"Estrangulador de Boston": um filme "contra a teimosia masculina"
Já está na Disney+ e conta com estrelas como Chris Cooper, Carrie Coon e Keira Knightley. É também uma história de mulheres que "lutaram contra a teimosia masculina", explicou Knightley, numa conferência de imprensa em que a SÁBADO esteve.
Uma história real pode-se contar de várias formas ou de perspetivas. A de um assassino em série vive em constante rotação à luz dos factos que o tempo coloca a descoberto. O Estrangulador de Boston teve uma outra vida no cinema, em 1968, pela câmara de Richard Fleischer, ainda com os homicídios bem a quente (que ocorreram entre 1962-64).
Matt Ruskin, cineasta e responsável por esta nova adaptação que já pode ser vista na Disney+ Portugal, é natural de Boston e, durante uma conferência de imprensa virtual em que a SÁBADO participou, explicou como "conhecia a história do estrangulador," mas nunca ligou "muito ao caso", até que um dia começou "a ler" e viu "as várias camadas". Esse ponto é crucial para esta nova adaptação.
O tempo passado fez com que se criassem várias teorias sobre o caso, sobretudo em torno do assassino, que matava só mulheres mas num registo, ou localização, diferente em períodos distintos. Esta versão agarra-se a este detalhe e à importância que as jornalistas Loretta McLaughlin (Keira Knightley) e Jean Cole (Carrie Coon) tiveram no desenvolvimento do caso.
Para Keira, foi "o contar a história a partir do ponto de vista destas duas mulheres, que lutaram contra a teimosia masculina" que a trouxe para o elenco. Foram elas que começaram a relacionar os homicídios e a alertar a polícia de Boston para os padrões num tempo, como Ruskin recorda, "ainda longe do termo ‘assassino em série’ ser usado e quando a Criminologia estava a dar os primeiros passos."
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O trailer oficial do filme 'Estrangulador de Boston'
Estas histórias costumam ter um detetive que ajuda. Aqui é Conley (Alessandro Nivola), um homem novo mas desgastado pelo sistema, que gostaria que a polícia assumisse outro tipo de papel em relação ao caso. Não acontecendo, o próprio assume controlo do caso às escondidas e vai soltando pistas a Loretta.
Nivola alinha-se com Ruskin quando diz que "a personagem está irritada, irritada com o departamento da polícia não ter a preocupação de usar técnicas mais modernas de investigação para descobrir o criminoso. Não têm qualquer interesse – é o que parece – em ligar os homicídios." Ao ver em Loretta alguém alinhado consigo, "em desespero, começa a falar com ela, mesmo sabendo que está a trair os seus colegas o seu departamento. Fá-lo porque está, também, obcecado pelo caso e percebe que ela é da mesma fibra que ele."
O vigor deste Estrangulador de Boston passa pela forma como coloca as jornalistas no papel principal. O espectador não só vê o desenrolar da história através da perspetiva de Loretta e Jean – num registo na tradição de Os Homens do Presidente -, como é através delas e das suas acções que se percebe a necessidade de olhares exteriores, de pessoas que liguem pontos que outras não ligam por funcionalismo da profissão ou preguiça.
O departamento de polícia de Boston é o caso mais evidente, mas há outro, que até acontece primeiro: o editor no jornal onde trabalham. Jack (Chris Cooper) arranca de forma péssima quase a dizer a Loretta para se meter no seu canto (as suas funções equivaleriam, hoje, a uma espécie de jornalista de lifestyle), negligenciando a iniciativa e desvalorizando a ambição.
Keira Knightley explicou a sua visão do filme, numa conferência de imprensa virtual em que a SÁBADO participouTheo Wargo/Getty Images
Isso vem com outra facada: Jack passa o trabalho a Jean, mais habituada a estes casos. Carrie Coon realça aqui um aspeto nem sempre evidente: "A história constrói-se na aliança das duas. Há momentos na história em que elas são avisadas, ameaçadas, para não continuarem. E por vezes é raro ver-se esta aliança, em que as duas se defendem, se protegem e se aconselham mutuamente. Não acontece a típica história de ‘só há espaço para uma de nós’. O filme também conta algo sobre as mulheres no local de trabalho."
Keira Knightley tem ouvido muitas vezes a palavra "catártica" para descrever a sua personagem. E até certo ponto é. Mais nova que Jean, tem de provar no local de trabalho que consegue fazer o trabalho dela sem ser uma ameaça. Melhor dizendo, que podem trabalhar juntas, como dois homens. E, enquanto isso acontece, tem filhos em casa, um marido que começa a não compreender a sua dedicação ao trabalho e ameaças anónimas constantes: "A tenacidade dela é admirável, o que ela era e no que se tornou, uma jornalista premiada, com filhos que a adoram e que viram nela uma inspiração. Essa tenacidade foi o que também me fez apaixonar pela personagem."