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Lóbi do gás trava fim de caldeiras poluentes junto de eurodeputados

Íris Fernandes 13 de março de 2023 às 16:47

Os representantes da indústria do gás estão a pressionar e a influenciar os membros do Parlamento Europeu para votarem contra medidas que visam reduzir o consumo de gás e promover fontes de energia renováveis.

A indústria do gás está a fazer lóbi junto de membros do Parlamento Europeu, através de eventos não registados e campanhas, para tentar limitar a Agenda Verde da União Europeia (UE) cuja votação arranca a 14 de março. A denúncia é da coligação de federações ambientalistas Better Without Boilers (BWB e que significa Melhor Sem Caldeiras/Esquentadores), a que pertence a portuguesa associação Zero.

As descobertas surgem num relatório divulgado pela BWB: por três vezes, ocorreram reuniões não divulgadas entre lobistas do setor do gás e pessoas fulcrais no debate sobre o futuro do uso de gás em residências na Europa. O deputado Sean Kelly, do Partido Popular Europeu (PPE) e relator-sombra nas negociações da EPBD (Diretiva do Desempenho Energético dos Edifícios, que irá entrar em votação), participou em duas dessas reuniões.

As associações ambientalistas denunciam que desta forma, o setor do gás está a travar o combate aos combustíveis fósseis. "Apesar das severas advertências da sociedade civil, a indústria do gás está a conseguir o que quer. Como a Diretiva do Desempenho Energético de Edifícios (EPBD) entra em votação no Parlamento Europeu na terça-feira, 14 de março, o texto vem com uma lacuna crucial sobre caldeiras prontas para hidrogénio e certificadas para funcionar com gases renováveis, o que significa que as caldeiras a gás podem continuar a ser instaladas em edifícios por toda a Europa", lamenta a BWB.

Além das reuniões em que esteve presente Sean Kelly, os lobistas têm defendido que as comunidades rurais têm necessidades diferentes das grandes cidades e que a iniciativa a votar pelo Parlamento Europeu não as serve usando uma lacuna do registo de lóbis no Parlamento Europeu. Acontece através de um projeto chamado Rural Futures que pertence ao lóbi Liquid Gas Europe, mas que em nome próprio não está registado como tal.

Segundo a BWB, os lobistas defendem soluções como caldeiras híbridas "prontas para hidrogénio", o que manteria as caldeiras a gás em todos os lares, e que foram usadas mais tarde por eurodeputados envolvidos na Diretiva do Desempenho Energético dos Edifícios. "Os lobistas da GD4S pressionam pela introdução de caldeiras a gás híbridas como uma solução "intermédia" para a transição completa do fóssil, mas a tecnologia para produzir e distribuir hidrogénio não existe atualmente", indica a BWB.

"Estamos muito preocupados com as táticas do lóbi do gás que vieram à tona nesta investigação. O facto de terem ocorrido centenas de reuniões entre a indústria de combustíveis fósseis e a Comissão Europeia mostra o quão forte é a influência. A indústria vai diretamente contra o futuro verde e a independência energética de que a UE precisa por meio do greenwashing de tecnologias que nos prenderão em infraestruturas de combustíveis fósseis e dificultarão a transição para sistemas de aquecimento mais amigáveis ao clima", lamenta Laetitia Aumont, diretora de Políticas do European Environmental Bureau (uma das associações ambientalistas do BWB) para um Ambiente Construído Circular e Neutro em Carbono.

Ainda no mesmo relatório, é indicado que o órgão de lóbi da indústria Liquid Gas Europe (LGE) está em contato com deputados e funcionários de alto nível da Comissão que participam em eventos que não foram declarados em registos oficiais pela LGE ou pelos próprios funcionários, incluindo Stefan Moser - Chefe da Unidade B3, Produtos e Edifícios, da Direção-Geral de Energia da Comissão Europeia; Anne-Katherina Weidenbach, membro do Gabinete da Comissária da União Europeia para a Energia Kadri Simson; e Franc Bogovic, eurodeputado do Partido Popular Europeu da Eslovénia e co-presidente do Intergrupo RUMRA (grupo do Parlamento Europeu dedicado às áreas rurais, montanhosas e remotas e vilas inteligentes).

Um problema para muitos
Esta alteração não agrada aos que trabalham na área. "A caldeira a gás é o nosso sustento - se for proibida, teremos um problema real. Estamos a trabalhar muito com os reguladores para ver se podemos posicionar a caldeira a gás como uma fonte de aquecimento do futuro, alimentada por gás renovável", assumiu Henry Cubbon, presidente da área de gás de petróleo liquefeito (GPL) da distribuidora de combustíveis DCC, no Congresso Europeu de Gás Líquido que teve lugar em Barcelona.

Portugal também será afetado se esta decisão for levada a cabo. "Se os líderes da UE tomarem decisões com base nas opiniões do lóbi do gás, as consequências serão sentidas em Portugal, com contas de energia mais altas e dependência de gás importado, sem falar nos danos para o ambiente. As famílias portuguesas não deviam pagar o preço da sobrevivência da indústria do gás", diz Francisco Ferreira, presidente da associação ambientalista Zero.

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