A carreira de Ellen DeGeneres, dona de um sucesso praticamente sem paralelo na indústria americana do entretenimento - singrando em talkshows, sitcoms, reality shows, stand-up e filmes, bem como na literatura, na música ou no empreendedorismo -, foi marcada por dois grandes contratempos.
O primeiro foi em 1997, em Ellen, a sua primeira sitcom de sucesso, quando a protagonista, uma versão ficcionada de si mesma, saiu do armário poucos dias depois de a própria DeGeneres se ter assumido como homossexual - o que levou a um dramático decréscimo de popularidade, ao cancelamento da série e ao desaparecimento de Ellen da televisão por três anos.
O segundo, em 2020, quando começaram a emergir relatos de um ambiente tóxico e maus tratos por parte de Ellen ao seu pessoal nos bastidores do seu mais célebre programa, The Ellen DeGeneres Show, resultando em investigações internas, reiterados pedidos de desculpa por parte de Ellen e, no ano seguinte, ao anúncio do seu cancelamento.
Foi também em reação à controvérsia que DeGeneres, de 66 anos, revelou que deixaria a indústria do entretenimento que tanto a condecorou depois deste seu segundo especial de stand-up da Netflix, uma promessa que reitera em For Your Approval: "estou fora". Ao longo de todo o espetáculo, reflete sobre estes dois acontecimentos, bem como sobre todo o seu percurso na comédia e debaixo do olho do grande público, sob o prisma da sua comodidade mais valiosa: a imagem.
Se no seu primeiro stand-up, Relatable (também na Netflix), ridicularizava a imagem imaculada com que era conotada em público, procurando distanciar-se dela e brincando com o facto de que, na verdade, era tão mesquinha quanto todos nós, a ênfase inverte-se, desta feita: Ellen é a má pessoa a tentar mostrar que não é assim tão má, e que, como reitera por diversas vezes no especial, preocupa-se com o que as pessoas pensam dela.
Seguindo a linha do seu pedido de desculpa na abertura da 18ª temporada do DeGeneres Show, Ellen retrata-se, em primeiro lugar, como uma pessoa como qualquer outra, ainda que não completamente inocente das acusações que lhe foram dirigidas, das quais se tenta esquivar em piadas com variados graus de graça. O registo é confessional - fala sobre o seu transtorno-obsessivo compulsivo, a necessidade de atenção que catapultou a sua carreira e danificou a sua saúde mental, e até a sua artrite -, mas, no fim, a manchete é de uma Ellen de consciência tranquila.
"Não se pode ser uma má pessoa na indústria. Não há más pessoas na indústria", diz, sarcasticamente, em For Your Approval, simultaneamente referenciando diretamente a controvérsia e esquivando-se à responsabilidade. Com uma mão, confessa-nos que não tinha maturidade suficiente para ser uma boa chefe, mas com a outra argumenta que o que era esperado de si era diferente do que se espera de chefes homens com a outra, e até dá a entender que a culpa é de ser "uma mulher forte".
É também por isso a reação crítica tem sido tão díspar. Numa apreciação tépida, o New York Times chamou o especial de "autorretrato confuso e revelador, cujas piadas ligeiras mascaram um tom mais pesado". Mais laudatório, o Hollywood Reporter diz que "Ellen DeGeneres ri-se por último" num espetáculo que "mistura, nas piadas, momentos de sinceridade e reflexão genuína". Já a Time e a Variety não foram tão gentis, opinando que é "sem graça", "indulgente" e que "deixa muito por dizer".
For Your Approval, o último stand-up de Ellen DeGeneres, já está disponível para visualização na Netflix.