Sábado – Pense por si

C-Studio

Mais informações

C•Studio é a marca que representa a área de Conteúdos Patrocinados do universo Medialivre.
Aqui as marcas podem contar as suas histórias e experiências.

Nem todo o kefir é kefir. E isso pode mudar tudo

Em conversa com o médico Pedro Brogueira, especialista em doenças infeciosas, explorámos o papel do kefir e da microbiota na saúde digestiva. Porquê? Porque é urgente clarificar o que é, afinal, o verdadeiro kefir.

20 novembro 2025 10:24

Num momento em que o bem-estar digestivo se tornou uma das grandes tendências na alimentação saudável, produtos como o kefir ganham destaque nas prateleiras dos supermercados e nas conversas sobre microbiota. Mas será que todos os kefires que encontramos no mercado são realmente kefir?

Falámos com o médico Pedro Brogueira, especialista em doenças infeciosas e membro da Sociedade Portuguesa para a Inovação em Microbioma e Probióticos (SPIMP), para compreender o que distingue o verdadeiro kefir, porque é que a saúde intestinal é muito mais do que “trânsito regular” e de que forma é que este alimento pode ter um impacto real no nosso bem-estar global.

À conversa com o médico especialista Pedro Brogueira

A crescente preocupação com a saúde intestinal veio democratizar termos outrora restritos à comunidade científica, como “microbiota”, “fermentos” ou “probióticos”. No entanto, esta popularidade também trouxe alguma confusão. Entre iogurtes, bebidas fermentadas e versões industrializadas de kefir, há produtos que prometem benefícios semelhantes, mas cuja composição difere substancialmente.

Hoje, mais do que nunca, importa distinguir o marketing da ciência. Essa distinção começa por compreender o que é, de facto, o kefir autêntico e porque é que nem todos os produtos que o reivindicam o são verdadeiramente.

Nos últimos anos, ouvimos falar muito sobre a microbiota intestinal e o seu impacto na saúde. Afinal, o que é exatamente a microbiota e porque é que tem um papel tão central no nosso bem-estar geral?

O termo microbiota diz respeito a uma comunidade de micro-organismos num ambiente específico, frequentemente designado por “flora” comensal. Ao considerarmos o papel dos micro-organismos, as interações entre as várias espécies e a sua função, estamos a falar de microbioma. A microbiota não é indissociável do organismo humano. As nossas células e tecidos evoluíram ao longo do tempo em dependência do contributo de bactérias e outros micro-organismos que vivem connosco em simbiose, os quais coevoluíram ao longo de milhões de anos, culminando naquilo que hoje conhecemos como organismo humano. De modo a garantir essas funções vitais, é fundamental que o sistema permaneça estável e equilibrado. O desequilíbrio desta relação estreita dá pelo nome de disbiose e está na base de inúmeras doenças metabólicas e inflamatórias, influenciando ainda de forma impactante processos fisiológicos diversos como a perceção da dor, a regulação do apetite, a fertilidade e a amamentação.

Costuma dizer-se que “somos o que comemos”. No caso da microbiota, podemos dizer que “somos o que alimenta as nossas bactérias”?

Neste caso, não é possível reduzir a complexidade da nossa relação com as bactérias a algo unidirecional ou assente apenas numa relação mutualista, ainda que, naturalmente, seja recomendável a ingestão de bactérias benéficas para o organismo, através do consumo de alimentos fermentados probióticos, integrados numa alimentação saudável.

Fundamentalmente, o ser humano deve ser percecionado como um holobionte, isto é, um ecossistema mutualístico composto pelos três domínios da vida – Bactéria, Archaea e Eukarya. Dito de uma forma mais simples e quantificável, uma fatia importante das células que constituem o organismo humano tem origem microbiana. De um modo geral, os sistemas humanos (digestivo, reprodutor, imunitário, etc.) dependem da interação com esta diversidade de micro-organismos mutualistas para se considerarem biologicamente e funcionalmente completos.

“Devemos preferir alimentos frescos, promover a variedade de vegetais, leguminosas e grãos integrais, valorizar fermentações naturais (ex.: kefir, kombucha, miso), privilegiando alimentos tão naturais quanto possível e evitando o excesso de gorduras e açúcar” Pedro Brogueira, especialista em doenças infeciosas e membro da Sociedade Portuguesa para a Inovação em Microbioma e Probióticos (SPIMP)

Que hábitos ou alimentos são essenciais para manter um intestino saudável?

