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Miguel Costa Matos Economista e deputado do PS
21.10.2025

Tirem as mãos das nossas pensões

Até pode ser bom obrigar os políticos a fazerem reformas, ainda para mais com a instabilidade política em que vivemos. E as ideias vêm lá de fora, e como o que vem lá de fora costuma ter muita consideração, pode ser que tenha também muita razão.

Imagina que a obra para renovar a escola dos teus filhos depende de cortarem no teu direito a uma pensão. Como escrevi há um mês, Portugal é o país da UE onde o investimento público depende mais de haver fundos europeus e, nesta proposta de Orçamento europeu, haverá muito menos dinheiro para países como Portugal. Todavia, além do país pagar uma boa parte do que recebe em contributos, agora alguns senhores engravatados em Bruxelas decidiram inventar uma nova condição.  

Não, senhores, desta vez não são umas quaisquer novas burocracias ou exigências técnicas que ficam muito bem nos livros. É que agora o dinheiro é mais curto, tu precisas mais deles e, por isso, eles acham que podem mandar mais. Agora se queres receber o dinheiro vais ter de fazer reformas. Soa bem, não é? Até pode ser bom obrigar os políticos a fazerem reformas, ainda para mais com a instabilidade política em que vivemos. E as ideias vêm lá de fora, e como o que vem lá de fora costuma ter muita consideração, pode ser que tenha também muita razão. 

Não tem mal nenhum, pode dizer a senhora von der Leyen, recordando que no PRR também tínhamos reformas associadas e não veio daí mal ao mundo. É verdade, embora também estavam previstos investimentos importantes e, agora, como não vão terminar a tempo, tudo o que sobrar vai para o Banco de Fomento distribuir livremente umas massas. O resto fica em águas de bacalhau à espera de haver verba e vagar para o fazer. 

A diferença é que, reforma ou investimento, no PRR escolhíamos nós o que queríamos fazer e a Comissão aprovava ou não. E era dinheiro novo – uma mesada extra se nos portarmos bem. O problema foi termos aceitado o pressuposto de a Comissão Europeia decidir se nos portámos bem ou não. Demos a mão e agora querem-nos o braço. Com menos dinheiro do que nos últimos 7 anos, querem-nos obrigar a aceitar as “recomendações específicas por país” que uns técnicos numa Direção-Geral (ou até quem sabe uns consultores bem remunerados) vão redigir. 

Essas “recomendações” são uma bela salada de frutas. Longe de serem específicas para cada país, têm motes repetidos de ano para ano e de geografia em geografia. A sua definição varia bastante, com anos em que era recomendado contenção no salário mínimo e outros em que as pensões sociais eram insuficientes e inadequadas. Há, afinal, que manter aparências – com exceção de uma pequena grande área cujos interesses ainda vou perceber. 

A ideia da insustentabilidade da Segurança Social é dos maiores logros que nas últimas décadas a direita soube impor. Sustentado num relatório da insuspeita Comissão Europeu, o Ageing Report, a União Europeia faz os cálculos da pior maneira possível, presumindo que os contribuintes vão ter largos períodos de desemprego ou inatividade. Semelhantes estudos dae do Banco de Portugal com pressupostos mais próximos da realidade demonstram termos uma das taxas de substituição do rendimento de trabalho em pensões mais elevadas da Europa. 

As intenções por trás dessa operação de propaganda são claras – valorizar fiscalmente a poupança-reforma e encorajar a sociedade a plafonar vertical ou horizontalmente a Segurança Social para dar espaço às pensões privadas para crescer. É uma das principais propostas que se antecipa virá pela caneta da comissária Maria Luis Albuquerque. 

A mulher que há 10 anos achou ser boa ideia prometer um corte de 600 milhões nas nossas pensões, revelou-se ser a alminha por detrás dessa iniciativa. Numa altura em que o Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social já tinha e tem suficientes reservas para 2 anos inteiros de pensões, a opção da Direita é fragilizar essas poupanças comuns que soubemos criar. 

Ninguém se quer meter com onde é que as pessoas metem o seu dinheiro particular. Todavia, quando alguém mete o dinheiro para ter uma pensão pública, tem de ter confiança no sítio onde o vai meter. Todos os meses, tu abdicas de 11% do teu salário e o teu patrão de 23,75% em contribuições para a Segurança Social. Esses descontos devem servir para reforçar a pensão de velhice, de desemprego ou de doença que vais receber quando não puderes trabalhar. Que Bruxelas agora queira impor uma outra solução para a nossa reforma, exercendo um poder distante de tutela sobre o nosso modelo de sociedade, é o cúmulo da desfaçatez. 

Há um problema maior para as nossas democracias do que o populismo. É a tecnocracia. Desde Platão na Grécia Antiga que alguns se acham os maiores do mundo, que tudo sabem enquanto o resto não percebe nada. O populismo sai mais forte e mais amargo quando vem em reação aos rei-filósofos e às suas fantasias. Mas também a tecnocracia se escuda no populismo para nos tentar forçar a engolir o que, de outra forma, não iríamos aceitar. 

Está na hora de voltarmos às pessoas: de falarmos verdade e agirmos firmes. Comecemos pelo Orçamento Europeu, dizendo: tirem as mãos das nossas pensões. A nossa democracia não está à venda. Os nossos direitos a uma reforma justa também não. 

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