Janeiro e as Obrigações de um Novo Ano
Há uma crença persistente de que janeiro precisa ser o mês de começar de novo. Um mês para limpar a lista de fracassos, reformular prioridades e estabelecer metas. Mas será que estas "recomeços forçados" não alimentam precisamente aquilo que deveriam combater?
Nos primeiros dias de janeiro, quando o ano ainda se apresenta como uma promessa e as expectativas se renovam, existe um lado sombrio que muitas vezes é ignorado. Dados da Organização Mundial da Saúde mostram que o suicídio é responsável por mais de 700 mil mortes anuais em todo o mundo, o que equivale a uma morte a cada 40 segundos.
Entre os jovens dos 15 aos 29 anos, é a quarta principal causa de morte, apenas ultrapassada por acidentes de trânsito, tuberculose e violência interpessoal. Em Portugal, os números não diferem muito, e as estatísticas mais recentes indicam que cerca de 17% da população sofre de sintomas graves de depressão, sendo esta percentagem ainda mais elevada entre os jovens, rondando os 25%.
Estes dados, por si só alarmantes, ganham um peso ainda maior no contexto dos primeiros dias do ano, tradicionalmente associados a novas resoluções e metas pessoais. Para muitos, o início do ano é um período de ansiedade exacerbada, alimentada pela pressão de corresponder a expectativas sociais e pessoais que nem sempre são realistas.
A OMS alerta que a sensação de desesperança e de falta de sentido é um dos principais fatores de risco para o suicídio, algo que ressoa de forma especial entre os jovens numa sociedade que insiste em medir o valor individual pelo nível de produtividade e sucesso alcançado.
Há uma crença persistente de que janeiro precisa ser o mês de começar de novo. Um mês para limpar a lista de fracassos, reformular prioridades e estabelecer metas. Mas será que estas "recomeços forçados" não alimentam precisamente aquilo que deveriam combater? É importante lembrar que o sucesso não tem de ser imediato e que a perfeição não é uma exigência. Nem todos os ciclos precisam de ser abruptamente cortados apenas porque o calendário mudou de ano.
O peso das obrigações de janeiro prende-se, em grande medida, com a necessidade social de mostrar progresso. No entanto, progresso não significa sempre movimento visível. Parar, reflectir ou mesmo continuar a um ritmo lento também são formas válidas de evolução. A cultura de "ano novo, vida nova" pode ser um veneno quando nos obriga a abandonar processos internos valiosos em nome de metas que, muitas vezes, não são realmente nossas.
A ideia de sucesso, tal como é entendida hoje, está profundamente distorcida. Vivemos numa era onde a realização profissional é promovida como o único caminho válido para a autorrealização, enquanto as redes sociais amplificam narrativas de conquistas extraordinárias que alimentam a ilusão de que todos devem alcançar feitos grandiosos. Estudos indicam que 68% dos jovens entre os 18 e os 34 anos sentem-se insatisfeitos com as suas vidas devido à comparação constante com outros, particularmente nas redes sociais.
Esta mentalidade negligencia uma verdade fundamental: o sucesso é um conceito pessoal e não universal. Enquanto para alguns ele reside na ascensão de uma carreira brilhante, para outros pode significar criar uma família, cultivar relações genuínas ou simplesmente viver de acordo com os seus valores. Contudo, a obsessão pela produtividade faz-nos esquecer que o valor de uma pessoa não reside no seu rendimento ou no cargo que ocupa, mas sim na forma como vive e contribui para a comunidade.
A noção de que todos precisam de justificar a sua existência através do trabalho tornou-se um paradigma perigoso. Continuamos a criar empregos artificiais para alimentar esta ideia, numa espiral que frequentemente não serve qualquer propósito real. Este fenómeno, identificado por alguns especialistas como a criação de "trabalhos inúteis", exemplifica a absurda complexidade de um sistema que insiste em que todos devam ser empregados. Inventam-se funções que muitas vezes servem apenas para supervisionar outras funções, perpetuando um modelo que pouco ou nada contribui para o bem-estar coletivo.
O impacto desta lógica reflete-se diretamente na saúde mental dos jovens. Em Portugal, os primeiros meses do ano registam consistentemente um aumento na procura de apoio psicológico, sobretudo entre jovens adultos. Dados do Instituto Nacional de Estatística mostram que, em 2024, a taxa de suicídio juvenil em janeiro foi 12% superior à média anual. Este fenómeno está frequentemente associado ao peso das chamadas resoluções de Ano Novo, onde metas inalcançáveis geram sentimentos de fracasso e inadequação.
A solução para este problema não passa por abandonar o trabalho ou a realização pessoal, mas sim por reavaliar o propósito das nossas ações. O verdadeiro negócio das pessoas deveria ser o de voltar às suas raízes, aos sonhos e ideias que tinham antes de alguém lhes dizer que aquilo "não dava dinheiro". Em vez de impor um modelo único de sucesso, é essencial permitir que cada um encontre o seu caminho, sem o aprisionar na ideia de que apenas a produtividade o legitima enquanto indivíduo.
É igualmente fundamental investir em políticas públicas de saúde mental, aumentar o acesso a serviços de apoio psicológico e, sobretudo, educar para a aceitação de que nem todos precisam de "ganhar a vida". Viver, por si só, já é um propósito digno. Talvez a verdadeira realização esteja não em procurar incessantemente aquilo que nos falta, mas em valorizar o que já temos e encontrar sentido na simplicidade.
Refletir sobre esta questão implica considerar que a sociedade que criámos valoriza o brilho fugaz do sucesso enquanto ignora a verdadeira realização que reside na leveza de um propósito autêntico.
De que serve ganhar o mundo se perdermos a nossa paz? Em vez de perseguirmos a ilusão de que todos devem justificar a sua existência, talvez esteja na hora de começarmos, finalmente, a vivê-la.
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