Secções
Entrar
Mariana Moniz Psicóloga Clínica e Forense
10.05.2024

Portas abertas ou portas fechadas? A xenofobia em Portugal

Não obstante a consciência coletiva de que o povo português é ele, também, tradicionalmente migrante (quem de nós não tem familiares que, em algum momento, emigraram?), parece que Portugal não está imune à xenofobia.

Uma das notícias que, recentemente, mais deu que falar no nosso país diz respeito aos ataques a imigrantes, no Porto. De acordo com as reportagens, terão sido proferidos insultos racistas e xenófobos às vítimas, pelo que se tratará, provavelmente, de um crime de discriminação e ódio.

Apesar de relativamente rara em Portugal, esta é apenas uma das muitas ocorrências reportadas, na Europa, nos últimos anos, acompanhando uma onda crescente de migrações que, assim, têm motivado movimentos racistas e xenófobos. Não obstante a consciência coletiva de que o povo português é ele, também, tradicionalmente migrante (quem de nós não tem familiares que, em algum momento, emigraram?), parece que Portugal não está imune à xenofobia. Veremos, pois, de que modo surgem atitudes xenófobas numa sociedade, como é que estas são reforçadas e como é que as podemos combater.

Primeiramente, é imperativo deixar claro que xenofobia não deverá ser confundida com racismo: o racismo é uma forma de preconceito em relação a indivíduos ou grupos, com base numa noção socialmente construída de "raça", que caracteriza pessoas a partir de marcadores físicos específicos como, por exemplo, a cor da pele. Isto não invalida que o racismo e a xenofobia não possam coexistir; na realidade, estes dois fenómenos, frequentemente, ocorrem em simultâneo. O conceito de xenofobia é relativamente mais complexo, mas certo é que denota uma postura de hostilidade em relação a um "estranho" que é perspetivado como ameaçador, intruso, usurpador. A complexidade deste fenómeno tem por base o pressuposto de que há uma noção de "nós", enquanto comunidade e identidade coletiva, e de "eles", enquanto exteriores e indesejados.

Mas nem toda a gente que vem de um país ou cultura diferentes vai ser alvo de xenofobia. Tal ocorre, tendencialmente, ao longo de um ciclo: quando um grupo imigra, tende a manter-se fechado sobre si, muitas vezes como resposta à atitude de evitamento e afastamento que a própria sociedade recetora apresenta em relação a pessoas "de fora". Nos anos que se seguem, os imigrantes podem sentir dificuldade em encontrar um espaço só deles no novo país e, se o tentarem fazer (por exemplo, expondo símbolos da sua cultura ou religião), tal pode levar a rivalidade e conflito com a cultura recetora. Se tentarem evitar este conflito, relacionando-se apenas com grupos semelhantes, contribuem para o fortalecimento da desconfiança sentida pela comunidade recetora, perpetuando, assim, a visão negativa mantida por esta.

O nível de xenofobia de uma sociedade também pode variar em função de outros aspetos, tais como a visão que têm dos motivos por detrás da imigração (há, tendencialmente, uma visão mais positiva de imigrantes refugiados em detrimento de imigrantes em busca de emprego), o estatuto socioeconómico dos imigrantes (se houver a perceção de que os imigrantes vão ser mais beneficiados do que os nacionais, então a visão xenófoba será maior) e as condições económicas do país recetor (se o país estiver a enfrentar uma crise económica e se forem escassos os empregos disponíveis, a probabilidade de se desenvolver atitudes xenófobas é superior).

A postura de desconfiança em relação ao "outro" é, muitas vezes, fortalecida por políticas anti-imigração que, com níveis variados de subtileza, recorrem a expressões preconceituosas que visam demonstrar que o imigrante contribui para o aumento do crime e que está a "roubar" oportunidades de emprego e a ameaçar a identidade cultural do próprio país. Assim, o "estranho", que chega a um novo país e tende a isolar-se, passa a ser visto como parte de uma "invasão".

Estamos a enfrentar neste momento, em Portugal, uma crise de habitação e pairam as críticas de que esta é consequência da enorme onda de imigração que se tem registado no nosso país. Os imigrantes são assim usados como bode expiatório, o que deverá ser tido em conta com uma visão crítica e até algum ceticismo. Não esqueçamos que muitos dos imigrantes que chegam a Portugal fazem-no para procurar melhores condições de vida, encontrando-se, não raras vezes, em estratos socioeconómicos inferiores aos dos portugueses. A crise da habitação é também sentida por estes, bastará apenas verificar as notícias sobre imigrantes que residem em camaratas sobrelotadas e precárias. A adoção de políticas xenófobas não será, como tal, a solução.

A redução da xenofobia passa, sem dúvida, por um aumento do contacto entre a comunidade recetora e a comunidade imigrante. Só este contacto e integração permitirá dissipar a imagem do "estranho" ameaçador e invasor e fomentar a ideia de que os imigrantes são apenas humanos que, na procura de uma vida melhor, recorreram ao nosso país. O investimento na dinamização de programas de integração, conduzidos por profissionais competentes, é, por isso, fulcral.

A adoção de normas anti-discriminatórias, que sejam reforçadas pela política e sociedade, permitirá humanizar os imigrantes e reduzir a xenofobia. Só aí poderemos trabalhar em prol de uma sociedade mais aberta e harmoniosa, que respeita o que temos de diferente,

para valorizar ainda mais o que temos em comum, sem que represente uma ameaça para qualquer uma das partes.

Mais crónicas do autor
11 de julho de 2025 às 07:33

O Homem forte: retorno à mentalidade ditatorial

Um olhar para o passado proporciona-nos, facilmente, figuras como Mussolini, Stalin, Hitler e Mao Zedong. Todos estes líderes, independentemente da sua inclinação política, viram ser construído um culto de personalidade em sua honra.

27 de junho de 2025 às 07:00

Doença dos filhos, invenção dos pais

A conhecida síndrome de Munchausen consiste no fabrico de doenças físicas e mentais, de modo a obter ganhos secundários, como o reconhecimento e atenção de terceiros ou cuidados médicos.

06 de junho de 2025 às 07:00

Os homens que não querem crescer

O nosso desenvolvimento individual ocorre faseada e progressivamente com o tempo. Não o devemos apressar, sob risco de perdermos experiências formativas e fundamentais para quem somos.

16 de maio de 2025 às 07:52

Sorte ou azar: Jovens e jogos de apostas

Muitos jogos gratuitos e amplamente populares, aliás, incluem agora jogos de apostas como função secundária das suas aplicações, uma espécie de mini-jogos que integram.

18 de abril de 2025 às 10:00

Atração sexual por animais: da fantasia à ação

Como outras perturbações do foro sexual, o interesse sexual por animais surge espontaneamente na pessoa, não escolhendo ela sentir esta atração.

Mostrar mais crónicas
Descubra as
Edições do Dia
Publicamos para si, em três periodos distintos do dia, o melhor da atualidade nacional e internacional. Os artigos das Edições do Dia estão ordenados cronologicamente aqui , para que não perca nada do melhor que a SÁBADO prepara para si. Pode também navegar nas edições anteriores, do dia ou da semana.
Boas leituras!