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Cátia Moreira de Carvalho Investigadora
21.02.2024

A masculinidade tóxica normalizada no quotidiano

Mas o que leva os homens a aderirem mais a este tipo de grupos e partidos que defendem uma masculinidade tóxica?

Esta semana, a ministra Ana Abrunhosa abandonou um debate em Coimbra devido ao discurso xenófobo e misógino do cabeça de lista do Chega pelo círculo eleitoral de Coimbra, e isto leva-me a querer escrever sobre um tema que tenho vindo a acompanhar. A literatura mostra que a masculinidade tóxica e a misoginia andam de mãos dadas com partidos radicais e o extremismo e que os homens aderem mais a este tipo de ideologia do que as mulheres.

De maneira geral, a masculinidade pode ser entendida como uma construção social do que é "ser homem" e este conceito é central nas narrativas de recrutamento para partidos radicais e também para movimentos extremistas dos vários espetros ideológicos. Dado o crescimento da direita radical populista e manifestações de extrema-direita em Portugal, como também o aproximar das eleições, neste artigo foco-me nos partidos radicais e movimentos extremistas de direita. Assim, a narrativa adotada por estes partidos e movimentos idealiza os homens como guerreiros, protetores – precisamente a justificação dada pelo cabeça de lista do Chega "Não disse que as mulheres eram frágeis. Disse que nós protegemos as mulheres" – e provedores da casa, enquanto que o papel da mulher deve ser entendido como passivo, ficando sujeita à proteção e abrigo do homem. Aliás, as narrativas extremistas e radicais podem ser compreendidas como apelos a um tipo ideal de masculinidade que contrasta com a experiência vivida por muitos dos seus membros, oferecendo-lhes um sentido de respeito, reconhecimento e fonte de significado que são ausentes nas suas vidas diárias.

Mas o que leva os homens a aderirem mais a este tipo de grupos e partidos que defendem uma masculinidade tóxica? Segundo a literatura, as motivações podem ser divididas em quatro temas. O primeiro está relacionado com algumas explicações psicológicas que mencionam uma masculinidade ferida e crises de identidade, relacionadas com a incerteza trazida pela rapidez das transformações globais. Como forma de lidar com esta incerteza, alguns jovens aderem a movimentos extremistas ou partidos radicais para simbolizar a passagem à vida adulta, que lhes proporciona um grupo acolhedor, com ideologia e sentimentos semelhantes, e camaradagem. O segundo tema está relacionado com exclusão social, discriminação e alienação cultural. A incapacidade de se adaptarem a mudanças culturais e a discriminação sofrida por pertencerem a grupos sociais entendidos como mais desvantajosos, pode precipitar a adesão a grupos radicais ou extremistas. O terceiro tema refere a frustração com a sua incapacidade, no contexto das condições económicas, de cumprir as expectativas sociais da masculinidade. O quarto e último tema relaciona especificamente a masculinidade com grupos extremistas violentos e à violência. A motivação subjacente é a perda de laços com o sistema e instituições democráticos, e revela-se numa forma de protesto masculino, que reclama o sentido e o papel tradicionais do homem através de intimidação, violência física e psicológica.

Embora o discurso misógino e anti-feminista esteja presente no quotidiano de uma forma alargada, é no mundo virtual que ele é mais preocupante. Costumo pensar que a internet pode e deve ser uma aliada no combate ao extremismo, mas, neste caso, tendo a considerar que ainda temos muito para aprender como responder e prevenir. Isto porque nos meios online tem havido uma proliferação de comunidades caracterizadas por uma adesão ideológica à narrativa misógina e ao domínio e recuperação da masculinidade tóxica como estilos de vida e formas de viver em sociedade. E é aqui que os partidos radicais e os movimentos extremistas se tocam e esbatem eventuais diferenças: ambos defendem a dominância do homem e a passividade da mulher, recuperam referências misóginas e machistas utilizadas no passado por líderes como Mussolini, e desejam o retorno dos papeis tradicionais de género claramente desvantajosos para as mulheres. E é aqui também que a normalização deste discurso ocorre: ao ser validado por partidos com assento parlamentar, ganha força como forma legítima de imposição de normas que deterioram a igualdade e a equidade de género e, em última instância, a qualidade da democracia.

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