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Música electrónica no Maria Matos com o pioneiro Roedelius

Aos 81 anos, Hans Joachim não deixa a música - e diz que nunca o fará. O pioneiro da electrónica vai estar em Lisboa no palco do Teatro Maria Matos no dia 16. Conheça-o melhor

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Edição de 5 a 11 de agosto
Diogo Lopes 15 de janeiro de 2016 às 18:47
Ágata Xavier

Com 4 anos entrou em filmes a preto e branco, com 9 fugiu da guerra e do nazismo, aos 20 foi preso pela Stasi e seis anos depois trabalhava como massagista. Muito resumidamente, esta é a história da vida de Hans-Joachim Roedelius até chegar a um ponto de viragem, aos 30 anos: mergulhou a fundo na música. Começou com os Kluster (com Conrad Schnitzler e Dieter Moebius); depois surgiram os Cluster (Conny Plank e o mesmo Moebius) e mais tarde juntou-se a Michael Rother e a Moebius para criar os Harmonia. Foi o seu papel em projectos musicais como estes que fizeram dele uma das figuras mais influentes da história da música contemporânea dentro dos géneros krautrock (música rock experimental, plena de improvisações e ritmos hipnóticos) e electrónica. No fim de Outubro de 2015 esteve em Braga para actuar na abertura do festival de música electrónica e arte digital Semibreve - e foi então que o músico de 81 anos falou com o GPS. O alemão regressa a Portugal, desta vez a Lisboa, ao Teatro Maria Matos, para uma actuação no dia 16 onde se fará acompanhar por André Gonçalves, Rui Dias, José Alberto Gomes, Maria Mónica e Alex Gonzalez, seus convidados. Numa conversa sobre a sua vida pessoal e profissional, Roedelius apresentou-se como uma pessoa simples e cheio de vida. Conheça-o melhor. Qual é a memória musical mais antiga que guarda? A primeira música que ouvi vinha das bombas que caíam sobre Berlim. Fogo, luta, guerra... ainda hoje me lembro do barulho da guerra. Lembro-me que eu e a minha família fugimos de Berlim em 43 e estive "na estrada" até 72. Nunca ficávamos muito tempo em lado nenhum. A sua paixão pela música começou um pouco tarde... Sim, começou em 1967, já tinha mais de 30 anos. Casei com 40 anos, tive o meu primeiro filho e depois seguiram-se os restantes. Tudo na minha vida começou tarde, mas não perdi nada por causa disso, muito pelo contrário. Então a música não foi a sua primeira profissão... A minha primeira profissão foi no ramo da Fisioterapia, tenho curso de fisioterapeuta. A música mais a sério só apareceu depois. É verdade que trabalhou em campos de nudismo antes de enveredar pela música? Sim, trabalhei como massagista em dois campos de nudistas na Córsega. Mas fiz muita coisa antes de seguir para a música. Fiz telhados, lavei casas de banho, fui jardineiro, trabalhei em cozinha, fui dono de um bar, vendi gelados… fiz muita, muita coisa nos anos que passei na Córsega. É um sítio lindo e eles lá dão muito valor às tradições. Tive muitos, muito amigos lá. Todos esses empregos serviam para custear a sua carreira musical? Mais ou menos. Nessa altura ainda não tinha começado na música. Fui para a Córsega em 1963, só em 1967 é que optei ser músico, nesta altura já tinha regressado a Berlim (voltava lá muitas vezes em férias, com a mulher e os filhos). Levava sempre os meus instrumentos comigo e ficava a fazer música em comunhão com a natureza. Qual foi o primeiro instrumento que aprendeu a tocar? Foi uma flauta muito pequenina. Na verdade, nessa altura explorava qualquer coisa que fizesse barulho ao máximo, porque não percebia realmente nada de música. Só queria criá-la. À medida que me fui tornando mais conhecedor decidi comprar um órgão e, aos poucos, todos [os membros da sua primeira banda, os Kluster] fomos crescendo como músicos. Pegámos em "instrumentos à séria", como violoncelos, guitarras e violinos, e voltámos a mergulhar no experimentalismo. O que é que procuravam? Queríamos perceber todos os sons que