A inesperada coligação PS-CDU em Almada: oito anos de guerra, um casamento de conveniência
No papel, é uma solução que visa “estabilidade”. Na realidade, é um pacto cheio de contradições, construído em cima de oito anos de antagonismo feroz.
Decidi descrever este artigo de opinião, pois Almada é a terra que adotei fruto da necessidade de acompanhar os meus Pais que estavam bastante doentes e que acabaram por falecer. Sou de Lisboa, mas rapidamente apaixonei-me por esta terra, uma terra de oportunidades mas pessimamente mal gerida por uma péssima atriz que se revelou também uma péssima presidente de câmara, que vetou Almada ao abandono, ao lixo e aos guetos e autênticas favelas que crescem diariamente.
A política local tem destas ironias: as palavras mais duras, os confrontos mais insistentes, as acusações mais repetidas transformam-se, um dia, em alianças estratégicas. Almada, que durante décadas foi laboratório da esquerda municipal tradicional, volta agora a ser palco de um exercício político que desafia a memória recente dos eleitores: o Partido Socialista (PS) e a Coligação Democrática Unitária (CDU) chegam a um entendimento que permitirá governar o concelho em conjunto durante os próximos quatro anos.
Decidi escrever este artigo em pontos, para melhor leitura por parte dos nossos estimados leitores.
No papel, é uma solução que visa “estabilidade”. Na realidade, é um pacto cheio de contradições, construído em cima de oito anos de antagonismo feroz.
É esse paradoxo – e o que ele revela sobre a forma como o poder é negociado – que merece ser analisado a fundo.
1. O regresso da CDU ao poder: uma história que não se apaga
Durante mais de quarenta anos, Almada foi o bastião comunista por excelência. O concelho tornou-se, para o PCP e para o PEV, uma referência nacional de governação local. Essa hegemonia terminou em 2017, com a vitória de Inês de Medeiros (PS), e confirmou-se em 2021, com o PS a reforçar a sua posição e a CDU a permanecer na oposição.
Fontes públicas confirmam isto:
– Eco / Sapo: descreve Almada como “atriz principal da queda comunista” em 2017.
– Resultados autárquicos 2021 (CNE): PS vence, CDU mantém-se afastada do executivo.
– Relatórios municipais e imprensa local: ao longo dos dois mandatos socialistas, a oposição comunista foi constante, intensa e altamente crítica.
Se há concelho onde PS e CDU pareciam irreconciliáveis, era este. E isso dá ainda mais peso ao que acontece agora.
2. Oito anos de ataques diários: a CDU e a guerra contra Inês de Medeiros
É impossível compreender a explosão política deste novo acordo sem revisitar o que foram estes oito anos.
A CDU não fez oposição “normal”. Fez oposição persistente, dura, sistemática.
De 2017 a 2025, as intervenções em Assembleia Municipal, os comunicados públicos e as posições oficiais revelam um padrão claro:
— A CDU acusou o PS de má gestão das finanças municipais.
— Criticou a limpeza urbana, dizendo repetidamente que Almada estava “abandonada”.
— Denunciou o que dizia ser desorganização na gestão da frota municipal.
— Contestou decisões estratégicas relacionadas com o território, habitação, cultura e transportes.
— E dirigiu críticas diretas e constantes à presidente de Câmara, Inês de Medeiros, questionando competências, prioridades e direção política.
Estas críticas não foram pontuais — foram a espinha dorsal da atuação da CDU durante dois mandatos.
Está tudo documentado nas actas da Assembleia Municipal de Almada, no Diário do Distrito, no Almada Online, nos comunicados públicos disponíveis no site da CDU Almada.
Por isso, quando agora vemos a CDU a entrar no executivo liderado pela mesma presidente que durante oito anos acusou de incompetência… a estranheza não é pequena. É gigantesca.
É aqui que a política local se torna laboratório da contradição.
3. O acordo PS-CDU: pouca ideologia, muita necessidade
O PS não tem maioria.
A CDU quer voltar à governação para recuperar influência e estrutura.
O resultado é um pacto de interesses mútuos.
Segundo o Diário do Distrito e o Almada Online, o acordo atribui à CDU:
– Higiene Urbana e Frota
– Intervenção Social e Saúde
– Presidência dos SMAS
– Movimento Associativo e Casa das Associações
O PS mantém o comando estratégico e a presidência do município, mas entrega à CDU áreas de enorme visibilidade pública — e também de enorme risco.
Este pacto inclui ainda:
– Garantia de dotação orçamental reforçada para os pelouros da CDU
– Realização de auditoria externa independente ao universo CMA/SMAS/WeMob
– Excluir PSD e Chega da governação
É uma engenharia política bem montada, mas assente numa relação que até há dias era construída sobre desconfiança total.
