Crítica: O Osso da Borboleta
Leia o que acha o crítico da obra de Rui Cardoso Martins
Leia a revista
Em versão ePaper
Ler agora
Edição de 5 a 11 de agosto
08 de janeiro de 2015 às 16:43
O mais recente romance de Rui Cardoso Martins é o livro de um país triste, a contas com o seu passado e incapaz de perspectivar o futuro. Entre estes dois tempos, o que foi e o que será, há um presente vivido com amargura e desespero, por vezes em estado de delírio onde os raros momentos de lucidez parecem ser os de um prenúncio de abismo. Purificação, ex-"pedaço de mau caminho", anda agora de pantufas no seu rés-do-chão perto do casino, como quem "desliza no tempo". Vive entre os cremes que sempre usou para tentar adiar o efeito de um tempo que se foi instalando lento, até lhe deixar apenas o suficiente para três galões e três torradas por dia, o único alimento e motivação para sair de casa. No mesmo prédio, no terceiro andar, há outro solitário, refugiado da sua própria vergonha, de ter feito um desfalque no emprego por amor a uma mulher que queria apenas o que ele parecia ser. São as figuras centrais deste romance que parece sempre um monólogo, o que reforça o sentimento de solidão que atravessa toda a história onde se cruzam outras personagens representantes de um tipo. Pilar, a filha de Purificação, amante de Victor, um traficante que emprega o filho da peixeira, o viciado em jogo, filho adoptado de boas famílias, Mello Mascarenhas; Jesus, o namorado de Purificação, pai de Pilar, que a deixou em 1974, estava ela grávida, pouco depois da revolução.