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Tudo pelo Vosso Bem, uma sátira que vai perdendo acidez

Misto de thriller e comédia negro, o filme conquistou a Netflix assim que estreou, mas o crítico só adorou os primeiros 30 minutos. Porquê?

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Edição de 19 a 25 de agosto
Tudo pelo Vosso Bem, uma sátira que vai perdendo acidez
Pedro Marta Santos 24 de março de 2021 às 08:00
DR

Sátira social, thriller de gangsters e comédia negra, Tudo Pelo Vosso Bemmove-se entre os géneros com igual agilidade, mas falha em levar o seu cinismo até às últimas consequências, num universo temático ao centro das notícias de 2020/2021 pelos motivos mais trágicos: a assistência aos idosos e os lares onde tantas vezes são depositados rumo ao esquecimento.

Marla Grayson (Rosamund Pike) move-se nas perversões do sistema judicial norte-americano como um tubarão branco. Com a assistência, nos limites da legalidade, de médicos e gestores de casas de repouso a quem distribui dividendos, e graças à conivência de um juiz desatento, ela garante atestados de incapacidade psicológica de reformados com poupanças e vida estável, tornando-se sua guardiã e sorvendo-lhes os bens.

O azar bate-lhe à porta quando abocanha uma presa choruda, Jennifer Peterson (Dianne Wiest), solteirona septuagenária com passado profissional no sector das finanças, de carteira de seguros folgada e diamantes escondidos na caixa-forte de um banco.

Marla descobrirá da pior maneira que Peterson é, na realidade, mãe de um implacável chefe de bando da máfia russa, disposto a tudo para recuperar a progenitora e as pedras preciosas. Mas a self made woman é feita de uma fibra difícil de quebrar.

Os primeiros 30 minutos deTudo Pelo Vosso Bemsão deliciosamente cínicos (e assustadores), colocando-se a nu a rede de alçapões e subterfúgios que permite nos EUA, por motivos médicos, internar um cidadão sem o seu consentimento ou entregá-lo a instituições em caso de demência ou de doenças neurológicas como Alzheimer ou Parkinson, retirando-lhe direitos básicos.

Rosamund Pike é quase inigualável no estilo glacial da máquina loira desprovida de empatia – Marla poderia ser a Amy Dunne deGone Girl - Em Parte Incerta(David Fincher, 2014) caso esta não tivesse sido apanhada por homicídio –, e cedo aprendemos a gostar de odiá-la.

Dianne Wiest, fruto venenoso de resistência e perversidade, é igualmente suculenta num papel contraintuitivo para o espectador, já que a atriz nos habituou durante décadas a um registo de mãe doce e amante carinhosa.

É pena que o humor sombrio vá abrindo caminho às circunvoluções do thriller mais ou menos convencional, pela batalha de engenhos entre Marla e o mafioso eslavo interpretado por Peter Dinklage (o Tyrion Lannister de "A Guerra dos Tronos").

Chegados ao fim, lamenta-se o desenlace moralizante: em sátiras do calibre prometido porTudo Pelo Bem, a acidez deve manter-se até ao último trago.

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I Care a Lot – Tudo Pelo Vosso Bem

De J. Blakeson

Com Rosamund Pike e Peter Dinklage

Em streaming na Netflix

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