Londres -, à aproximação e reconciliação com a figura materna, com quem acabaria por desenvolver uma relação quase simbiótica de companheirismo, Canetti lembra uma infância dividida por vários países.
Nasceu a 25 de Julho de 1905 em Ruse, na actual Bulgária, onde aprendeu não só búlgaro como ladino (um dialecto de espanhol arcaico falado pelos judeus sefarditas, aqueles com origem em Portugal e Espanha). Com a mudança para Inglaterra aprendeu inglês e, por último, alemão, língua que surgiu da curiosidade, primeiro - os pais quando queriam conversar sem que Elias percebesse falavam em alemão entre si -, e pela necessidade, depois - com a morte do pai a família mudou-se para Viena. "Conversava-se muito sobre línguas; só na nossa cidade falavam-se sete ou oito (...). Cada um contava as línguas que sabia e era importante dominar muitas, através do seu conhecimento podia salvar-se a própria vida e a dos outros", lê-se na página 41.
A experiência mais importante que teve aconteceu a meio da infância, quando o pai lhe ofereceu o primeiro livro, As Mil e Uma Noites, com o objectivo de que Elias o lesse e, no dia seguinte, narrasse a história. Seguiram-se os contos dos irmãos Grimm, Robinson Crusoe, As Viagens de Gulliver, D. Quixote e Shakespeare - "... quase tudo aquilo que mais tarde me veio a formar estava contido nestes livros, que eu li por amor ao meu pai, aos sete anos de idade", desabafa. Já a sua memória mais antiga é também a mais traumática, e passou-se quando tinha apenas dois anos: um homem fingiu que lhe cortava a língua com um canivete. Só mais tarde, em conversas com a mãe, é que associaram o sucedido a umas férias passadas na República Checa, em 1907. A partir daí, perder a língua seria, para sempre, o seu maior medo.
A Língua Resgatada
Cavalo de Ferro
352 págs.
€21,98