Flexibilidade: a palavra bonita para a precariedade
A AD anuncia que "o grau de rigidez da legislação laboral deverá ser atenuado", de forma a "equilibrar a proteção dos trabalhadores com uma maior flexibilidade dos regimes laborais".
O diálogo democrático é um bem em si mesmo mas não lhe é indiferente o caminho que toma. Hoje começa-se a discutir o programa do XXV Governo Constitucional. Luís Montenegro, como António Costa já havia feito, incluiu propostas dos partidos de oposição no seu Programa de Governo. Este exercício foi conveniente para enxertar e assim tentar legitimar medidas que a AD não ousou apresentar aos eleitores mas que fazem parte do repertório clássico de um partido de direita. É o caso da privatização parcial da CP, do esbanjar de dinheiro público em pensões privadas e do endurecimento da política de imigração e integração.
A surpresa mais gritante, porém, são as leis laborais. O programa eleitoral da AD dizia apenas pretender "valorizar o trabalho e o emprego e combater a pobreza dos trabalhadores", designadamente através de um Suplemento Remunerativo Solidário. Semanas depois, nada disso interessa. Já no Governo, a AD anuncia que "o grau de rigidez da legislação laboral deverá ser atenuado", de forma a "equilibrar a proteção dos trabalhadores com uma maior flexibilidade dos regimes laborais".
Para quem fala tanto em estabilidade e reformas, o que a AD pretende fazer é o oposto. Em 2022, o Governo do Partido Socialista propôs a Agenda do Trabalho Digno, no sentido de valorizar salários e combater a precariedade. Foram meses de negociação em concertação social a que se seguiu um rico diálogo parlamentar, onde foram também incluídas propostas dos partidos da oposição, culminando na Lei n.º 13/2023, de 3 de abril. Essa reforma está ainda a surtir os seus efeitos, designadamente no reconhecimento dos contratos de trabalho para os trabalhadores das plataformas digitais. Goste-se mais ou menos das alterações que ela trouxe, voltar a mexer nas leis laborais tão pouco tempo depois da sua reforma é estar a introduzir mais instabilidade e custos para as empresas, que terão de se adaptar mais uma vez a novas regras e às novas dinâmicas que elas trouxerem.
Não devemos ter, porém, tibiezas em relação ao sentido da AD. O propósito é claramente uma contrarreforma – desfazer a Agenda e regressar aos índices de precariedade que vivemos no período da Troika, sem qualquer mandato popular para o efeito.
Há, no plano dos princípios, amplos motivos para ser contra. A precariedade é uma cruz que impede as famílias de organizarem a sua vida. Desregula horários e limita a capacidade dos trabalhadores obterem melhores salários. Em média, a remuneração dos contratos a termo é 40% inferior à dos contratos permanentes. Para um país tão fustigado pela pobreza e pela emigração, só pelo impacto que terá nos trabalhadores esta seria uma má contrarreforma.
E para as empresas, será esta uma boa medida? A AD justifica a sua contrarreforma com a necessidade de "aumentar a produtividade e competitividade das empresas, bem como de incentivar o desempenho dos trabalhadores". Partindo da economia clássica, vêm a rigidez como um custo que impede as empresas de se ajustarem a flutuações na procura e que, assim, precavendo-se para essa eventualidade, não investem ou não contratam.
Como vimos em sucessivas crises económicas, não podemos levar as teorias clássicas à letra. No caso, este argumento está caduco. Vivemos hoje numa economia do conhecimento, onde tanto os bens tangíveis como intangíveis, já para não falar dos serviços, dependem da especialização e da inovação. Isso é especialmente verdade para uma economia europeia que não pode nem deveria querer competir pelo baixo custo mas, outrossim, pelo valor acrescentado.
Uma economia competitiva hoje em dia requer investimento em capital físico (maquinaria), em capital intangível (software), em organização (melhor gestão), mas também ou sobretudo capital humano. É por isso que uma variedade de estudos económicos aponta para a ineficácia da flexibilização das relações laborais como medida de aumento da produtividade, investimento, emprego ou salários.
Não é difícil de perceber porquê. Um trabalhar sem perspetivas de ficar no seu emprego estará, em regra, menos motivado para aprender as competências e conhecimentos específicos à sua função, empresa ou indústria. Estará também menos apto a arriscar, a discordar das práticas correntes, a ousar propor diferente – numa palavra, a inovar.
Este não é, pois, um bom augúrio neste arranque do XXV Governo Constitucional. É uma má notícia para os trabalhadores, para a economia e para a inovação. Se é para isto que Montenegro quis ir buscar propostas aos partidos da oposição, mais valia ficar pelo "pequeno nada" que deixou no seu programa eleitoral.
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