O cancro do pulmão detém a maior taxa mundial de mortalidade por doença oncológica. Apesar dos avanços na medicina é o diagnóstico mais impactante na esfera profissional e socioeconómica dos doentes, segundo um estudo da empresa GfK Metris. Mas uma nova geração de tratamentos está a redesenhar as estratégias de combate à doença.
Responsável por 4490 mortes em 2023, o número mais elevado desde 2002, o cancro do pulmão é uma das doenças oncológicas mais temidas pelos portugueses, a par das neoplasias de cólon e reto, pâncreas, mama e estômago, conforme dados do estudo A saúde do homem, promovido pela GfK Metris com o apoio da Johnson & Johnson Innovative Medicine.
As consequências do carcinoma do pulmão, a designação clínica do cancro do pulmão, também são devastadoras, em particular na esfera profissional e na condição socioeconómica do doente. O estudo mostra que metade dos doentes interrompeu a atividade profissional, perdendo 60 dias de trabalho. Os cuidadores dos doentes também são afetados a nível laboral porque 40 por cento abdicou das suas atividades para poder apoiá-los.
"O acompanhamento dos doentes com cancro do pulmão é complexo, decidido por uma equipa multidisciplinar, incindindo a nível psicológico, nutrifuncional e recuperação funcional, além do tratamento em sentido estrito", explica Isabel Magalhães, presidente da Pulmonale, a Associação Portuguesa de Luta Contra o Cancro do Pulmão, referindo-se ao impacto da doença e à resposta clínica.
Respostas inovadoras
Os tratamentos de radioterapia ou quimioterapia, aos quais 63 por cento dos doentes de cancro do pulmão se submetem, também são muito impactantes na qualidade de vida (56 por cento).
A cirurgia, a quimioterapia e a radioterapia continuam a desempenhar um importante papel no combate a esta doença, embora o incremento de investigação científica tenha permitido avanços significativos na resposta clínica. Este conhecimento está a traduzir-se na implementação de terapias mais personalizadas e eficazes, utilizadas em doentes com metástases e também em fases mais precoces da doença com resultados animadores. Existem terapêuticas dirigidas para alguns tipos de mutação que têm contribuído para uma melhoria significativa da sobrevida dos doentes mas, segundo o mesmo estudo, a maioria dos doentes com cancro (68 por cento) ainda não faz testes genéticos que permita aferir a sua mutação e dirigir a terapêutica.
"É fundamental garantir acesso rápido a estes tratamentos inovadores, o que implica otimizar os processos de aprovação, agilizar os fluxos de diagnóstico e criar programas de acesso precoce, para que os doentes possam beneficiar destas terapias atempadamente", frisa David Araújo, pneumologista e membro da Comissão Científica do Grupo de Estudos do Cancro do Pulmão.
Falta prevenção
A disponibilização do "tratamento mais adequado em tempo oportuno" é igualmente uma questão relevante para Isabel Magalhães. Mas a responsável da Pulmonale alerta que "é fundamental promover equidade no acesso e no tratamento dos doentes, face às desigualdades nessa matéria".
Em Portugal, o crescimento da incidência de cancro do pulmão, que se deve maioritariamente a hábitos tabagistas, é agravado pela inexistência de prevenção primária. Apesar dos repetidos apelos da comunidade médica e científica, o Estado tarda em lançar "um rastreio dirigido à população de maior risco", nas palavras de Isabel Magalhães.
O acesso ao diagnóstico do cancro do pulmão é realizado maioritariamente por médicos de família, em resultado de exames e análises de rotina (70 por cento) e não por intermédio de uma ação direta, segundo o estudo. Até ao diagnóstico, que em 70 por cento dos casos ocorre em menos de seis meses, 60 por cento dos doentes recorre a mais de duas especialidades.
Quatro perguntas a Eugenia Vispo,
Medical Director da Johnson & Johnson Innovative Medicine

A investigação em cancro de pulmão tem trazido sobretudo anos de vida?
Os avanços da ciência e terapêuticos refletem-se tanto no aumento dos anos de vida, como na qualidade que estes podem ter. Em alguns doentes, as terapêuticas dirigidas permitiram duplicar, e por vezes triplicar, a mediana de sobrevivência, ao mesmo tempo que reduzem sintomas e exigem menos recursos hospitalares. A ciência e a inovação trouxeram autonomia, capacidade funcional e a possibilidade do doente manter as suas relações sociais. Estes ganhos são especialmente importantes em pessoas jovens, como muitos doentes de cancro do pulmão, que querem planificar o seu futuro e viver a sua vida o mais possível.
Que desafios se colocam à investigação em Oncologia?
O equilíbrio entre eficácia e toxicidade é um dos grandes desafios na oncologia moderna. Enquanto a eficácia garante o controlo e prolongamento da vida, por vezes, a toxicidade elevada pode debilitar demasiado o doente, comprometendo a sua qualidade de vida ou mesmo a continuidade do tratamento. Por isso, existe uma preocupação crescente em desenvolver tratamentos que permitam maximizar a eficácia, sem descurar a qualidade de vida. O objetivo é que o tratamento prolongue o máximo de anos de vida com o menor impacto possível na rotina, nas relações e no bem-estar dos doentes. Recentemente, por exemplo, desenvolvemos um ensaio clínico para avaliar como poderia a profilaxia ajudar a diminuir consideravelmente alguns dos efeitos adversos de um medicamento para cancro do pulmão. Precisamente por estarmos atentos ao doente e ao que tem valor para ele. A eficácia não foi posta em causa e os efeitos adversos diminuíram substancialmente. E é por aqui que seguimos.
Qual o rumo da ciência e da inovação nesta área?
A indústria farmacêutica tem vindo a focar-se crescentemente no desenvolvimento de fármacos com esquemas de administração mais simples e adaptados à realidade dos doentes crónicos. Isto traduz-se, por exemplo, em terapêuticas orais ou subcutâneas em vez de intravenosas, que são mais demoradas e psicologicamente mais pesadas, ou em regimes posológicos mais espaçados. Este enfoque visa não só aumentar a adesão ao tratamento, mas também garantir que a gestão clínica por parte dos médicos é mais fácil, que a sobrecarga dos serviços de saúde é menor e, inclusive para os próprios doentes, que a gestão da sua doença e da sua vida é facilitada. O doente pode passar menos horas no hospital, ter menos efeitos adversos, não ter tantas dores, ter menos imprevistos, ver o seu conforto e autonomia preservados, enquanto o medicamento cumpre com o seu papel no combate ao cancro.
A medicina de precisão é a via para mais e melhores anos de vida?
A medicina de precisão é hoje um pilar essencial na abordagem do cancro do pulmão, permitindo identificar as características genéticas de cada tumor e selecionar a melhor terapia para cada caso. Esta personalização do tratamento aumenta as probabilidades de resposta, diminui os riscos de efeitos adversos desnecessários e evita a exposição a terapias ineficazes. Como resultado, consegue-se um equilíbrio mais apurado entre prolongamento da vida, controlo da doença e manutenção da qualidade de vida. A medicina de precisão traduz a convergência entre inovação científica, atenção às necessidades dos doentes e responsabilidade no uso dos recursos, fazendo do equilíbrio entre eficácia, segurança e bem-estar uma realidade cada vez mais presente. Já não é futuro para mais e melhores anos de vida. É presente e é esperança.
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