Portugal no euro: uma economia falhada?
À União Europeia ninguém a quer. É complexa, burocrática, incapaz. Mas se um dia acaba, deixamos uma geração de velhos que vão recordar...
À União Europeia ninguém a quer. É complexa, burocrática, incapaz. Mas se um dia acaba, deixamos uma geração de velhos que vão recordar, nostálgicos, esta juventude cosmopolita, os voos low cost entre Lisboa e Berlim, as aventuras de Erasmus...
Daqui a 50 anos, talvez, veremos os avós explicar aos netos o significado do círculo de estrelas e do topónimo que é a União Europeia, com saudades de um mundo que não souberam aproveitar enquanto existia. Estamos a programar o funeral à União Europeia? Não. Mas se esta quer sobreviver, é imperativo que se dê asas a um conjunto de reformas, a começar pelas conceptuais.
Depois, é passar para uma reforma do euro, esse passo fundamental da integração europeia que mostra mais resultados de divergências entre os países integrantes do que convergências.
No caso português, é possível associar o euro à falta de crescimento económico do país, mas o pecado original da estagnação portuguesa vai além da adesão ao mesmo. Pelo menos, é o que nos diz Pedro Braz Teixeira, no ensaio O Euro e o Crescimento Económico, publicado pela Fundação Manuel dos Santos.
Fazendo uma analogia que pode parecer descabida a um primeiro olhar, o euro (moeda) está para Portugal como o Euro (futebol) esteve para o mesmo. Começou mal, consequência de uma imprudente preparação para a adesão à "competição". Durante a estadia, os erros cometidos faziam adivinhar um falhanço completo do projeto, mas fomos ganhando batalhas à custa de empates (entenda-se, no caso da moeda, um empata e desempata no meio entre os países mais ricos e os mais pobres, sempre com dificuldade em competir).
O problema está nas questões táticas. No conceito. No futebol, a solução tardou, mas chegou. Mudámos a estratégia, ganhámos a batalha final e levantámos a taça. Na questão do euro (moeda) e do crescimento económico português, ainda se está à procura da solução perfeita (ou do conjunto de soluções) que nos permita o mesmo final feliz.
A solução passa pela saída do euro? Ativar um Porxit? Não, isso é um mito. Daqueles desmitificados. Pedro Braz Teixeira defende que uma tentativa de voltar ao passado será sempre um caminho sem futuro e sem crescimento.
O autor conta no livro o antes e o depois do surgimento da moeda única em 2000. Alonga-se na descrição das raízes e das consequências da crise económica (2008-2016). No final, pergunta o que estamos disponíveis a fazer e deixa propostas de solução para o problema português de crescimento.
Destacam-se três problemas que mostram a relação entre a entrada no euro e o início da estagnação económica portuguesa, mas uma ligação que Pedro Braz Teixeira considera indireta.
As imperfeições do euro
Numa primeira análise, o ensaio fala da construção imperfeita da moeda única, criada à imagem do marco alemão. As primeiras deficiências são apontadas ao Banco Central Europeu (BCE), cuja única missão de controlo da inflação é vista como insuficiente, e à área monetária ótima que nunca chegou a preencher tais requisitos – com destaque para os choques assimétricos que afetaram principalmente a generalidade das economias do Sul.
Com a Zona Euro longe do ideal, Pedro Braz Teixeira questiona o pouco que foi feito para preencher os requisitos de uma área monetária ótima, com problemas avolumados que permanecem intactos durante muito tempo.
Aponta deficiências estruturais ao euro – imutáveis, coletivas e individuais – e fala das críticas silenciadas e ignoradas, nomeadamente as apreciações feitas pelos EUA e desconsideradas com base numa teoria de sabotagem do projeto europeu.
Manobras de carpintarias financeiras: a preparação da entrada no euro
Esta é a questão central que Pedro Braz Teixeira aponta como o pecado original da estagnação portuguesa: a "forma deficiente como Portugal se preparou para entrar na moeda única".
