Disse-me que trabalhou três anos e meio neste livro. Desde aí, ganhou vários prémios pelo primeiro romance, um dos quais o Prémio Saramago. Sentiu algum peso?
Não, não senti peso nenhum. O peso estará em quem criou expectativas, estará nos leitores, eventualmente nos editores, não sei. Eu não [senti], porque como já disse comecei a escrever o livro antes ainda do outro ter sido publicado. Portanto eu não sabia que livro é que ia resultar, mas sabia o que é que queria, tinha o tema, sabia o livro que eu queria escrever. E foi isso que fiz. Ao longo destes três anos fiz muitas outras coisas - publiquei um outro livro de não-ficção na Fundação Francisco Manuel dos Santos e fiz uma série de coisas, desde traduções a trabalhos com a imprensa.
Mas o livro acompanhou-me sempre. E foi-se transformando. A verdade é que, como eu não tinha um plano definido do que seria o livro, ele foi-se transformando à medida que eu também ia descobrindo mais coisas e ia abrindo caminhos, às vezes por acaso - houve um livro que me caiu por acaso nos braços, por assim dizer, e que me abriu um caminho e que acabei por seguir no livro que escrevi. Às vezes estava a ouvir uma música, também por acaso - alguém que partilhou uma música numa rede social - e isso abria outro caminho para o livro. Portanto, enquanto o escrevia, o livro era aberto a todos esses estímulos e influências. E nunca estive a pensar em prémios e naquilo que estava para trás. Claro que fiquei muito contente quando os recebi, mas no processo de escrita a minha fasquia sou eu que a estabeleço, não são os prémios, não são os críticos, não são os leitores.
Relativamente ao primeiro romance referiu três obras que lhe serviram de inspiração [As Pequenas Memórias, de José Saramago, A Vida Como Ela É, de Nélson Rodrigues, e O Que Diz Molero, de Dinis Machado] . Neste caso, há alguma obra que tenha ou servido de inspiração, ou cujo esqueleto o Bruno sinta que dialoga de alguma forma com este romance?
Há várias... não da mesma forma que esses três livros que referi, do Dinis Machado, José Saramago e Nélson Rodrigues, que serviram para enquadrar o outro. Aqui houve vários livros que de alguma forma entraram também neste livro - mais do que referências exteriores, mais do que terem servido como uma espécie de baliza, estão dentro, quase que fazem parte do tecido deste livro. Livros de ficção e de não-ficção. Um dos mais importantes, já quando estava a meio do processo, foi o livro do Kamel Daoud, Mersault - Contra Investigação, que é um livro que conta a história do Estrangeiro, do Camus, mas do ponto de vista da vítima - é o irmão do árabe que é morto que está a contar a história muitos anos depois. E tem essa semelhança, de ser um livro sobre a vítima, ao contrário do Estrangeiro e por exemplo do Crime e Castigo, que são livros centrados não nas vítimas mas nos homicidas, nas suas motivações, nas suas particularidades.
O Kamel Daoud nesse livro o que faz é centrar o livro na história da vítima e o meu livro, sendo muito diferente, tem esse elo comum: é um livro sobre a vítima, porque que eu quis que fosse um livro não sobre as motivações do homicida mas sobre o percurso [do João Jorge] e [sobre] quem era este rapaz que morreu aos 21 anos. Esse foi um dos livros importantes mas houve outros - como o Angola, Sonho e Pesadelo, do Adolfo Maria, que é um livro de memórias, que também foi muito importante na construção de uma parte deste livro. Depois houve outros livros que de alguma forma tocam este livro e que eu menciono - o Crónica de uma Morte Anunciada [de Gabriel García Márquez], naturalmente. Queria dizer que esse é o caso mais óbvio, porque trata, claro, de uma investigação de um homicídio depois de vários anos do sucedido.
Mas depois há outros que também influenciaram ao entrar neste livro e que não são necessariamente livros de ficção. A par desse do Adolfo Maria, talvez o mais importante tenha sido o ABC do Bê Ó, que é um livro sobre o bairro operário de Luanda escrito pelo Jacques Arlindo dos Santos e que também está dentro deste livro.
Falávamos há pouco de um texto publicado pelo Bruno no jornal Observador. Já passou por vários géneros literários, já explorou várias linguagens. O romance é a procura também de uma liberdade maior?
É, porque no romance cabe tudo, cabem todos os géneros, cabem todas as linguagens. Eu acredito que é no romance que eu me defino enquanto escritor. Eu ponho as minhas fichas todas nos romances. E o romance tem essa vantagem, de ser uma forma muito flexível, muito ampla, e que permite todas estas linguagens. O que também coloca desafios - desde logo o de escolhermos a linguagem mais adequada para a história que queremos contar.
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