O microbioma intestinal é moldado desde o período gestacional, influenciado pelo tipo de parto, tipo de alimentação (leite materno ou fórmula para lactentes), diversificação alimentar, sendo sujeito a fatores externos ao longo da vida como o ambiente, a dieta e a prática de exercício físico.  Deste ponto de vista, devemos preferir alimentos frescos, promover a variedade de vegetais, leguminosas e grãos integrais, valorizar fermentações naturais (ex.: kefir, kombucha, miso), privilegiando alimentos tão naturais quanto possível e evitando o excesso de gorduras e açúcar.

O kefir é frequentemente apontado como um dos alimentos mais completos para o equilíbrio intestinal. Do ponto de vista científico, o que distingue o verdadeiro kefir de outras bebidas fermentadas, como o iogurte?

O kefir é originário das montanhas do Cáucaso, sendo os seus grãos tradicionalmente transmitidos de geração em geração desde cerca de 2000 a.C., considerado uma forma de riqueza familiar e protegido pelas tribos. Sendo o leite o elemento comum, o que verdadeiramente distingue o kefir é o facto de ser produzido a partir dos chamados “grãos de kefir”. Os grãos de kefir constituem uma mistura complexa e específica de bactérias e fungos que vivem em simbiose. Quando inoculados num meio de cultura como o leite, ocorre um processo específico de fermentação em que são produzidos ácido lático e diversos elementos funcionais como péptidos bioativos, polissacáridos, antibióticos e bacteriocinas. É esta composição única do kefir que o distingue verdadeiramente, conferindo-lhe um potencial probiótico específico. O termo “probiótico” designa os micro-organismos que sobrevivem à passagem pelo trato gastrointestinal e exercem funções benéficas no organismo. Portanto, a grande quantidade de micro-organismos vivos benéficos, entre bactérias e leveduras probióticas, é o que realmente distingue o kefir de um simples leite fermentado ou iogurte, que comparativamente são alimentos de menor riqueza probiótica ao não terem leveduras e serem fermentados com menos bactérias que um kefir.

No mercado, encontramos vários produtos com o nome kefir, mas que, segundo alguns especialistas, não correspondem à fermentação tradicional. O que caracteriza o kefir autêntico? E porque é que a presença de leveduras é tão importante?

De acordo com o Codex Alimentarius (Codex Stan 243-2003), um kefir é um leite fermentado com os fermentos típicos dos grãos de kefir, contendo, por isso, uma grande quantidade de micro-organismos vivos, entre bactérias e leveduras. O kefir é considerado um alimento funcional pelo facto de lhe ser atribuído um efeito benéfico numa ou em várias funções específicas do organismo, além dos efeitos meramente nutricionais, sendo o seu consumo considerado relevante para a melhoria do estado de saúde e bem-estar, ou para a redução do risco de doença. Tendo em conta estas premissas, é necessário garantir que a composição do produto corresponde à do kefir autêntico. Neste sentido, a composição em bactérias e leveduras, bem como a sua proporção, é determinante na medida em que os efeitos probióticos do kefir estão fundamentalmente dependentes das estirpes que compõem a mistura simbiótica. Em última análise, é esta composição que permite aumentar a diversidade microbiana e a modulação da microbiota intestinal que deriva do seu efeito probiótico.

Existe alguma regulamentação que defina o que pode ou não ser chamado de kefir? Ou, neste momento, ainda vivemos num “vale tudo” alimentar neste segmento?

Existem na Europa vários países que regulamentam o kefir e onde se estabelece claramente que um kefir é um leite fermentado que tem obrigatoriamente de ser fermentado com bactérias e leveduras. Em Portugal, esta regulamentação ainda não existe e verifica-se, ao dia de hoje, uma proliferação no mercado de produtos que, apesar de se apresentarem como kefir, não o são realmente, dado não possuírem leveduras na sua composição. Estes pseudo kefires de fermentação exclusivamente bacteriana possuem menor qualidade e quantidade de culturas vivas probióticas, sendo, como tal, menos interessantes para a saúde dos consumidores.

Do ponto de vista clínico, que benefícios reais é que o consumo regular de kefir autêntico pode trazer? Pode ajudar, por exemplo, em situações de imunidade fragilizada, problemas digestivos?

