As
empresas familiares são, em todo o mundo, um pilar essencial da economia. Em
Portugal representam mais de 60% do PIB e do emprego, têm presença dominante no
PSI e asseguram uma capilaridade única no território. Para Luís Parreirão,
advogado e gestor, esta realidade exige reflexão profunda. “Estamos perante uma
realidade com peso determinante no investimento e no emprego, que merece cada
vez maior atenção e estudo”, afirma.
O especialista lembra que estas empresas têm características próprias que as
distinguem. “O controlo da empresa é feito por uma família que detém a maioria
do capital, os lugares de topo são ocupados por membros da família ou por
pessoas escolhidas por ela e a geração seguinte é chamada a suceder no capital
e na gestão. No caso das cotadas, a família mantém pelo menos 25% do capital”,
explica.
Luís Parreirão recorda que nove das quinze empresas cotadas do PSI são
familiares, entre elas Altri, Corticeira Amorim, Galp, Ibersol, Jerónimo
Martins, Mota-Engil, Navigator, Semapa e Sonae. “São exemplos que mostram bem a
relevância das empresas familiares na economia nacional e a sua capacidade de
gerar estabilidade, emprego e coesão territorial”, sublinha.
Episódio 1 - Negócios de Família - Dr. Parreirão
Do patriarca às novas realidades
O universo das empresas familiares é marcado pela tradição e pela história.
Portugal conta com empresas centenárias, algumas a aproximarem-se desse marco
simbólico, e no mundo a japonesa Takenaka Corporation mantém-se como a mais
antiga empresa familiar, em operação há mais de quatro séculos. “A importância
desta realidade tem vindo a impor a sua autonomia como área de estudo e de
interesse”, refere Luís Parreirão.
Durante muito tempo, a figura do patriarca foi dominante. “Empresas e famílias
eram dirigidas por um único centro de poder. A família vivia da empresa e a
empresa condicionava a vida da família”, recorda o especialista. Essa realidade
refletia-se em decisões pessoais, desde casamentos determinados pela endogamia
social até percursos profissionais impostos aos filhos em nome da continuidade
do negócio.
Mas os tempos mudaram. “A vida é dinâmica e hoje a família ganhou uma
complexidade até há pouco desconhecida. As uniões de facto, as famílias
monoparentais, os casamentos homossexuais e a pluralidade de laços de
parentesco e afinidade obrigam a repensar conceitos e práticas”, observa. Esta
transformação, acrescenta, gera impactos diretos na forma como as famílias
empresárias se organizam e gerem patrimónios.
Famílias empresárias, famílias investidoras
A reflexão de Luís Parreirão centra-se na necessidade de ir além da expressão
“empresas familiares”. “A questão que se coloca é se não devemos passar a falar
de famílias empresárias e, mais ainda, de famílias investidoras. É essa
evolução que permite garantir a longevidade dos projetos e a sua adaptação aos
novos tempos”, defende.
Para o advogado, a capacidade de inovar é essencial. “Famílias empresárias que
não inovem nos investimentos e na forma como se organizam dificilmente
resistirão. A inovação deve estar não apenas no investimento, mas também na plasticidade
com que se estruturam como famílias, respondendo à diversidade dos nossos
tempos.”
O conceito de famílias investidoras, segundo Luís Parreirão, traduz-se em
grupos de pessoas ligadas por laços familiares que decidem gerir em conjunto
patrimónios relevantes, assumindo esse princípio voluntariamente e garantindo
uma gestão profissional. “São famílias que reconhecem que cada membro é
independente, mas que entendem que uma parte das suas vidas, nomeadamente a
dimensão patrimonial, deve ser gerida em conjunto”, afirma.
Questões legais e novos instrumentos
A transformação das empresas familiares em famílias empresárias e investidoras
levanta também desafios jurídicos. “Estamos perante realidades em que
patrimónios avultados são geridos empresarialmente pelos seus proprietários,
que são maioritariamente membros de uma mesma família. Trata-se de uma relação
entre duas entidades ontologicamente diferentes: a família e a empresa”,
explica.
Enquanto na família prevalecem a personalidade, a liberdade individual e os
afetos, na empresa dominam a razão, a colegialidade e a concertação de posições
diversas. “É preciso perceber se o interesse público pode determinar a criação
de algum tipo de regulação. Admito que sim, porque interessa à comunidade que
unidades empresariais relevantes se mantenham estáveis e coesas, mesmo que
dependam de uma unidade acionista familiar”, defende Luís Parreirão.
Entre os instrumentos que considera necessários, destaca a possibilidade de
rever regras sucessórias quando estão em causa patrimónios empresariais, a
criação de holdings familiares e o registo público de acordos entre membros das
famílias. “É fundamental criar mecanismos que evitem destruições de capital
resultantes de conflitos familiares ou sucessórios”, salienta.
A casa comum da família
Luís Parreirão propõe ainda um conceito mais abrangente, que designa como “Casa
Comum da Família”. Trata-se de uma estrutura que, na sua perspetiva, deve gerir
tanto o efeito família como o capital, superando a visão estritamente financeira
dos family offices. “A Casa Comum da Família é onde se gere o capital mas
também a diversidade e a coesão familiar. É a colagem entre as duas
realidades”, explica.
Essa estrutura deve respeitar princípios essenciais como a adesão voluntária e
individual, a definição rigorosa do património a gerir em conjunto, a
plasticidade para acomodar diferentes composições familiares e a criação de
mecanismos de governação claros. “A salvaguarda de regras consensuais é a chave
para garantir a transmissão entre gerações e a longevidade dos projetos”,
afirma.
O futuro das famílias empresárias
Para Luís Parreirão, o futuro das empresas familiares passa por esta evolução
para famílias empresárias e investidoras. “Talvez o conceito de famílias
investidoras esteja mais adaptado aos nossos tempos”, considera. Ao mesmo
tempo, sublinha que a regulação não deve ser excessiva, devendo começar por
instrumentos de soft law. “Cada família investidora deve ser a sua própria
legisladora, estabelecendo regras adaptadas à sua realidade”, afirma, citando
Guilherme de Oliveira: “Cada casal é o seu próprio legislador.”
O advogado deixa, contudo, uma advertência. “Estamos a falar de domínios
complexos, que cruzam direito da família, direito sucessório, regras
societárias e até, em alguns casos, direitos com origem em tradições religiosas
ou jurídicas distintas.” Ainda assim, considera inevitável essa evolução.
Na sua visão, é a articulação entre empresa, família e património que permitirá
garantir a estabilidade e o sucesso das famílias empresárias. “É na capacidade
de colocar numa interação proveitosa o sistema empresarial, o sistema familiar
e o sistema de propriedade que poderá estar a chave do sucesso e da
longevidade”, conclui.