Tempos críticos
Houve em tempos uma figura de proa da política portuguesa que, ocasionalmente, vociferava, que não lia jornais.
Houve em tempos, durante a primeira metade da última década do século passado, uma figura de proa da política portuguesa que, ocasionalmente, vociferava, que não lia jornais. Nessa época, a tal personagem política referia que não precisava da comunicação social e dos jornalistas para chegar ao povo português. Bradava que comunicava diretamente com o povo, sem intermediários ou mediadores.
Também por essa altura, em que começavam a surgir os estudos de literacia para os media no mundo anglo-americano, li que a Universidade de Harvard tinha efetuado um exercício para descobrir quais dos três principais meios de comunicação social, televisão, rádio ou imprensa, seria o mais credível ou informativo.
O exercício consistiu no veicular da mesma notícia falsa nos três meios de comunicação. Resultados: cerca de 80% daqueles que a viram na televisão acreditaram nela, enquanto só acreditaram 50% dos que a ouviram na rádio e apenas 20% dos que a leram nos jornais.
Os resultados foram esclarecedores. A leitura permitia ao cidadão um tempo critico. Era permitido parar para pensar, voltar a trás, reler, sublinhar, rasgar o jornal e até tomar notas. O exercício pleno da cidadania surgia associado à leitura de jornais, porque esta fomentava o pensamento crítico. Enquanto a imagem e o som surgiam associados à emoção, à reação ao tempo de criticar.
Julguei então perceber, uma das razões, porque o tal político fazia de conta que não lia jornais. A liberdade de imprensa e a prática jornalística, em especial no papel, sempre foram um dos pilares da vigilância democrática, que incomodaram os poderes vigentes desde a invenção das notícias.
Hoje, num mundo no qual, realmente, se lê cada vez menos imprensa e os intermediários desaparecerem devido às redes socias, o jornalismo detém um renovado e inesperado papel na manutenção da sanidade democrática.
Traficantes de ideias
Na nova realidade híper(des)factual, onde o principal gesto a realizar para estar informado não é o folhear de página, mas deslizar freneticamente o dedo polegar no ecrã de um smartphone, o tempo critico foi substituído pelo estímulo, incentivo/recompensa, persuasão e manipulação.
O jornalismo tem a oportunidade de reintroduzir o tempo critico nas plataformas digitais. Todos os dias temos de aprender e compreender o real. Existindo esta estranha sensação, a cada dia, de que não sabemos nada do quotidiano à nossa volta. Neste contexto, são necessárias novas narrativas que tragam confiança e previsibilidade à ordem democrática.
Se o século XX viu a manipulação e deslocação das massas pelos poderes políticos, no século XXI estamos a assistir às mesmas dinâmicas em relação aos indivíduos. Estes vivem alienados em bolhas de ilusão de autossuficiência e autossatisfação.
Apesar das resistências, os avanços globais na educação, saúde e tecnologia vão capacitar os cidadãos como nunca, possibilitando um empoderamento do indivíduo na sua relação com o meio envolvente e uma crescente personalização de todas as atividades humanas. Os processos de aprendizagem e de aquisição de informação estão cada vez mais personalizados.
Os jornalistas têm de se transformar em traficantes de ideias, romper as caixas de ressonância, descobrir rotas alternativas no mundo digital, viciar a atenção. Cavaco Silva sempre quis dar a entender que não fazia parte de determinados mundos, mais do que isso, quis afirmar que não devia favores a ninguém, mas esteve longe de ser um homem só, muito menos um cético do sistema.
As sociedades contemporâneas do mundo ocidental são cada vez mais compostas por indivíduos híper-céticos, que estão inchados e cheios de si mesmos. Estes não sabem e não acreditam em nada, não conseguem pensar, nem decidir, nem agir, encontrando-se predispostos a serem manipulados. A engenharia social vai ser operada em larga escala. Parte do contrapoder, residirá na capacidade dos jornalistas causarem todos os dias boa impressão.
O bobo da democracia
Num choque de personalidades, quando as tripas comandam o voto, o combate será até ao fecho das urnas. A derrota de Trump e a eleição da primeira mulher POTUS produzirão, provavelmente, a surpresa de novembro.
Choque messiânico
A humilhação é tremenda para a teocracia instalada em Teerão, mas tal ainda não significou a submissão ou rendição pretendida por Netanyahu, apesar dos resultados esmagadores no campo de batalha.
Xeque-mate ao aiatola
Contrariamente ao que sucedeu em ataques anteriores ao longo os últimos meses não escutamos desde Teerão promessas e ameaças de contra-ataques ou retaliações diabólicas.
Acionar o futuro
No que toca a Portugal, estamos a ficar para trás. Submersos em emergências e agendas neocorporativas de curto prazo, sem instituições e lideranças à altura de aplicar novas metodologias de longo prazo que vão de encontro à raiz dos problemas.
O burro e a cenoura
As políticas identitárias e guerras culturais, no seio das democracias ocidentais, adicionaram o contexto intelectual favorável para a manipulação e interferência permanente e persistente de audiências, que compõe estados entendidos como inimigos, por potências revisionistas da ordem internacional.
Edições do Dia
Boas leituras!