No início de 2016, Leonor Freitas inaugurou a nova adega, junto das primeiras instalações, de forma a ligar todo o processo, desde a vinificação ao estágio, engarrafamento, armazenamento e expedição. O anterior Presidente da República, Cavaco Silva, marcou presença na cerimónia. O custo total das duas fases de construção foi de oito milhões de euros
Regresso a casa
A proprietária e gestora da Casa Ermelinda Freitas é da terra. Nasceu e cresceu em Fernão Pó. Tirou o curso de Serviço Social no Instituto Superior de Serviço Social, no Largo do Mitelo, em Lisboa, e trabalhou durante mais de 20 anos no Ministério da Saúde, onde se dedicou em particular a áreas como a da prevenção contra o alcoolismo e das toxicodependências, etc.
Não pensava voltar a Fernão Pó, mas, no final da década de 90, o pai faleceu de repente e a mãe não tinha condições para levar o negócio para a frente sozinha. "É por isso que estou aqui e que existe, hoje, a Casa Ermelinda Freitas", explica a empresária, contando que voltou há 22 anos.
No início eram apenas três pessoas, incluindo Leonor Freitas, numa casa agrícola com 60 hectares de vinha. "A maior parte estava plantada com a casta tinta tradicional da região, a Castelão. Além disso, havia um pouco de cepas brancas Fernão Pires, que apenas representavam 5% do total", recorda. Naquela altura a adega era, como muitas outras em Portugal, tradicional, estruturada essencialmente para a vinificação de tintos.
550 hectares de vinha e mais de 1000 prémios
Apesar de não se sentir preparada para se envolver no projeto, abraçou-o "muito motivada". Acumulou, prudentemente, a gestão da empresa com o trabalho no Estado e continuou a vender vinhos a granel, tal como o tinham feito os antecessores.
Estimulada pela capacidade inata de empreender, começou por alargar o património vitícola com as primeiras aquisições feitas por motivos afetivos, a parentes. "Assim fui juntando, de novo, a herança partilhada da minha avó", explica Leonor Freitas. Depois, passou a adquirir mais vinhas porque precisava, para assegurar a produção e a resposta às solicitações do mercado, que foram crescendo.
A casa compra também uvas a mais de 150 viticultores da região de Palmela, na Península de Setúbal, muitos deles parceiros há mais de 50 anos. Todas são monitorizadas para assegurar a qualidade dos vinhos que a empresa põe no mercado, que tem sido atestada, ao longo dos anos, por mais de 1000 prémios conquistados em concursos nacionais e internacionais do setor.
A opção pelo vinho engarrafado
Ainda vendia apenas vinho a granel quando visitou, pela primeira vez, a Vinexpo, em Bordéus, a primeira feira internacional. “Foi um marco da minha vida”, diz Leonor Freitas, por ter sido o primeiro contacto com o universo dos vinhos engarrafados no mercado global. Foi o primeiro com outra realidade, onde sentiu “que tratavam os vinhos como joias”. Também ficou fascinada com o cuidado que os produtores tinham com a imagem das garrafas.
Foi quando visitou vários produtores de renome, da região de Bordéus, em conjunto com Jaime Quendera, o enólogo da empresa, que conheceu nessa viagem, que deu conta de que “estava a desperdiçar património”. Ali, as áreas de vinha eram, em média, muito inferiores à sua, mas estavam muito mais valorizadas, dado o prestígio das marcas. Ou seja, cada quilo de uva, transformado em vinho, era muito mais valorizado do que numa casa que o comercializava a granel, como a sua.
"Tinha de o passar a vender engarrafado e, para o fazer, precisava de investir em instalações e equipamentos para produzir ainda com mais qualidade", explica Leonor Freitas, que fez a administração direta da construção da sua primeira adega
Sucesso do bag in box
Terras de Pó foi lançada ainda na década de 90. Em 2002, decidiu lançar-se exclusivamente na produção e comercialização de vinhos engarrafados. Criou mais marcas e passou a vender vinhos em bag in box. “Fi-lo de forma envergonhada, pois a imagem deste tipo de embalagens, na altura, não se coadunava com vinhos de qualidade”, conta Leonor Freitas, acrescentando que a opção foi correta, pois a comercialização de vinhos de qualidade, dentro de bag in box, foi a principal razão do sucesso inicial da empresa, fora e dentro do país.
Eram produtos de qualidade, certificados para Indicação de Proveniência Regional (IPR) ou Denominação de Origem Protegida (DOP), como vinhos de reserva pela câmara de provadores da Comissão Vitivinícola Regional de Setúbal. Foram tão bem aceites onde entravam, que começaram a aparecer pequenos revendedores, na empresa, a quererem comercializá-lo, a nível local, em diversas zonas do País. Hoje, são várias dezenas em todo o território nacional. Para eles, esta casa criou a marca M.J. Freitas, apenas vendida em restaurantes e cafés. Ainda hoje é a marca mais vendida em bag in box.
