Nem desvirtuar a democracia, nem o orçamento
O Governo não fez choradinho com o impacto orçamental das propostas da oposição.
Esta semana concluiu a apreciação do Orçamento do Estado para 2026, com 163 alterações aprovadas na especialidade. Na sua já habitual aspiração à autossuficiência política, Luís Montenegro acusou a oposição de desvirtuar a democracia, “[invadindo] a esfera de decisão que cabe ao poder executivo”, descrevendo “a forma arbitrária com que alguns partidos entendem gerir o processo orçamental de forma a leiloar proposta à la carte.”
Reconheça-se um progresso. Desta vez, o Governo não fez choradinho com o impacto orçamental das propostas da oposição. Esse resultado foi construído de forma cautelosa e consistente pela equipa do Orçamento do PS, que não participou em qualquer coreografia de “bailado” mas, sim, numa seleção espartana das propostas que aprovava. Perante um Orçamento que merece a desconfiança não só do Conselho de Finanças Públicas como também da Comissão Europeia, a prudência impunha-se.
Essa disciplina também nos norteou na análise aos conteúdos das propostas. Não bastava que uma proposta fosse boa, nem que não custasse muito dinheiro. Era preciso honrar o âmbito do Orçamento. Por isso, não votámos favoravelmente a contratações, nem a alterações de carreiras, nem a novos investimentos com que o Governo não tivesse já comprometido. Essa é a base não só do respeito pela separação de poderes legislativo e executivo mas também a marca de água de uma oposição séria e credível.
O Primeiro-Ministro deu como exemplos as propinas e as portagens. No primeiro caso, Montenegro indicou que o congelamento de propinas, com um impacto orçamental de 2,6 milhões, impediria o Governo de reforçar a Ação Social. No debate orçamental, já tinham lançado avisos que tal afetaria a competitividade do Ensino Superior. Nada mais falso. Os três assuntos estão separados. Sempre que se congelou propinas, a redução nas receitas próprias das instituições de ensino superior foi sempre compensada pelo Orçamento do Estado. Daí, ela só prejudicará o financiamento do ensino superior se o Governo não transferir esses 2,6 milhões para lá. Já quanto ao Fundo da Ação Social, onde o Governo se limita a repor o financiamento de 210 milhões de euros previstos no último Orçamento Socialista (2024), o aumento de 30 milhões em 2026 não tem qualquer relação com o reforço de receitas das propinas. Ainda que tivesse, 2,6 milhões é menos de uma décima desse valor, tal como é 0,3% das receitas próprias das Instituições de Ensino Superior. Estabelecer uma ligação entre o congelamento das propinas e a escassez da ação social ou é muito forreta ou é muito desonesto.
As portagens revelam outro nível de desfaçatez do Governo. Vamos dar de barato a Montenegro duas medidas “à la carte”: a isenção de portagens para residentes na A6 e A2, assegurando que o Alentejo não é a única região do interior sem portagens; e a isenção de portagens para camiões em parte da A19 e A8, desviando esse tráfego do Mosteiro da Batalha, que tem se vindo a degradar fruto da poluição. Sim, “à la carte” significa que desejamos algo em concreto e isto são duas coisas específicas que vale a pena fazer.
Outra coisa completamente diferente é a isenção de portagens nos dois últimos pórticos da A25 ou na CREP no caso de camiões, permitindo aliviar a VCI. Afinal, Luís Montenegro e Miguel Pinto Luz tinham já prometido eliminar as portagens nestes troços, mas na hora da verdade, voltam atrás com a palavra. O mesmo sucede a um conjunto de investimentos rodoviários e de mobilidade que o PS tentou inscrever na letra da lei do Orçamento do Estado, mas que mereceu o voto contra da AD e a surpreendente abstenção do CHEGA e da IL. Afinal, de que modo é que este Orçamento é de confiança?
Isto não são mais um exemplo dos “cavaleiros orçamentais” que o Governo pretende erradicar, embora concordo com o Livre na virtude que podem ter alguns “cavaleiros do bem”. Isto são opções de política que merecem ser debatidas e votadas em Assembleia da República. O mesmo pode-se dizer das opções fiscais, tal como a subida do ISP que o Governo aprovou logo no dia a seguir à aprovação do Orçamento e que pode arrecadar até 1000 milhões de euros.
Afinal, o Orçamento não é um “mero instrumento de execução obrigatória”. Ele é o momento em que estudamos o que fazer e o que não conseguimos fazer perante as necessidades múltiplas e disponibilidades exíguas que temos. Por exemplo, este não é um Orçamento vazio de política quando, a somar ao facto de termos já este ano um défice de 1250 milhões no SNS, o Governo corta mais 880 milhões em aquisições de bens e serviços da Saúde. A natureza do processo orçamental significa que algo desta gravidade e dimensão não pôde ser corrigida na especialidade nem foi suficiente para ultrapassar a necessidade imperiosa de estabilidade política, que motivou o PS a viabilizar o Orçamento do Estado.
Se queremos “dessacralizar” a discussão orçamental, devemos mudar os pressupostos do que acontece se o Orçamento chumbar. A alternativa não devia ser duodécimos, ainda para mais sem atualização ao valor da inflação. A alternativa devia ser a manutenção do último Orçamento aprovado, devidamente atualizado, seja à inflação, seja, por exemplo, à evolução prevista da receita no cenário de políticas invariantes do CFP. Isso libertaria o Governo, os partidos e o povo para uma verdadeira discussão não sobre estabilidade política, mas sobre as opções que importa tomar. Sabe Deus que é preciso tomá-las. Tomando-as, que sejam as certas, sem desvirtuar a democracia, nem o orçamento.
Nem desvirtuar a democracia, nem o orçamento
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