Envelhecer em Portugal: entre a consciência e a falta de preparação
O Barómetro Gerações em Movimento, promovido pelo Grupo Ageas Portugal e desenvolvido pela Ipsos Apeme, revela um país que já pensa mais cedo na reforma, mas continua pouco preparado. Na talk MaisIdadeMais discutiu-se o que significa envelhecer num país onde a esperança de vida cresce mais depressa do que a literacia financeira.
12 de novembro de 2025 às 10:56
Criado em
2023, o MaisIdadeMais nasceu para promover a reflexão sobre o envelhecimento ativo,
reunindo especialistas, parceiros e diferentes gerações num diálogo contínuo
sobre o futuro. Depois de encontros na Casa do Artista e no Coliseu do Porto
Ageas, a edição de 2025 assumiu um novo formato: a apresentação pública do Barómetro
Gerações em Movimento.
O estudo,
conduzido pela Ipsos Apeme, procura compreender como cada geração portuguesa
vive, perceciona e se prepara para envelhecer, cruzando temas como poupança,
autonomia e investimento. “Não há literacia financeira em Portugal. Nenhum de
nós teve uma aula sobre poupança”, afirmou Luís Menezes, CEO do Grupo Ageas
Portugal. O gestor do Grupo, que há vários anos põe o envelhecimento ativo no
centro da sua estratégia, sublinhou o problema de base: falta uma cultura de
preparação para o futuro.
Em Portugal,
disse, “poupa-se pouco e poupa-se mal”, e a ausência de educação financeira
começa logo nas escolas. Luís Menezes destacou ainda a urgência de adaptar
produtos e serviços ao novo contexto demográfico. Para o CEO do Grupo Ageas
Portugal, a conversa sobre o envelhecimento precisa também de novas palavras.
“Ninguém gosta de ouvir falar de envelhecimento. Temos de encontrar outra forma
de o dizer.” O desafio que deixa é o de olhar para esta transição demográfica
com criatividade e realismo, e não com medo
Luís Menezes, CEO do Grupo Ageas Portugal
O retrato
das gerações
Foi esse
olhar que a Ipsos Apeme procurou captar no Barómetro Gerações em Movimento.
Elsa Gervásio marketing strategy and understanding leader Ipsos Apeme,
apresentou as conclusões de um estudo que ouviu portugueses entre os 25 e os 80
anos, cruzando temas como poupança, investimento, autonomia e perceção sobre o
envelhecimento.
A geração Z
“poupa mais, mas porque ainda vive em casa dos pais e tem poucos encargos”. Os millennials
vivem “num equilíbrio precário entre trabalho, filhos e bem-estar”, e 56% já
poupam a pensar na reforma. A geração X é “a mais esgotada”, dividida entre
cuidar dos pais e dos filhos. Os baby boomers, embora mais tranquilos,
“continuam preocupados com a perda de autonomia e relevância”.
Em todas as
faixas etárias, a preocupação com o futuro financeiro é clara: 70% dos millennials
acreditam que perderão poder de compra após a reforma. Mas, apesar de pouparem,
poucos sabem investir. “Falamos de rendimentos, mas corremos na pista errada”,
sintetizou Elsa Gervásio. O dinheiro continua parado em contas a prazo e
produtos de baixo risco. “A falta de conhecimento é transversal e a linguagem
financeira continua pouco clara. Há uma perceção de que o mercado é complexo e
distante.” A investigadora deixou uma nota de esperança: as novas gerações
querem fazer o dinheiro trabalhar. “Há uma mudança de mentalidade: o dinheiro
deixou de ser só reserva, é também ferramenta de valorização. Mas falta
confiança e clareza.”
Não há literacia financeira em Portugal. Nenhum de nós teve uma aula sobre poupança.Luís Menezes, ceo do Grupo Ageas Portugal
O alerta
demográfico
A
intervenção de Paulo Portas trouxe uma visão macro e um tom urgente. “A
demografia é o problema mais sério que Portugal tem”, disse, lembrando que o
rácio de dependência já é de 38%. Portas alertou ainda que nós “não trabalhamos
para a nossa reforma, mas sim para pagar as reformas dos reformados atuais”. O
sistema, explicou, assenta num modelo de repartição cada vez mais desequilibrado,
com menos ativos e mais reformados a viver mais anos. “Se não fizermos nada, a
despesa social será cada vez mais absorvida pelas pensões – ainda assim
insuficientes.” Defendeu a criação de um “segundo pilar” de pensões, com
produtos seguros e incentivos à poupança individual. E deixou uma provocação:
“Quem vos disser que o declínio demográfico se resolve sem imigração está a
mentir.” Para o ex-ministro, Portugal precisa de políticas consistentes e de
longo prazo – na habitação, no trabalho e na família – para travar o declínio
populacional e sustentar o futuro.
