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Lara de Sousa Dantas
14.12.2024

Portugal: Um país onde viver bem é um privilégio, não um direito

Será possível sonhar com um país onde viver bem não seja um privilégio de alguns, mas um direito acessível a todos? Ou estaremos condenados a ser um destino de férias para outros, enquanto nós, os residentes, lutamos para simplesmente existir?

Vivemos em Portugal, mas Portugal já não parece feito para os portugueses. Somos conhecidos como o país do sol, da segurança, do bem-estar e da qualidade de vida. Para quem vem de fora, somos o destino perfeito para quem procura "bom viver". Contudo, para quem aqui nasceu e deseja construir uma vida, o cenário é desolador.

Lisboa deixou de ser para os lisboetas.

O Porto já não pertence aos portuenses.

Braga, por sua vez, perde a essência histórica e cultural que a definia para se transformar num destino turístico descaracterizado. Surge a pergunta: para quem está realmente a ser moldado este país?

Os preços das habitações atingiram níveis insuportáveis. Em Lisboa, em 2023, o preço médio por metro quadrado no centro da cidade ultrapassava os 5.000 euros. Por outro lado, o salário médio nacional ronda os 1.200 euros brutos, o que, após impostos e contribuições, deixa os portugueses com pouco mais de 900 euros líquidos. Este rendimento é insuficiente para suportar rendas que, frequentemente, superam os 1.500 euros por um T1 na capital. Esta realidade não se limita a Lisboa; no Porto e em cidades mais pequenas, os preços dispararam, acompanhando a chegada de nómadas digitais e turistas que veem Portugal como um refúgio barato – mas apenas em relação aos padrões de vida nos seus países.

Os nómadas digitais, com rendimentos muito superiores aos portugueses, conseguem facilmente pagar valores que para as famílias nacionais seriam impensáveis.

Salários em euros ou dólares cinco vezes superiores à média nacional fazem com que arrendar um apartamento por 1.500 euros seja uma despesa perfeitamente aceitável para eles. Porém, para os portugueses, este cenário cria um fosso financeiro intransponível.

Perante esta situação, muitos jovens, sem perspetivas de um futuro sustentável, enfrentam uma escolha difícil: emigrar, como tantos já fizeram, ou permanecer num país onde os custos de vida superam largamente os rendimentos. Esta escolha não é apenas económica, mas também cultural. Lisboa e Porto estão a transformar-se em cidades que existem para quem as visita, e não para quem lá vive.

A questão vai além do mercado habitacional. Portugal enfrenta uma carga fiscal opressiva que asfixia empresas e trabalhadores. Muitas empresas chegam a entregar mais de 50% dos seus lucros em impostos, ao mesmo tempo que os salários líquidos das famílias são reduzidos ao mínimo. Num país onde as oportunidades são escassas e os rendimentos baixos, construir um futuro tornou-se um sonho distante. Na União Europeia, países como Alemanha, França ou mesmo Espanha oferecem rendimentos que possibilitam uma vida estável e confortável. Em Portugal, o mesmo esforço é frequentemente recompensado apenas com a sobrevivência.

Não surpreende, por isso, que tantos jovens optem por emigrar na procura de melhores condições. Cerca de 30% dos portugueses com idades entre os 15 e os 39 anos já vivem fora do país. Estima-se que, em 2022, mais de 4.500 portugueses emigraram para os Países Baixos, superando, pela primeira vez, os que escolheram o Luxemburgo como destino. Esta fuga de talento jovem empobrece o país e evidencia a urgência de repensar as políticas económicas que poderiam reter estas pessoas e oferecer-lhes uma vida digna.

Enquanto isso, as cidades portuguesas continuam a mudar de rosto. Em Braga, as lojas tradicionais cedem lugar a hotéis boutique e espaços turísticos. Não é exagero afirmar que estamos a perder a alma das nossas cidades. Portugal atrai turistas pela sua autenticidade, mas o que acontece quando essa autenticidade desaparece em nome do lucro imediato?

Não se trata de criticar os que chegam nem os que souberam investir e adaptar-se ao mercado. Muitos arrendatários e investidores encontraram oportunidades legítimas numa procura crescente. Contudo, há um desequilíbrio evidente. Não existe uma política pública eficaz que proteja os residentes e permita que os portugueses vivam e prosperem no seu próprio país. O governo celebra os recordes no turismo e a atratividade de Portugal no mercado global, mas ignora a pergunta essencial: atrativo para quem?

Os jovens que escolhem ficar enfrentam uma realidade árdua. Trabalhar apenas para pagar contas tornou-se a norma. Não há tempo, nem recursos, para investir num futuro. Enquanto em outros países o mesmo esforço é recompensado com estabilidade e até com a construção de riqueza, aqui sobra apenas a sobrevivência.

Portugal precisa de repensar o seu rumo. Será possível sonhar com um país onde viver bem não seja um privilégio de alguns, mas um direito acessível a todos? Ou estaremos condenados a ser um destino de férias para outros, enquanto nós, os residentes, lutamos para simplesmente existir?

A um mês do fim de 2024, é inevitável refletir sobre o rumo que queremos tomar em 2025. É crucial adotar medidas que garantam maior controlo e equilíbrio, não apenas na gestão da emigração, mas também na forma como lidamos com quem escolhe entrar no nosso país. Sim, é necessário regular a imigração para assegurar condições justas para todos, mas também é urgente questionar o impacto daqueles que chegam com rendimentos desproporcionais e tornam irreais os preços da habitação e do custo de vida para os portugueses. Lisboa já não é uma cidade para os lisboetas – pertence agora aos nómadas digitais, a quem a paga de 2.000 euros por um T1 parece razoável. E isso é duro. É triste. O que antes era uma realidade limitada à capital está a alastrar-se para o resto do país, com cidades médias a perderem a sua essência e o custo de vida a tornar-se insustentável. Em 2025, que exista não apenas controlo, mas também coragem para proteger os que aqui querem viver e construir uma vida, garantindo que Portugal seja um país acessível para quem o chama de casa.

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