A Europa à mesa ou no menu?
Depois do sobressalto inicial, discute-se quem está e quem não está à mesa das negociações e diz-se que sem europeus e ucranianos não se pode decidir nada sobre a Europa ou sobre a Ucrânia.
Visto de Bruxelas, a União Europeia anda a brincar com o fogo. E este não é como o “amor” de Luís de Camões que “arde e não se vê”. É a guerra da Rússia de Putin que está a arder na Ucrânia há quase quatro anos bem à frente dos nossos olhos. Não obstante, continuamos quase imóveis e vagarosos e só reagimos quando de Washington surge mais uma tentativa errática para acabar com a guerra onde só Moscovo parece ter sido ouvida. Depois do sobressalto inicial, discute-se quem está e quem não está à mesa das negociações e diz-se que sem europeus e ucranianos não se pode decidir nada sobre a Europa ou sobre a Ucrânia. É verdade. Depois, a situação lá se acalma e respira-se outra vez até o disco virar e tocar o mesmo. Ora, a música só vai mudar quando os 27 souberem o que querem relativamente à Ucrânia e tiverem um plano credível para lá chegar. Já é tempo.
A multiplicação dos planos…
Perde-se a conta aos planos e iniciativas dos EUA para acabar com a guerra na Ucrânia, bem ou mal. Nestes últimos dias houve mais um: o tal dos 28 pontos. Suspeita-se que este tenha sido cozinhado no Kremlin e posteriormente divulgado numa operação de desinformação como sendo um plano conjunto russo-americano que inicialmente parecia que era, mas que afinal já não era e que podia ainda ser mudado... Depois veio a dita deadline que não chegou a ser do dia de Ação de Graças que se celebrou ontem.
Criada a confusão diplomática, temeu-se o pior em Kyiv e agitaram-se as águas transatlânticas. Lá vieram as recriminações sobre a mesa das negociações onde os europeus não estavam. Com o passar das horas e dias, o alvoroço acalmou e a Ucrânia, mantendo-se firme (mas flexível), não só não capitulou, como gizou com os americanos um novo plano: o dos 19 pontos. As reações iniciais da Rússia à nova proposta parecem indicar que será rejeitada. A ser assim, volta-se ao início. E a guerra vai continuar a arder.
Uma coisa que também não vai mudar é a constante incerteza vinda da Casa Branca. Falhando mais esta iniciativa que nasceu torta e custa a endireitar-se, a Europa, sem iniciativa própria, fica à mercê do Presidente Trump e daquilo que ele entender fazer: deixa finalmente cair uma das suas principais promessas de campanha de “acabar com a guerra” e vê fugir o seu desejo de ser galardoado com o Prémio Nobel da Paz? Volta a pressionar a Ucrânia (e os europeus) a aceitar uma paz injusta igualmente má para a UE? Vira definitivamente o prego e reforça a ajuda à Ucrânia com mais apoio militar e com sanções adicionais a Moscovo? Não sabemos e é possível que vá oscilando entre estas e outras opções.
O que quer Moscovo?
Outra coisa que dificilmente vai mudar e com a qual os europeus devem contar é que o Kremlin não alterou a sua posição face aos objetivos iniciais da guerra: a capitulação da Ucrânia. Ou seja, uma Ucrânia com soberania (muito) limitada, isolada dos seus parceiros e privada de parte do seu território, um governo dócil em Kyiv e umas forças armadas agrilhoadas e fragilizadas sem capacidade para defender o país caso a invasão recomece.
Mas a Rússia quer mais. Como fica demonstrado pelos acontecimentos à volta do plano dos 28 pontos, juntamente com as operações híbridas que tem desenvolvido em território europeu e da NATO, o objetivo é dividir e enfraquecer os parceiros transatlânticos e moldar a arquitetura de segurança europeia a seu favor, restabelecendo uma esfera de influência no velho continente.
A cereja em cima do bolo é que Putin e a sua entourage querem igualmente ser ilibados dos crimes que cometeram desde 2022 e regressar à ordem económica, política e diplomática internacional como se nada fosse. A ser permitido que fizessem este caminho, não me surpreenderia que tivessem a desfaçatez de também pedir compensação financeira pelas sanções que lhes foram impostas por violarem os princípios fundamentais da Carta das Nações Unidas.
E a Europa, o que quer?
A Europa, não abandonando o lema de que apoiará a Ucrânia pelo tempo que for necessário, não parece verdadeiramente saber o que quer quanto ao desfecho da guerra. A posição é no mínimo ambígua. Talvez seja algo entre não querer que a Rússia ganhe ou que a Ucrânia seja derrotada. Mas, afirmativamente, isto quer dizer exatamente o quê? Não há uma resposta conjunta clara. Isto resulta, em grande medida, da incapacidade dos 27 em entenderem-se sobre a forma como lidar com a Rússia – no passado, no presente e no futuro. Ora, após tantos anos de desestabilização, interferência e agressão armada russa na sua vizinhança, já não devia haver lugar para hesitações.
A ideia de que o apoio a Kyiv será pelo tempo que for necessário é importante. Mas, nas entrelinhas, evita assumir que esta guerra já dura há demasiado tempo e que só com apoio militar e financeiro substancial é que a Ucrânia vai conseguir repelir eficazmente a agressão russa. Ou então, a Europa tem de ter o seu próprio plano para uma paz duradoura para não andar sempre a reboque ou dos americanos ou a reagir às armadilhas de Moscovo que procuram evitar uma paz justa e fomentar a divisão entre aliados.
Na mesa ou no menu
O caminho para a paz na Ucrânia vai ser sinuoso e difícil. Quando chegar o momento, se quiser estar na mesa das negociações, a UE, juntamente com ucranianos, britânicos, noruegueses, turcos e até outras potências fora da Europa, tem de saber sem hesitações e ambiguidades quais são os seus objetivos estratégicos de longo-prazo e como alcançá-los. Na ausência disto arrisca-se a fazer parte do menu.
A Europa à mesa ou no menu?
Depois do sobressalto inicial, discute-se quem está e quem não está à mesa das negociações e diz-se que sem europeus e ucranianos não se pode decidir nada sobre a Europa ou sobre a Ucrânia.
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