A conversa
entre gerações
Após a
intervenção, Paulo Portas juntou-se à mesa-redonda final, moderada por Teresa
Guilherme e com Nelson Machado, membro da Comissão Executiva do Grupo Ageas
Portugal, João Machado, presidente da Fundação Ageas e Maria Amélia Cupertino
de Miranda, presidente da Fundação António Cupertino de Miranda.
Nelson
Machado explicou que o desafio é viver mais tempo “com saúde, com autonomia e
com dinheiro”. O debate centrou-se nas respostas práticas e no papel das empresas
e das instituições. Nelson Machado reconheceu os “desafios brutais”
apresentados pelo facto de os portugueses viverem mais e pela redução da
natalidade, lembrando que o rácio de ativos por pensionista em Portugal passou
de mais de quatro há 30 anos para 2,1 hoje e deverá chegar a 1,7 nas próximas
décadas. “Fazer de conta que esses desafios não existem é meio caminho andado
para não os perceber nem resolver”, afirmou, sublinhando que “não há soluções rápidas”
e que é preciso consistência e décadas de continuidade para que qualquer
política nesta área produza efeitos reais.
João Machado
trouxe a perspetiva das fundações e do setor social, explicando que a Fundação
Ageas tem vindo a apoiar projetos de inovação social centrados na solidão e na
literacia financeira. “Portugal é um país fantástico para envelhecer se
tivermos dinheiro, saúde e vivermos no sítio certo. Mas isso é o privilégio de
uma minoria.” Para inverter a tendência, defendeu mais apoios estruturais às
comunidades e maior articulação entre o setor social e as empresas.
Maria Amélia
Cupertino de Miranda reforçou a ideia, lembrando o trabalho da Fundação A.
Cupertino de Miranda na educação financeira e digital. “Há décadas que
ensinamos os novos a serem competentes financeiramente, mas é preciso ensinar
também os velhos”, afirmou. E acrescentou: “Temos uma demografia alta e uma
literacia baixa, financeira e digital.”
A conversa
evoluiu para o impacto da tecnologia na longevidade. Paulo Portas destacou que
“a inteligência artificial pode ser controversa noutros campos, mas na saúde e
no aging é onde é mais bem recebida”. Partilhou ainda uma história pessoal para
ilustrar a diferença entre gerações: o pai, arquiteto, nunca teve vida digital;
a mãe, pelo contrário, usa o computador diariamente e “mantém a curiosidade
viva graças ao digital”.
O debate
terminou com uma nota de pragmatismo. Nelson Machado defendeu que “mudar de
mentalidade é mais importante do que mudar de lei”, e Paulo Portas acrescentou
que “tomar decisões positivas e ajudar os outros é também uma forma de nos
ajudarmos a nós próprios”.
No fecho,
Gustavo Barreto, membro da Comissão Executiva do Grupo Ageas Portugal,
sintetizou o evento, no qual se ouviram “muitas estatísticas”, as quais
comprovam que “a população portuguesa está cada vez mais envelhecida e que a
principal preocupação dos portugueses é o tema da saúde, sendo isso é
transversal a todas as gerações”. Depois, por outro lado, prossegue, “há uma
grande preocupação com a componente financeira”. “E aí eu diria que, muitas vezes,
os portugueses acabam por não poupar. Portanto, é determinante para nós,
enquanto o Grupo Ageas Portugal, fazer parte desta da solução, encontrando
fórmulas propostas de valor que estejam adequadas àquilo que são as
necessidades dos nossos clientes”, salientou.
Quanto a
Teresa Guilherme resumiu o espírito do encontro: envelhecer é inevitável, mas
pode ser vivido de forma ativa. Esta edição do MaisIdadeMais, a proposta de
valor do Grupo Ageas Portugal, terminou com a ideia de que Portugal está
consciente dos desafios, mas ainda a aprender a preparar o tempo que vem
depois.
Paulo Portas, Gustavo Barreto e Nélson Machado na talk MaisIdadeMais