O ensaio O Euro e o Crescimento Económico fala de uma posição confortável de Portugal no início do caminho para a adesão à nova moeda, mas critica a forma como os governos da segunda metade dos anos 90 fizeram a gestão da conjuntura europeia. A ênfase é dada ao que o autor chama de "manobras de carpintarias financeiras" (as parcerias público-privadas) usadas para disfarçar o não cumprimento do critério do défice público.
"A diferença entre Portugal e Espanha na preparação para o euro pode ser olhada como a distinção entre uma senhora portuguesa que está a fazer dieta só para agradar o marido (…); e a de outra senhora espanhola, que mudou o regime alimentar para ter mais saúde e maior flexibilidade de movimentos."
Crise do euro. Norte vs Sul
A evolução económica dentro da Zona Euro não foi uniforme. O ensaio agrupa os países-membros em dois grupos: o Norte, com excedentes nas contas externas, e o Sul com défices externos. "Os excedentes de uns eram o espelho dos défices dos outros", lê-se a dada altura.
Portugal é um dos países que acumulou uma elevada dívida externa, com pagamentos de juros ao exterior que não permitiram um crescimento dentro de portas. A estagnação, no entanto, é apelidada neste ensaio de "fenómeno grave, raro e também estranho". Porque é que é "raríssimo e estranho"? Porque, aponta Pedro Braz Teixeira, Portugal é o único país da UE que deixou de convergir com os países mais prósperos.
O principal erro é associado aos investimentos feitos no seguimento dos fundos europeus. Fundos que foram de extrema utilidade, mas que passaram a obras de utilidade "duvidosa com indícios de corrupção", segundo o autor.
O ensaio faz a conexão entre a crise do subprime (crédito a entidades com potenciais dificuldades de cumprir os pagamentos) e a crise do euro, apontando as medidas de estímulo tímidas do BCE – que se revelaram desastrosas para países como Portugal – como o principal fator da crise económica europeia.
Da Grécia à Islândia, Irlanda, Chipre e Espanha, o ensaio analisa as fontes de problemas que permitem explicar as dificuldades destes países. O ponto final é o resgate a Portugal, com enfoque nos "imensos erros que nos empurraram para uma posição de uma especial fragilidade, que fez com que a crise nos atingisse em cheio".
As respostas à crise do euro são vistas como "insuficientes e atrasadas", com soluções parciais que não chegam às questões centrais dos problemas.
Estagnação económica portuguesa é um fenómeno grave, raro e estranho.
Soluções
No caso exclusivamente português, o ensaio deixa traços gerais de soluções para se voltar ao crescimento económico. Na base da defesa de Pedro Braz Teixeira está a ideia que acima passámos: "Devemos começar por esquecer qualquer delírio de voltar ao passado." O que estamos disponíveis a fazer para voltarmos a crescer com sucesso?
O ensaio sugere seguir um outro caminho que nos permita alcançar o crescimento do passado e de países como a Irlanda e outros do Leste.
Quais são as soluções? Recuperar a competitividade, aumentar a produtividade, diminuir custos e fazer mudanças para atrair investimento direto estrangeiro exportador.
O lema é simples: "Viver no euro não tem que significar uma estagnação económica."
Desafios de Portugal
Este livro faz parte da primeira campanha de ensaios da Fundação Francisco Manuel dos Santos, lançada no mês passado, a qual conta com mais dois textos: Portugal e o Comércio Internacional e Portugal: Paisagem Rural.
No primeiro, escrito por João Amador, abordam-se as forças e as limitações do comércio internacional – os aspetos que o tornam mais ou menos liberalizado – e refere-se extensivamente a história e o futuro de Portugal no comércio internacional.
No segundo ensaio, da autoria de Henrique Pereira dos Santos, fala-se da evolução da paisagem rural portuguesa entre os séculos XIX e XXI e no qual se pretende uma resposta para a descrição da geografia portuguesa, a forma como o nosso território influencia a alimentação dos habitantes e que cultura agropecuária e pescas se tendem a desenvolver no Norte, Centro e Sul do país.
Ensaios da Fundação. Livros leves. Opiniões de peso.