O Crepúsculo do Deus

Por Record

Era o momento de recuar. Mas eu não recuo. Sei já, positivamente sei, que só há ruinas no termo do beco e continuo a correr para ele até que os braços se me partam de encontro ao muro espesso do beco sem saída.

Mário de Sá-Carneiro

O último título ganho pelo FC Porto data de agosto de 2013, a Supertaça diante do Vitória de Guimarães. Daí para cá o Benfica venceu 2 Campeonatos, 2 Taças da Liga, 1 Taça de Portugal e 1 Supertaça, o Sporting 1 Taça de Portugal e 1 Supertaça e o FCP. zero. Nunca tal se vira desde que Jorge Nuno Pinto da Costa assumira a presidência em abril de 1982 - perder todas as competições em disputa em apenas 2 anos e assistir a 8 conquistas dos rivais no mesmo período. E, paradoxalmente, nunca como nestes 2 últimos anos o FCP investiu tanto no plantel, liderando o futebol português em matéria de massa salarial (para a presente época 5,740 milhões mensais contra 4,1 do Benfica e 3,892 do Sporting). O que é que está a correr mal?

Em 1982 o FCP era o 3.º clube português em títulos, número de sócios, adeptos e receitas, a larga distância do Benfica e do Sporting. Em 2013 já era o 1.º em títulos conquistados (estatuto, entretanto, perdido novamente para o Benfica devido ao desastre desportivo das duas ultimas épocas). Qual o segredo? Contratar bons treinadores, comprar jogadores baratos sem nome feito, transformando-os em grandes jogadores para depois os vender caro, aproveitar a formação e criar um bom clima de trabalho sob uma liderança forte - eis as linhas básicas da estratégia de sucesso de Pinto da Costa que alcançou o inimaginável até para os mais otimistas adeptos portistas, trazendo para Portugal 7 taças internacionais, o que faz dele o melhor dirigente da história do futebol português. Por ter ganho o que ganhou, Pinto da Costa está, e nunca deixará de estar, na memória, no coração, de todos os portistas.
Quando o sucesso se afirma ao longo de tanto tempo, um perigo espreita - o auto deslumbramento, a ilusão de infalibilidade, que leva normalmente a subestimar os adversários, a confundir os desejos com a realidade. José Mourinho que o diga. Pinto da Costa, julgando-se invencível, viria a iniciar em 2013 um ciclo de opções erradas que haveriam de fazer regressar o FCP ao período anterior à sua presidência em que o Benfica e o Sporting arrecadavam todos os títulos em disputa.

A hegemonia do FCP até parecia estar para durar, nem o Benfica de Jorge Jesus constituía ameaça, de 2009 a 2013 apenas vencera 1 Campeonato, enquanto André Villas-Boas e Vítor Pereira somavam 3. Em 2013, porém, tudo mudou, o mal-amado Vítor Pereira trocou a carreira desportiva pelos petrodólares e Pinto da Costa aposta em Paulo Fonseca, homem correto e gentil, mas sem capacidade para treinar o FCP. A época de 2013/14 poderia salvar-se se Pinto da Costa desse ouvidos aos adeptos e tivesse rescindido o contrato com Paulo Fonseca em dezembro. Com um treinador capaz e 2 ou 3 contratações em janeiro de 2014 teria sido ainda possível lutar pelo título ou, pelo menos, pela vitória da Taça de Portugal ou na Taça da Liga. Teimosamente, aguentou-o até março de 2014, vindo a substitui-lo por outro treinador sem unhas para aquela guitarra - Luís Castro. O resultado foi o que se sabe - Campeonato, Taça de Portugal e Taça da Liga para o Benfica.

O pior, no entanto, estava ainda para vir. Em maio de 2014 anuncia Julen Lopetegui e, numa manifestação de irresponsabilidade, oferece-lhe um contrato de 3 anos, o que nem a treinadores campeões antes havia proposto. Lopetegui não tinha provas dadas como treinador de clube. Fora bem-sucedido, é certo, a treinar as seleções jovens de Espanha, sagrando-se campeão europeu. Mas Carlos Queirós fizera melhor com as de Portugal (foi bicampeão do mundo) e quando passou a treinar equipas teve o destino que se conhece, só no Irão encontrou emprego, nenhum clube europeu hoje o quer.

Pinto da Costa, já em fase de desnorte, dá a Lopetegui o plantel mais caro de sempre, investindo em 2014/15 e 2015/16 dezenas de milhões de euros sem critério ou utilidade. Escolhas como Herrera, Reyes e Adrien Lopez, num custo total de 25 milhões de euros, revelam-se fracassos monumentais, a que somam, já em 2015/16 Osvaldo ou Imbula. Enquanto isto acontece, jogadores à Porto, que viviam a camisola, honravam o símbolo, como Ricardo Quaresma, são despachados e outros, jovens e promissores, como Quintero, Hernâni e Ricardo Pereira, são emprestados. O tempo, esse juiz implacável que nos julga a qualquer instante, veio demonstrar o que se temia - Lopetegui não passa de um treinador medíocre, incapaz de motivar jogadores e de extrair deles o que de melhor podem dar. E para a corrente época, em que o FCP tinha necessariamente de se sagrar campeão, forma-se um plantel com lacunas óbvias - falta um central de qualidade (Maicon, Indi e Marcano não ultrapassam a mediania), não há um médio criativo como Lucho e Deco, e aposta-se num único ponta-de-lança, Aboubakar, claramente inferior a Jackson Martinez (Osvaldo nunca contou para estas contas, está para o futebol de alta competição como Paris Hilton para a cultura). A derrota em Alvalade mostrou que este FCP não tem, como diria o saudoso José Maria Pedroto, estofo de campeão.

Pinto da Costa, com 40 anos de experiência e saber, não vê, ou não quer ver, o que qualquer adepto de bancada já viu. E após a humilhante eliminação da Liga dos Campeões e a praticamente certa eliminação da Taça da Liga (mais dois objetivos perdidos por Lopetegui), faz o que no decurso dos seus anteriores mandatos nunca havia feito - sacrifica os interesses do FCP em prol do seu orgulho e vaidade pessoais e, em vez de afastar o técnico espanhol, reconhecendo o erro subjacente à sua contratação, mantém-no, na expectativa desesperada de que o homem se transfigure e seja o que até hoje não soube ser - um treinador à altura dos propósitos competitivos do FCP. O Benfica e o Sporting agradecem, até Jorge Jesus já o apoia descaradamente depois de na temporada passada terem andado os dois quase à cabeçada. É natural, Lopetegui é por hoje o 12.º jogador de encarnados e leões.

Custa dizê-lo, mas tem de ser dito - o homem que levou o FCP à liderança do futebol português está ironicamente a conduzi-lo para a subalternidade em que o encontrou quando ascendeu à presidência. Significa isto que chegou a hora de sair? Esse supino prazer os portistas não o vão dar aos seus rivais de Lisboa. Pinto da Costa foi um campeão, só como campeão sairá do Dragão. E como voltar a sê-lo? Fazendo, como é próprio das pessoas inteligentes, um exame autocrítico, reconhecendo, com humildade, como é próprio dos grandes, os erros cometidos e ouvindo e trabalhando com quem, lealmente, tiver coragem para lhe dizer "não", olhos nos olhos, sempre que quiser tomar uma decisão que prejudique a equipa. Se assim for, o FCP será novamente campeão sob a liderança daquele que num clube campeão o tornou, Jorge Nuno Pinto da Costa.

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