4. O paradoxo impossível de explicar ao eleitorado comunista
Se a CDU passou oito anos a dizer que o PS e, em particular, a sua presidente eram maus gestores…
Se durante oito anos acusou o executivo socialista de falta de visão, de ineficácia e de desorganização…
Se durante oito anos defendeu que a “herança comunista” tinha sido destruída pelo PS…
Como explica agora aos seus eleitores que entra para governar com a mesma pessoa?
As alternativas são embaraçosas:
Ou se enganaram antes — e afinal o PS sabia governar.
Ou cedem agora — e preferem o poder à coerência.
Ou estavam a exagerar durante oito anos — e a narrativa de catástrofe era política pura.
Nenhuma destas hipóteses é confortável.
E não há comunicado partidário que consiga apagar o histórico da oposição comunista à atual presidente.
5. O dilema do PS: ganha poder, mas perde narrativa
O PS também entra neste acordo com custos.
Durante oito anos dissera que a CDU era incapaz de aceitar decisões de modernização, que era resistente à mudança, que bloqueava políticas importantes.
Agora aceita entregá-la a pelouros fundamentais — alguns daqueles que foram alvo das maiores disputas técnicas e políticas.
Para muitos militantes socialistas, este acordo pode ser visto como:
– uma cedência excessiva,
– um pacto para “garantir números”,
– ou uma jogada arriscada que pode virar-se contra o partido caso a CDU não apresente resultados.
Há também um ponto sensível: a CDU tem uma máquina organizada e historicamente experiente na gestão municipal. Se apresentar resultados visíveis, reforça-se. Se falhar, arrasta o PS na mesma queda.
6. As incoerências que nenhum dos partidos consegue esconder
A nova coligação parte com uma fragilidade estrutural: a memória pública existe.
E Almada lembra-se.
Lembra-se das críticas diárias.
Lembra-se dos confrontos públicos.
Lembra-se dos debates em que cada partido pintava o outro como problema e não solução.
Não estamos perante um acordo entre partidos que divergiam pouco.
Estamos perante uma aliança entre partidos que passaram oito anos a afirmar que o outro não tinha condições para governar.
É esse “salto” que torna esta solução tão explosiva.
Porque se um partido diz durante quase uma década que o outro governa mal, e depois governa com ele, o eleitor faz uma pergunta inevitável: em que momento é que nos mentiram?
7. A política em Almada entra numa nova fase: menos ideologia, mais táctica
Há um aspeto estruturante que este acordo revela:
A política local deixou de ser espaço de fidelidade ideológica e passou a ser um tabuleiro onde a sobrevivência pesa mais do que a coerência.
Para o PS, este acordo evita a instabilidade e impede que a direita avance.
Para a CDU, representa a oportunidade de regressar ao terreno, recuperar estrutura e mostrar que ainda é actor relevante.
Mas há riscos para ambos:
– O eleitorado pode punir incoerências nas próximas autárquicas.
– A convivência pode ser curta se surgirem conflitos internos sobre orçamento ou prioridades.
– A auditoria externa, se for realmente independente, pode expor fragilidades herdadas por ambos.
8. O que esta coligação diz sobre o futuro político de Almada
Independentemente do discurso oficial, há três consequências que este acordo deixa claras.
Primeira:
A CDU regressa ao poder municipal, mas regressa ferida. Volta, mas volta num pacto que contradiz a sua própria narrativa.
Segunda:
O PS permanece no comando, mas perde autonomia. Tem agora de dividir responsabilidade política com quem o combateu ferozmente.
Terceira:
O eleitorado entra num novo ciclo em que os partidos dizem uma coisa durante anos… e fazem exactamente o contrário quando o poder está em jogo.
E isto tem impacto profundo: quando a coerência política desaparece, a confiança também se perde.
9. Um casamento sem amor, mas com necessidade
É assim que muitos almadenses verão este acordo:
não como união de visão, mas como casamento de necessidade.
E os casamentos de necessidade raramente são estáveis.
Sim, podem funcionar — se houver maturidade, transparência e resultados.
Mas podem também colapsar rapidamente — basta que um dos parceiros recupere força e já não precise do outro.
O futuro dirá.
Mas a história regista:
Depois de oito anos de ataques, críticas e oposição intransigente, PS e CDU decidem casar-se politicamente.
O eleitorado observará, implacável, porque nenhuma retórica consegue apagar oito anos de memória.
Almada entra assim numa fase fascinante: um governo de contradição, sustentado por dois partidos que agora terão de provar — juntos — que não estavam errados durante quase uma década inteira.
A inesperada coligação PS-CDU em Almada: oito anos de guerra, um casamento de conveniência
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