O kefir levantou o interesse da comunidade científica devido às suas propriedades benéficas incluindo a melhoria da digestão e tolerância à lactose, efeito antibacteriano, efeito hipocolesterolémico, controlo glicémico, efeito anti-hipertensivo, anti-inflamatório, antioxidante, anticarcinogénico e atividade antialérgica. Deste ponto de vista, o kefir pode ser considerado um alimento funcional. O facto de estudos experimentais mostrarem uma associação entre o consumo de kefir e determinados efeitos fisiológicos ao nível do metabolismo permite considerar o seu potencial como adjuvante no controlo de algumas patologias metabólicas como a obesidade, resistência à insulina ou alteração do metabolismo dos lípidos, sendo ainda um alimento interessante como parte de uma dieta funcional como forma de prevenção de doenças e otimização da saúde em geral.

Há ainda quem associe a saúde intestinal apenas à regularidade do trânsito. Como é que podemos mudar esta perceção e mostrar que o intestino é um verdadeiro “centro de comando” do organismo?

O intestino é um órgão extraordinariamente complexo e fundamental para o funcionamento de diversos órgãos e sistemas, essencial para a manutenção da homeostasia, isto é, o equilíbrio de todos os sistemas biológicos que nos constituem. Considerado o “segundo cérebro” pela vasta rede neuronal que possui e em estreita relação com a microbiota intestinal, constitui um eixo bidirecional microbiota-intestino-cérebro, que permite a integração da vasta informação proveniente do meio externo com funções metabólicas específicas, cujo desequilíbrio dá forma a algumas doenças frequentes na população, como a síndrome do intestino irritável, ansiedade, depressão e com impacto determinante nos mecanismos de perceção da dor. Pelo facto de se tratar da maior interface do organismo com o meio externo, habitado por milhões de micro-organismos que comunicam entre si, tem reconhecido o seu lugar de comando no que diz respeito ao sistema imunitário, sendo fundamental na sua função de resposta a infeções, bem como na sua regulação. Assim se compreende o papel do intestino nos mecanismos das doenças alérgicas e inflamatórias, nomeadamente as doenças autoimunes, que têm em grande medida a sua base ao nível do intestino. Estas são algumas evidências que podemos apontar para compreender a importância de manter uma dieta equilibrada e hábitos saudáveis no que diz respeito ao controlo do stress emocional, prática de exercício físico, medidas com impacto significativo a nível da saúde e bem-estar geral.

“O kefir levantou o interesse da comunidade científica devido às suas propriedades benéficas incluindo a melhoria da digestão e tolerância à lactose, efeito antibacteriano, efeito hipocolesterolémico, controlo glicémico, efeito anti-hipertensivo, anti-inflamatório, antioxidante, anticarcinogénico e atividade antialérgica” Pedro Brogueira, especialista em doenças infeciosas e membro da Sociedade Portuguesa para a Inovação em Microbioma e Probióticos (SPIMP)

Falamos muito da importância de escolher produtos naturais, mas nem sempre o consumidor sabe identificar um kefir de qualidade. Que sinais deve procurar nas embalagens ou na lista de ingredientes?

É importante garantir que se trata de kefir autêntico, respeitando o que está descrito no Codex Alimentarius, nomeadamente quanto à sua composição rica em bactérias e leveduras, pois os benefícios do kefir prendem-se com os produtos obtidos por ação dos fermentos típicos do kefir, aos quais se associam as propriedades benéficas anteriormente descritas.

Com a crescente popularidade do kefir, há também muitas versões caseiras. Que cuidados é que as pessoas devem ter quando decidem preparar kefir em casa? Há riscos associados?

Sim. Existem riscos consideráveis de contaminação microbiana relacionados com falhas ao nível na manutenção da higiene obrigatória para a obtenção de um produto alimentar, podendo ocorrer proliferação de bactérias e produção de toxinas durante o processo, que podem resultar em infeções gastrointestinais e intoxicações potencialmente graves.

Acredita que é urgente implementar uma regulamentação mais clara sobre o que pode ser comercializado como kefir, à semelhança do que acontece com outros produtos alimentares? Que impacto teria essa medida para os consumidores e para a indústria?

Sim. Por tudo o que se conhece relativamente aos benefícios para a saúde associados ao consumo de kefir, sendo de esperar uma maior procura destes produtos, é essencial garantir informação transparente, uma definição clara do que é o produto, de qual a sua composição a nível bioquímico e microbiológico. Do ponto de vista do consumidor, permitirá a garantia de que os benefícios associados ao kefir podem ser obtidos através do consumo daquele produto. Para a indústria seria positivo, pois poderia desencadear maior investimento na procura de maior diferenciação e oferta de um produto o mais aproximado possível em termos de composição, com respaldo na evidência científica disponível.