Nas diversas idas ao estrangeiro, à procura de novos mercados e clientes, começou a verificar que os consumidores internacionais não queriam vinhos da casta Castelão, e sim das variedades de origem francesa mais divulgadas, como as tintas Syrah ou Merlot. Como queria produzir vinhos diferentes e precisava de exportar, Leonor Freitas plantou castas internacionais, mas também as portuguesas mais conhecidas lá fora, como a Touriga Nacional ou a Tinta Roriz.
Sucesso do bag in box
"É preciso mostrar, primeiro, vinhos de castas conhecidas, que funcionam como cartões de visita, para depois apresentar os nossos", explica, acrescentando que, depois de os provarem, os estrangeiros gostam. "Ficam mesmo admirados com a qualidade dos que se produzem em Portugal", revela a gestora
Opções para todas as bolsas
O primeiro vinho que foi engarrafado pela empresa estava ainda em barrica, após ter tido uma boa classificação na CVR Setúbal, no dealbar do novo milénio. Os supermercados Pingo Doce, que apostavam forte em vinhos, na altura, souberam disso e contactaram Leonor Freitas. A proposta foi fazer uma marca própria para a cadeia. Hoje, a Casa Ermelinda Freitas tem uma distribuidora para todo o território nacional, a Prime Drinks e vende diretamente na maioria das grandes superfícies.
"São vinhos competitivos, fáceis de beber, agradáveis, com uma boa relação qualidade-preço, bons para o dia a dia", explica Leonor Freitas. Ter uma oferta mais competitiva, para o quotidiano, ajuda a sustentar o negócio de uma adega com a dimensão atual da sua, e permite-lhe fazer também produtos mais de nicho, como o moscatel superior, os monovarietais, o Quinta da Mimosa ou o Leo d’Honor
Apesar de ter, hoje, uma oferta alargada, com várias gamas, Leonor Freitas não considera que o consumidor se baralhe com isso, até porque o objetivo é disponibilizar vinhos para todas as bolsas e ocasiões. Apesar de a vinha ter hoje 31 castas, e a Casa Ermelinda Freitas comercializar diversos vinhos monocasta, a empresária quer continuar a ser a Senhora do Castelão de Palmela.
Explica que os solos arenosos onde se desenvolvem os vinhedos são os mais apropriados para a casta e que é, por isso, que ainda mantém 170 hectares de vinha velha. É da mais antiga, com 80 anos, que sai o topo de gama da empresa, o Leo d’Honor, vinho que só sai em anos de qualidade excecional desta parcela.
"Tem uma produção pequena, de cerca de duas toneladas de uva por hectare, muito inferior às mais recentes, que é de 10 toneladas/ha. Mas nota-se a estrutura, o maduro, a diferença do vinho", defende, explicando que ela e Jaime Quendera viram, desde o início, que dali se produzia um vinho diferente, de qualidade superior.
Por isso, foi logo embalado numa garrafa melhor. As provas, ao longo do tempo, atestaram a qualidade, o que levou à decisão de se fazer, daquela vinha, o topo de gama da Casa Ermelinda Freitas. O nome, Leo d’Honor, ou Leão de Honra, foi sugerido por um historiador a Leonor Freitas, com a explicação que era um dos símbolos da casa de Fernando Pó, o navegador português que descobriu as ilhas do Golfo da Guiné, na costa ocidental de África, em 1472, e deu origem ao nome da terra onde fica a sede da empresa.
Casa das histórias e da história
A Casa de Memórias e Afetos Ermelinda Freitas fica na antiga adega da empresa. Remodelada, ainda mantém os depósitos originais, alguns equipamentos, os primeiros vinhos engarrafados e os prémios – alguns dos mais de 1000 que esta empresa obteve desde que Leonor Freitas passou a dirigir os seus destinos. Também conta a história da família, em retratos e objetos dos antecessores, e da vida local, em utensílios e ferramentas agrícolas e de casa. De destacar o espaço original onde se efetuou a destilação de aguardentes, com a respetiva caldeira e uma sala com várias balanças, pesos e medidas.
Casa Ermelinda Freitas
Trata-se de uma aposta mais forte de Leonor Freitas no enoturismo e na educação, já que, noutros espaços da adega, Leonor Freitas mostra o que são as rolhas de cortiça, num espaço onde tem também casca de sobreiro. Bem perto, na vinha, estão identificadas, numa parcela, todas as castas, para os visitantes poderem observar as diferenças. O desenvolvimento do turismo, em Lisboa, e a proximidade à capital incentivaram Leonor Freitas a investir em instalações para receber visitantes.