Secções
Entrar
Mariana Moniz Psicóloga Clínica e Forense
24.05.2024

Tablets e smartphones para bebés: sim ou não?

Para cuidadores que utilizam as tecnologias para acalmar as crianças e porem fim a eventuais birras, há que questionar: se elas só se acalmam com estes aparelhos, o que acontecerá se os pais, subitamente, recusarem este acesso?

Imagine-se num restaurante bastante movimentado. É fim de semana e aproveitou o seu tempo livre para ir almoçar com amigos ou familiares, num local acordado por todos. Numa das mesas perto de si, encontra-se uma família com um bebé de alguns meses. A dado momento, o bebé começa a chorar, a gritar e a espernear. Esta birra, que interrompe o ambiente tranquilo do restaurante, é, compreensivelmente, perturbadora para todos os presentes. Os pais da criança, claramente desconfortáveis, tentam apaziguá-la, com gestos e palavras, mas sem efeito. O ruído ensurdecedor do bebé continua, o que fomenta o desconforto sentido pelas restantes mesas e, para pôr fim a esta birra, os pais acabam por dar o seu smartphone à criança que, deparada com este estímulo, sossega de imediato. A paz foi restabelecida no restaurante.

Se este cenário é fácil de imaginar é porque constitui, de facto, uma realidade dos dias que passam. Pode já ter assistido a tal situação ou, como progenitor ou cuidador, poderá já ter recorrido ao seu smartphone para acalmar uma criança, para pôr fim às suas birras ou, simplesmente, para distraí-la, enquanto realiza tarefas domésticas ou de lazer. No final de contas, esta é, sem dúvida, uma estratégia eficaz para controlar o seu comportamento. Mas qual o custo? Será este recurso, tão eficaz e fácil de implementar, saudável para a criança? Apesar de normalizado, a verdade é que a exposição e uso de smartphones ou tablets nas primeiras fases da vida pode trazer consequências negativas para o desenvolvimento da criança e para a sua relação com os cuidadores.

No que diz respeito ao uso das tecnologias na parentalidade, encontramos três estilos distintos: uma parentalidade com pouco recurso aos media, que limita ao máximo o acesso das crianças a novas tecnologias; uma parentalidade com recurso moderado aos media, que procura um equilíbrio entre o acesso da criança à tecnologia e a realização de outras atividades, limitando o tempo de ecrã e monitorizando o conteúdo consumido; uma parentalidade "media-cêntrica", onde uma porção substancial da rotina diária da criança envolve o uso de smartphones, tablets, computadores ou televisões. Como determinar qual dos estilos é o mais adequado? Bastará olhar para as consequências da exposição das crianças a estas tecnologias.

Com efeito, sabemos que a utilização prolongada de smartphones, tablets e outros tem consequências adversas no desenvolvimento cognitivo, linguístico, físico, social e emocional das crianças. Por um lado, sabemos, pela investigação realizada na área, que crianças que são expostas a este tipo de aparelhos nos primeiros meses de vida manifestam piores desempenhos cognitivos e linguísticos. Como tal, é amplamente reconhecido pela especialidade que crianças com menos de dois anos de idade não devem ser expostas a qualquer tipo de media eletrónico ou tecnológico. E isto não diz só respeito ao uso de tablets ou smartphones: sabemos, também, que crianças que passam mais de duas horas diárias a ver televisão têm até cinco vezes mais probabilidade de ter problemas comunicacionais e de sono do que crianças que passam menos de duas horas à frente de um ecrã.

Para cuidadores que utilizam as tecnologias para acalmar as crianças e porem fim a eventuais birras, há que questionar: se elas só se acalmam com estes aparelhos, o que acontecerá se os pais, subitamente, recusarem este acesso? A verdade é que as birras tenderão a aumentar de frequência e gravidade até que os pais, quase inevitavelmente, cedam esse controlo, expondo-as ao que mais querem: esses aparelhos. Na verdade, os problemas emocionais das crianças não vão ser resolvidos com estas tecnologias, só adiados; as crianças apenas aprendem a manipular os pais para obterem o que querem, sem ter de desenvolver competências de gestão emocional eficazes e independentes de um distractor externo. Os cuidadores não deverão recorrer a estes aparelhos para controlar ou distrair as crianças dos seus estados emocionais complexos e intensos – elas devem aprender a fazê-lo pela experiência e vivência dos mesmos. Usar o "atalho" das tecnologias, ainda que eficaz a curto-prazo, apenas serve para impedir que desenvolvam adequadas competências de regulação emocional, o que se vai repercutir para o resto da sua vida.

Apesar destas consequências adversas, é compreensível que seja difícil minimizar o uso das tecnologias, mas tal não é impossível. Existem estratégias que podem ser adotadas e incluem: selecionar cuidadosamente o conteúdo visualizado pelas crianças; participar, enquanto cuidador, nas atividades que as crianças realizam através destas tecnologias; limitar o tempo passado à frente do ecrã; evitar usar este conteúdo como ferramenta de apaziguamento ou gestão emocional da criança; encorajar períodos e rotinas livres de tecnologias; garantir que o quarto da criança não tem televisões ou outros aparelhos; garantir que, por cada 20 minutos de utilização de tecnologias, as crianças beneficiam de 20 minutos de descanso.

Estas são estratégias acessíveis, práticas e úteis para a gestão do tempo que as crianças passam à frente dos ecrãs. A tecnologia não é inerentemente má, mas não deverá substituir vivências que são fundamentais para o desenvolvimento e que moldam quem somos. Para os pais, é importante recordar que a parentalidade nunca é fácil e, como tal, os desafios que desta advêm não são fáceis de resolver. Será necessário esforço e resistência à tentação de recorrer aos "atalhos" atrativos das tecnologias. Mas esse esforço valerá a pena pelo desenvolvimento saudável e global dos mais novos. Não desperdice o tempo valioso que tem com as suas crianças, enquanto são crianças, pois esse tempo não voltará.

Mais crónicas do autor
11 de julho de 2025 às 07:33

O Homem forte: retorno à mentalidade ditatorial

Um olhar para o passado proporciona-nos, facilmente, figuras como Mussolini, Stalin, Hitler e Mao Zedong. Todos estes líderes, independentemente da sua inclinação política, viram ser construído um culto de personalidade em sua honra.

27 de junho de 2025 às 07:00

Doença dos filhos, invenção dos pais

A conhecida síndrome de Munchausen consiste no fabrico de doenças físicas e mentais, de modo a obter ganhos secundários, como o reconhecimento e atenção de terceiros ou cuidados médicos.

06 de junho de 2025 às 07:00

Os homens que não querem crescer

O nosso desenvolvimento individual ocorre faseada e progressivamente com o tempo. Não o devemos apressar, sob risco de perdermos experiências formativas e fundamentais para quem somos.

16 de maio de 2025 às 07:52

Sorte ou azar: Jovens e jogos de apostas

Muitos jogos gratuitos e amplamente populares, aliás, incluem agora jogos de apostas como função secundária das suas aplicações, uma espécie de mini-jogos que integram.

18 de abril de 2025 às 10:00

Atração sexual por animais: da fantasia à ação

Como outras perturbações do foro sexual, o interesse sexual por animais surge espontaneamente na pessoa, não escolhendo ela sentir esta atração.

Mostrar mais crónicas
Descubra as
Edições do Dia
Publicamos para si, em três periodos distintos do dia, o melhor da atualidade nacional e internacional. Os artigos das Edições do Dia estão ordenados cronologicamente aqui , para que não perca nada do melhor que a SÁBADO prepara para si. Pode também navegar nas edições anteriores, do dia ou da semana.
Boas leituras!