Multiplicam-se as notícias sobre saúde mental em
Portugal. Com a abertura, cada vez maior, para falar sobre este tema,
reconhecemos o impacto da depressão no trabalho, nas famílias e nos jovens. Mas
poucos exploraram um terreno que liga dores físicas a sofrimentos emocionais: a
relação entre enxaqueca e depressão, que pode minar silenciosamente a
vida de milhares de portugueses, sem que se veja de imediato. Raramente se fala
da enxaqueca neste contexto.
É urgente perceber este elo: de um lado, dores intensas que se repetem; do outro, uma tristeza que se instala nos intervalos, roubando alegria e ânimo. E a verdade é que não é apenas uma coincidência. As enxaquecas parecem predispor ao risco depressivo, e a depressão pode agravar a frequência e a intensidade das crises1. Compreender essa interação é o primeiro passo para oferecer apoio médico, psicológico e humano a quem vive com essa realidade.
A enxaqueca: muito além de uma
dor de cabeça
A enxaqueca é, em essência, uma doença neurológica primária, caraterizada por dores pulsáteis de intensidade moderada a severa, geralmente num dos lados da cabeça, e frequentemente acompanhadas por náuseas, vómitos e intolerância à luz, ao ruído ou a cheiros específicos2. Trata-se de uma das formas mais incapacitantes de cefaleia2 – durante uma crise, muitos doentes ficam impossibilitados de executar tarefas mínimas do dia a dia.
Estima-se que uma em cada sete pessoas sofra desta condição, mais comum do que asma ou diabetes2. As cefaleias representam a segunda maior causa de anos vividos com incapacidade em todo o mundo3. Em Portugal, mais de 2 milhões vivem com enxaqueca4, e 81% referem que a doença prejudica a sua vida profissional, com uma média de 3,8 dias de absentismo por mês2.
Diagnóstico e acompanhamento:
uma via muitas vezes tortuosa
O diagnóstico é crucial, mas frequentemente tardio: em muitos casos, o percurso até chegar a um neurologista especializado demora até 15 anos
5. Sem acompanhamento, as crises tornam-se mais frequentes e o impacto psicológico acumula-se.
A relação com a depressão é bidirecional. Pessoas com enxaqueca apresentam maior risco de depressão e quem sofre de depressão tem duas a três vezes mais probabilidade de desenvolver enxaqueca1. Durante a pandemia, um estudo realizado em Espanha mostrou que 70,4% dos doentes com enxaqueca apresentaram sintomas depressivos, contra 50,5% no grupo sem enxaqueca; quase 19% tinham depressão moderada a severa6.
O peso humano é enorme: 79% dos portugueses com enxaqueca relatam limitações severas nas atividades diárias2,5 e mais de 80% cancelaram planos sociais no último mês2.
Caminhos para romper o ciclo
O caminho passa pelo diagnóstico precoce, pelo tratamento multidisciplinar e pelo apoio integrado entre neurologia e saúde mental. As recomendações da MiGRA Portugal e da Sociedade Portuguesa de Cefaleias apelam à reorganização dos cuidados e a uma maior literacia em cefaleias5. A nível europeu, a EMHA pede políticas que integrem saúde mental e dor crónica3.
A mensagem é clara: a enxaqueca não é “apenas uma
dor de cabeça”. É uma doença invisível, que pode arrastar consigo a depressão.
E compreender esta ligação é o primeiro passo para devolver qualidade de vida a
quem sofre.
Referências:
1. Zhang Q et al. The exploration of mechanisms of comorbidity between migraine and depression. J Cell Mol Med. 2019;23(7):4505-4513
2. Plano de Atividades, MiGRA
Portugal (2022)
3. EMHA White Paper - European Migraine
& Headache Alliance
4. “Gestão das Cefaleias em
Portugal: Consenso das Sociedades Portuguesas de Cefaleias, Associação
Portuguesa de Medicina Geral e Familiar e MiGRA” (2025) – Revista Acta Médica
Portuguesa
5. Recomendações MiGRA Portugal +
Sociedade Portuguesa de Cefaleias (2023)
6. García Azorín D et al. Migraine impact on patient's life in terms of quality of life and mental health (2020 national health and wellness survey). J Headache Pain. 2024;25(Suppl 1):AL004.
NPS-PT-NP-00388 (Setembro 2025)