É uma casta discreta, a Fernão Pires. Dela se diz ser das mais antigas de Portugal (há registos desde o século XVIII) e a baga branca mais cultivada no País. Quem aprecia brancos já terá, em algum momento (quer se recorde quer não), provado néctares de Fernão Pires, mas provavelmente em vinhos de lote, com mais castas à mistura.
O que não se diz desta casta, a que na Bairrada chamam Maria Gomes, é que se fazem excelentes vinhos brancos apenas com ela (monovarietais ou monocastas, portanto), sejam tranquilos (de mesa e sem gás), leves (com menos de 11 graus de álcool), licorosos ou colheitas tardias. Mas já ouviu alguém, numa garrafeira ou restaurante, pedir expressamente um vinho Fernão Pires?
Foi para mostrar do que esta baga é capaz que a Comissão Vitivinícola da Região do Tejo organizou em Santarém uma prova de Fernão Pires de todos os formatos e feitios. "Sendo esta casta a mais plantada e a que surge sempre que se fala na região, porque não dizer que Fernão Pires é a casta bandeira do Tejo?", interrogou o director geral da Comissão, João Silvestre. Porque embora ela tenha grande expressão nas regiões da Bairrada, de Setúbal e de Lisboa, é no Tejo que representa quase 30% de toda a área vitícola (cerca de 3.750 hectares).
A prova didáctica foi conduzida pelos enólogos Diogo Campilho (Quinta da Lagoalva) e Martta Reis Simões (Quinta da Alorna), e arrancou com vinhos da colheita de 2017 escolhidos em prova cega - alguns ainda na versão amostra de cuba. Vinhos de produtores dos trêsterroirsque caracterizam esta região influenciada pelo rio: primeiro, doterroirdo Campo (vinhos da Adega de Almeirim, Quinta da Lagoalva e Quinta do Casal Monteiro), depois do Bairro (Quinta da Ribeirinha, João Barbosa) e, por fim, da Charneca (Quinta do Casal Branco, Casal da Coelheira, Quinta da Alorna, Companhia das Lezírias).
Foi uma forma eficaz de mostrar como as características de cadaterroirafectam o comportamento da baga, que está mais presente na Charneca (margem esquerda e sul do Tejo, em direcção ao Alentejo, com temperaturas mais altas) e no Campo (zona de planícies que o rio costuma inundar e, por isso, mais fértil) do que no Bairro (margem direita do Tejo, depois dos solos férteis do Campo).
"Os vinhos do Campo são mais frescos, com mais acidez. Na Charneca têm mais estrutura e potencial de envelhecimento, de ir à madeira", diz João Silvestre. A região do Tejo, que não deve ser confundida com a de Lisboa - e muito menos com "Lisboa e Vale do Tejo" -, inclui o concelho de Azambuja e o distrito de Santarém, excepto Ourém.
"Temos vinhos bons e vinhos velhos óptimos de Fernão Pires", observou Martta Reis Simões, que na Quinta da Alorna tem vinhas de Fernão Pires com 82 anos. "É uma casta com enorme potencial de envelhecimento." Na prova dos vinhos velhos tornou-se evidente algo que a enóloga tinha apontado; o Fernão Pires é um vinho com fama de não ter acidez, "mas há aqui vinhos que sabem envelhecer e que têm acidez". Mais: vinhos que, ao contrário do senso comum, sabem envelhecer e são surpreendentemente baratos: o 5ª de Mahler, de 2000, está na Garrafeira Nacional a €6,50, enquanto o Caves Dom Teodósio, de 1983, custa €15,90.
Por um lado, é altura de se começar a falar dos brancos do Tejo, e em especial dos Fernão Pires, com a reverência que merecem. Por outro, talvez deixemos de ter vinhos de 35 anos a menos de €16. É como aquele adágio: copo meio cheio ou meio vazio?