estes objectos eram capazes de fazer. Não os sabíamos tocar convencionalmente, nunca tínhamos aprendido, por isso queríamos saber tudo aquilo que conseguiam fazer para depois escolhermos o que nos soasse melhor. Então nunca teve aulas de música... Não, nunca houve nada na minha vida a que pudesse chamar aula de música. Tudo o que sei fui aprendendo sozinho, explorando. Isso fez com que soubesse melhor aquilo de que realmente gosto. É verdade que chegou a tocar com David Bowie?Não, nunca tocámos com o Bowie, mas ele adorava os Harmonia! Nos seus espectáculos, pelo menos naqueles realizados na nossa terra, falava sempre sobre nós. Havia um programa de televisão muito famoso na Alemanha que uma vez teve o David como convidado. Fizeram-lhe uma entrevista e, a certa altura, ele pergunta ao público se alguma vez tinham ouvido uma música dos Harmonia. Ninguém disse nada, por isso ele afirmou "vocês não percebem nada disto" [risos]. Nós trabalhámos foi com o Brian Eno. Como foi? Trabalhámos com ele primeiro com os Harmonia e mais tarde com os Cluster. Não durante muito tempo, porém. O Brian sempre esteve envolvido em muitos projectos… Ele costuma dizer que os Harmonia são uma das bandas mais importantes da História. O que acha disso? [Risos] Não sei se ele disse, mas pelo menos as pessoas dizem que ele o disse. Há uma grande diferença entre a música que faz hoje [música electrónica experimental] e aquilo que fazia com os Harmonia, por exemplo. Adoptou um estilo mais etéreo, mais contemplativo. O que esteve na origem dessa mudança? O que eu faço actualmente já o faço há 42, 43 anos... é muito tempo. Esse tempo, a quem o aproveita e a quem o explora ao máximo, faz evoluir - não só como músico mas como pessoa. A minha música é hoje constituída por dois mundos - o orgânico e o electrónico. Tento equilibrar esses dois mundos. Acho que os sons produzidos pela música electrónica têm uma influência no corpo e na mente dos seres humanos que ninguém consegue perceber. É um som com características especiais. Como assim? Por exemplo, há frequências específicas que o corpo não tolera bem. Houve uma altura na minha vida em que tive de deixar de tocar o meu sintetizador com tanta frequência. Mergulhei a fundo nesse mundo e magoei-me, sentia-me doente, tinha muitas dores e não percebia porquê. Até experimentar largar o sintetizador. Isto é um dos factores que me faz procurar um equilíbrio entre o som digital e o analógico. Hoje, qual é o instrumento que lhe faz melhor? O piano, sem dúvida. Tem uma alma incrível. Costuma dizer-se que a música electrónica é mais fria quando comparada com música feita com recurso a um violoncelo ou até um piano. Concorda? A emoção não parte da música, parte das pessoas, da forma como elas se identificam - ou não - com aquilo que estão a ouvir. Mas também é verdade que a música é criada por pessoas, por isso acho que o amor e a entrega que alguém dedica à música que faz é um factor que influencia a teoria de que fala. Se amas o que fazes, o teu calor é transferido para a tua música. Pode não haver muita gente capaz de fazer isso, mas eu também não tenho conseguido acompanhar o mercado da música. Há demasiadas coisas, é difícil estar a par de tudo. Independentemente disso, não tenho qualquer dúvida de que há muita gente capaz de fazer música electrónica muito humana, muito sensível… Como eu [risos]. Os seus filhos também fazem música? Não, absolutamente nada! Eu trato das despesas musicais sozinho [risos]. Mas todos eles estão ligados à arte. A minha filha é pintora, o filho mais velho faz arte computadorizada e o mais novo é fotógrafo profissional. Acha que alguma vez se vai fartar de fazer música? Não, não… nunca. Acho que hei-de morrer com as teclas de um piano nos dedos. Roedelius e Convidados Teatro Maria Matos Av. Frei Miguel Contreiras, 52 Lisboa Sáb., 16/1, 22h €7 e €14

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