A Cibersegurança em Portugal: Estratégia Nacional, Estruturas Públicas e Atuação das Forças Policiais
A evolução constante das técnicas de ataque, a interdependência digital e a escassez de quadros especializados exigem que Portugal continue a apostar numa cibersegurança estratégica, transversal, e sustentada.
A cibersegurança tornou-se, nas últimas duas décadas, um domínio fundamental da segurança nacional. O crescimento exponencial das tecnologias digitais, a interligação das infraestruturas críticas e a dependência crescente da economia, dos serviços públicos e da vida quotidiana em redes informáticas e sistemas de informação, tornaram o ciberespaço um novo "campo de batalha" — invisível, mas extremamente vulnerável e estratégico.
Portugal, enquanto Estado membro da União Europeia e da NATO, tem vindo a desenvolver um conjunto de estratégias, estruturas institucionais e medidas operacionais para garantir a segurança no ciberespaço. O presente texto visa analisar, de forma aprofundada, o que tem sido feito em Portugal em matéria de cibersegurança pelos organismos públicos e pelas forças de segurança, incluindo o papel da legislação, da capacitação e da cooperação internacional.
Estratégia Nacional de Cibersegurança
Portugal adotou a sua primeira Estratégia Nacional de Cibersegurança (ENCS) em 2015. Esta foi posteriormente revista e reforçada em 2019, e mais recentemente em 2024, alinhando-se com a nova diretiva europeia NIS 2 e com os padrões da NATO e da ONU.
A ENCS 2024-2028 assenta em 7 eixos estratégicos:
- Promoção de uma cultura nacional de cibersegurança
- Proteção do ciberespaço nacional
- Reforço da resiliência das infraestruturas críticas
- Capacitação dos recursos humanos na Administração Pública
- Promoção da investigação, desenvolvimento e inovação
- Reforço da cooperação internacional
- Garantia de uma resposta coordenada a incidentes cibernéticos
Esta estratégia define linhas orientadoras para os setores público e privado, promovendo um ecossistema de segurança digital colaborativo, transversal e sustentável.
Estruturas públicas responsáveis pela cibersegurança
Centro Nacional de Cibersegurança (CNCS)
Criado em 2014, o CNCS é a entidade pública de coordenação nacional da cibersegurança. Está integrado no Gabinete Nacional de Segurança e é responsável pela implementação da estratégia nacional e pela coordenação da resposta a incidentes cibernéticos de grande escala.
Competências principais:
- Coordenar a aplicação da diretiva europeia NIS/NIS2
- Emitir orientações técnicas e recomendações para as entidades públicas e operadores de serviços essenciais
- Promover a partilha de informação sobre ameaças e vulnerabilidades
- Coordenar o CERT.PT, o centro de resposta a incidentes da Administração Pública
- Desenvolver programas de capacitação e sensibilização
- Atuar como ponto de contacto com entidades congéneres internacionais (ENISA, CERT-EU, NATO CCDCOE)
Gabinete Nacional de Segurança (GNS)
Tem como missão assegurar a proteção da informação classificada e apoiar tecnicamente o governo na definição de políticas de segurança da informação, incluindo a segurança das redes e sistemas.
Polícia Judiciária – Unidade Nacional de Combate ao Cibercrime e à Criminalidade Tecnológica (UNC3T)
A Polícia Judiciária (PJ), através da UNC3T, é a principal força de investigação de crimes informáticos em Portugal.
Crimes investigados:
- Acesso ilegítimo a sistemas
- Ataques DDoS
- Ransomware
- Fraudes online
- Phishing e engenharia social
- Pornografia infantil online
- Espionagem informática e sabotagem digital
A UNC3T integra equipas altamente especializadas, com competências em investigação forense digital, análise de malware, monitorização de darknet e rastreamento de criptomoedas.
A PJ também integra redes internacionais de cooperação, como:
- Europol EC3 (European Cybercrime Centre)
- Interpol Cybercrime Directorate
- No More Ransom Project
- Joint Cybercrime Action Taskforce (J-CAT)
GNR e PSP – Cibercrime e sensibilização
Apesar de não serem polícias de investigação criminal especializada em cibercrime, a GNR e a PSP têm núcleos dedicados a:
- Apoio à investigação (em articulação com a PJ)
- Ciberpatrulhamento
- Prevenção e literacia digital
- Apoio a vítimas de cibercrime
- Ciberbullying e crimes online em ambiente escolar
Estas forças têm vindo a reforçar as suas capacidades tecnológicas e colaboram com o CNCS e a PJ no âmbito de campanhas de sensibilização, formação e resposta local a incidentes.
