Ano novo, vida nova… insustentável?
Preocupa-me a forma como nos abstraímos da realidade: tudo contribui para um ritmo insustentável.
A vida contemporânea é insustentável. E não apenas para o planeta. Para nós, aqui e agora. Há quase um ano que brinco com as palavras “sustentável” e “insustentável”, distanciando-as do contexto em que habitualmente as utilizamos, em relação à sustentabilidade ambiental. Por uma razão simples: cansei-me de escrever sobre o que ninguém quer ler. Durante algum tempo, acreditei que falar sobre a insustentabilidade ambiental da vida moderna poderia fazer diferença. Rapidamente percebi: quanto mais falamos sobre o que nos incomoda, menos impacto temos.
Desistir? Não. Aprendi que preferimos ignorar o elefante na sala. Enquanto empresas e estruturas de poder moldam o mundo, o cidadão comum recebe a responsabilidade por fazer diferente. Por fazer melhor. Reciclar, fazer melhores escolhas de consumo. E quando não as pode, ou consegue fazer? É mesmo nossa, essa responsabilidade?Da mesma forma, o ativismo de secretária, através de artigos de opinião, pouco mudam sem alterações estruturais. E, portanto, mudei o foco.
Simultaneamente, a tecnologia, que já vinha transformando relações humanas e hábitos sociais, acelerou. Mais, ainda, podem dizer. Redes sociais, notificações constantes, excesso de estímulos. Tudo fragmenta a atenção, diminui a presença offline, cria exaustão permanente. Inteligência Artificial tornada popular através de agentes que propõem fazer muito, por nós. Farão? Em tudo, não é a tecnologia em si mas o uso intensivo que rouba tempo que devíamos dedicar a nós, às conversas, à intimidade.
Preocupa-me a forma como nos abstraímos da realidade. Literacia mediática e digital, impactos da inteligência artificial sobre o pensamento e a percepção, plataformas que prometem reflexão mas entregam distração: tudo contribui para um ritmo insustentável.
As desigualdades sociais amplificam o problema. Alguns conseguem desconectar, criar espaços de atenção e reflexão. Outros permanecem presos à sobrecarga digital. A diferença está ligada à formação, rendimento, acesso a oportunidades. A cultura digital consome atenção e tempo, reduz a qualidade das relações face-a-face e limita a presença plena no quotidiano. Estamos controlados por algo que nem compreendemos.
O modelo de trabalho moderno não ajuda. Horas de trabalho, lazer e vida privada confundem-se. A atenção humana é finita. Quando a hiper-conectividade invade cada espaço, sobra pouco para relações genuínas e intimidade. A verdadeira insustentabilidade não está nos gadgets. Está em nós. Na forma como escolhemos viver.
O quotidiano também pesa: rendas urbanas elevadas, respostas superficiais a crises sociais, consumo acelerado, deslocamento constante entre tarefas digitais e físicas. Uma guerra que ameaça e não se vê, conflitos armados à vista de todos. Tudo contribui para um ritmo que cansa, distrai, fragmenta. Assusta.
Ano novo, vida insustentável. Se quisermos sobreviver ao século XXI sem nos perdermos, é hora de prestar atenção. Não apenas ao mundo, mas a nós mesmos. À forma como conversamos, nos relacionamos, existimos offline e online.
A atenção, o tempo e a presença são os verdadeiros recursos escassos. Aprender a geri-los é a chave para tornar a vida minimamente sustentável. No sentido que realmente importa. Num sentido sustentável.
Ano novo, vida nova… insustentável?
Preocupa-me a forma como nos abstraímos da realidade: tudo contribui para um ritmo insustentável.
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