A endometriose é uma doença ginecológica crónica que afeta milhões de mulheres em todo o mundo. Provoca dor física, sexual e emocional, e compromete profundamente a qualidade de vida de quem a enfrenta. Mas o desconhecimento generalizado e a crença, ainda muito enraizada, de que "ter dores menstruais é normal" continuam a adiar diagnósticos, a perpetuar sofrimento e a dificultar o acesso aos cuidados adequados.
São raros os casos de endometriose sem dor. Como explica Susana Fonseca, presidente da associação MulherEndo, a dor é "quase uma definição de endometriose: é o seu principal sintoma e está presente em diversos aspetos da vida da mulher, não só física, como também psicológica". Mas, sublinha, essa dor não define a doença nem quem a vive. "Apesar de tudo, esta doença também acaba por trazer muita resiliência às doentes e a procura de uma melhor qualidade de vida e de novas estratégias, de novas abordagens para contrariar essa dor e para a tentar mitigar."
Com o tema "A Minha Dor Não Me Define", a campanha — promovida pela Sociedade Portuguesa de Ginecologia e pela associação MulherEndo, com o apoio da Gedeon Richter — pretende dar visibilidade ao impacto real da endometriose e combater o estigma. Esteve presente no dia 29 de março no SelfCare Market & Summit, na Cordoaria Nacional, em Lisboa, com a talk de partilha "A Minha Dor Não Me Define".
A avó tinha, a mãe tinha, logo dizem-nos que isso é normal e não se procura uma causa para essa sintomatologia, quando é incapacitante. Irina Ramilo, ginecologista e membro da Sociedade Portuguesa de Ginecologia
Não é só uma dor
Irina Ramilo, ginecologista e membro da Sociedade Portuguesa de Ginecologia, explica que existem vários focos de dor associados à endometriose: "Temos a dismenorreia, que é a dor na menstruação; a dispareunia, a dor nas relações sexuais; a disquesia, a dor quando se evacua; a disúria, que é a dor quando se urina… Logo, quando falamos de endometriose, a dor é o principal sintoma e o principal motivo que leva a mulher a uma consulta na suspeição de patologia."
Essa dor, tantas vezes invisível aos olhos dos outros, continua a ser desvalorizada de geração em geração. "É um dos mitos mais enraizados na nossa sociedade", e que, segundo Susana Fonseca, ultrapassa gerações: "A avó tinha, a mãe tinha, logo dizem-nos que isso é normal e não se procura uma causa para essa sintomatologia, quando é incapacitante."
Mesmo após o diagnóstico, o caminho é tudo menos fácil. Susana Fonseca denuncia que falta acompanhamento adequado nos hospitais do Serviço Nacional de Saúde. "Não se fazem exames complementares adequados para perceber onde está a doença, não se oferece a multidisciplinaridade no tratamento, que deve incluir nutrição, psicologia, fisioterapia do pavimento pélvico e outras valências muito importantes no controlo da sintomatologia."
Desvalorizar não faz sentido
Sara Tarita, artista responsável pela identidade visual da campanha e também diagnosticada com endometriose, conhece bem essa realidade. "Para mim, representa uma luta muito presente entre o reconhecer que existe (ou pode existir) uma dor e o não deixar que tome conta de quem sou. Tento que não me defina, procurando espaços onde sou mais do que isso — na arte, escrita, relações que construo."
É essa força que a campanha quer celebrar: a das mulheres que, mesmo com dor, continuam a procurar caminhos para viver com dignidade, amor-próprio e esperança. "Quero que possam olhar para a imagem da campanha e perceber que há uma comunidade que as vê e as compreende, que a dor não é invisível, nem invalida quem são. E, acima de tudo, que há vida além dela."