Legislação relevante
Portugal tem vindo a alinhar a sua legislação com os compromissos europeus e internacionais. Destacam-se:
- Lei do Cibercrime (Lei n.º 109/2009) – transposição da Convenção de Budapeste.
- Regulamento Geral de Proteção de Dados (RGPD) – aplicável desde 2018.
- Diretiva NIS – Diretiva europeia sobre a segurança das redes e sistemas de informação.
- NIS 2 (transposição em curso) – impõe obrigações reforçadas para empresas, operadores de infraestruturas críticas e administração pública.
- Lei da Cibersegurança do Estado (em desenvolvimento) – visa proteger os sistemas críticos da administração central e entidades estratégicas.
Infraestruturas críticas e operadores de serviços essenciais (OSE)
Portugal identifica e classifica infraestruturas críticas nos setores da energia, transportes, saúde, telecomunicações, água, administração pública, banca e defesa.
Estes operadores são obrigados a:
- Ter planos de gestão de risco cibernético
- Reportar incidentes ao CNCS
- Realizar auditorias de conformidade
- Estabelecer contactos com equipas de resposta (CERTs)
Cooperação internacional
Portugal participa em várias estruturas internacionais de cibersegurança, nomeadamente:
- ENISA (Agência Europeia para a Cibersegurança) – colabora com o CNCS na definição de políticas e boas práticas.
- NATO CCDCOE (Centre of Excellence for Cyber Defence) – Portugal é membro desde 2020.
- Fórum Global sobre Ciberespecialistas da ONU
- European Cyber Security Organisation (ECSO)
Esta rede de cooperação permite troca de informações em tempo real, resposta conjunta a ameaças globais e partilha de recursos e conhecimento técnico.
Formação e sensibilização
O CNCS e o GNS lideram campanhas nacionais de sensibilização como:
- "CyberSafe.pt" – programa de literacia digital para jovens, professores e encarregados de educação.
- "Segurança Digital nas Escolas" – sessões com GNR e PSP em estabelecimentos de ensino.
- Formações para quadros superiores da Administração Pública
- Simulações de cibercrises (ex. CyberEx, exercícios com a NATO e a UE)
A formação é considerada uma prioridade nacional, com investimentos crescentes na criação de centros de competências em cibersegurança, como o C2i (Centro de Competências em Cibersegurança e Inovação).
Exemplos de ciberincidentes recentes em Portugal
Portugal tem sofrido ciberataques de grande visibilidade nos últimos anos:
- 2022 – Ciberataque ao Grupo Impresa (Expresso e SIC), com dados apagados e exigência de resgate.
- 2022-2023 – Ataques ao Hospital de Santa Maria e ao Instituto Nacional de Estatística.
- 2024 – Ataque ransomware a sistemas de autarquias locais e empresas de água e energia.
Estes incidentes evidenciaram fragilidades na segurança de sistemas públicos e levaram ao reforço do investimento em backup, redundância, resposta rápida e segmentação de redes.
Desafios atuais e futuros
Apesar dos avanços, Portugal enfrenta vários desafios:
- Falta de recursos humanos especializados na Administração Pública
- Necessidade de maior interoperabilidade entre sistemas públicos
- Deficiente cultura de cibersegurança em empresas e organismos locais
- Subnotificação de incidentes
- Elevada dependência de fornecedores estrangeiros (risco de backdoors)
- Risco de ataques híbridos e ciberespionagem em contextos geopolíticos
Portugal tem dado passos firmes na construção de uma arquitetura nacional de cibersegurança assente na coordenação, no reforço legislativo, na capacitação técnica e na cooperação internacional. O papel desempenhado pelo CNCS, pela Polícia Judiciária e pelas estruturas de coordenação e resposta a incidentes tem sido essencial na prevenção, deteção e mitigação de ciberameaças.
Contudo, a evolução constante das técnicas de ataque, a interdependência digital e a escassez de quadros especializados exigem que Portugal continue a apostar numa cibersegurança estratégica, transversal, e sustentada, capaz de proteger a soberania digital do Estado, a economia e os direitos dos cidadãos.
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