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“Cito Florbela Espanca: O silêncio é às vezes o que faz mais mal quando a gente sofre”

Teresa Thöbe e Maria do Carmo Silveira, do Grupo Ageas Portugal, reforçam a importância de se falar mais e sem tabus sobre a saúde da mulher, uma temática que sempre foi uma prioridade para a Médis.

21 de março de 2024 às 09:33

No lançamento da 2.ª edição do (M)Eu, Verso, um projeto de conteúdos desenvolvido com o apoio da SÁBADO e com o patrocínio integral da Médis, Teresa Thöbe, responsável de marca, parcerias e patrocínios do Grupo Ageas Portugal, e Maria do Carmo Silveira, responsável do Ecossistema Saúde Médis, do Grupo Ageas Portugal, falaram sobre o corpo e a genética feminina, "desde sempre ignorados e mal compreendidos", reforçaram que é preciso fazer-se mais para reparar a discriminação das mulheres, "que se enraizou culturalmente durante séculos", e não deixaram escapar o alerta para a necessidade de uma mudança de mentalidade e de comportamentos, uma premissa que ganha uma nova dimensão, em Portugal e no mundo.


Quando foi lançado, em parceria, o projeto (M)Eu, Verso, em 2022, Teresa Thöbe disse que este era "um projeto de proximidade, um projeto de pessoas". Nesta nova edição, o foco vai estar na saúde da mulher. Como surgiu este caminho e qual o porquê deste propósito?

Teresa Thöbe: Ao longo das quase três décadas de história da Médis, a saúde da mulher foi sempre uma das nossas prioridades. A maternidade, que é um dos grandes momentos da saúde da mulher, foi, desde sempre, uma das principais razões de adesão à Médis. Nos últimos anos, intensificámos esta ligação, reforçando a nossa oferta. Em 2021, lançámos o Programa Bebé Médis, que disponibiliza ajuda clínica e emocional e apoio ao planeamento de uma gravidez saudável e uma maternidade e paternidade tranquilas. Em 2022, intensificámos ainda mais esta ligação com o estudo "Saúde e Bem-estar das Mulheres: um Potencial a Alcançar" (disponível em saudes.pt), em que retratámos a saúde das mulheres portuguesas, e apresentámos dados e reflexões riquíssimas, que acabam por alimentar o "Meu Verso".

Agora, em 2024, damos continuidade a este projeto, no qual, além da construção de uma partilha corajosa, a dimensão mais importante é o conhecimento e a esperança que se entregam a quem vive situações idênticas. Com humanismo, sem o filtro das histórias bonitas, por meio de poesia falada e de histórias reais que traçam perfis de vários temas de saúde. Na edição deste ano, reforçamos a atenção que a Médis vai continuar a dar à saúde da mulher, agora e nos próximos anos.


É importante aproximar as pessoas da saúde da mulher, dar voz às mulheres em particular e tocar em temas relacionados com a saúde da mulher sobre os quais ainda pairam estigmas e tabus?

Maria do Carmo Silveira: Para responder, cito Florbela Espanca, uma das nossas maiores poetas e uma ativista dos direitos das mulheres: "O silêncio é às vezes o que faz mais mal quando a gente sofre". Dito isto, a resposta é sim, é importante dar voz às mulheres. Vivemos num período de hipermediatização das desigualdades de género, por exemplo, nos salários, na carreira, na gestão da família. Há uma inequívoca tentativa de reparação da discriminação que se enraizou culturalmente durante séculos, mas é preciso mais. É fundamental acrescentar o foco da saúde, área em que as mulheres também têm sido desconsideradas historicamente. O corpo e a genética feminina foram, desde sempre, ignorados e mal compreendidos. A inclusão do género como uma variável a considerar durante uma investigação é, aliás, relativamente recente na medicina.

Esta terraplanagem das diferenças objetivamente desvalorizou a especificidade feminina, e ignorou que a fisionomia e o ciclo de vida das mulheres não têm equivalência no masculino: a menstruação, os ciclos hormonais, a fertilidade e a gestação, o pós-parto, a menopausa, o envelhecimento, a autoimagem, a relação com o corpo, entre outros, são fatores que ditam uma relação com a saúde que é, naturalmente, diferente entre mulheres e homens.

Uma das consequências mais graves deste processo histórico de anulação é que as próprias mulheres interiorizaram esta desconsideração, acomodando-se ao desconforto e normalizando o sofrimento. O estudo "Saúde e Bem-estar das Mulheres: um Potencial a Alcançar", feito em 2022, mostra claramente que, apesar de mais cuidadosas e vigilantes, as mulheres, genericamente, acusam mais mal-estar e doença, física e mental, mas há uma perceção errada e generalizada de que "faz parte". Queremos combater esta ideia.


A escolha da temática da saúde feminina é uma forma de afirmar que é cada vez mais relevante dar-lhe destaque, valor, ou mais palco, por assim dizer?

Teresa Thöbe: Mais do que tudo isso é um dever. Da sociedade e nosso. Enquanto marca de saúde e enquanto grupo económico responsável que somos. A título de exemplo, e é um entre outros, o Grupo Ageas Portugal desenvolveu uma iniciativa interna, abrangendo todas as marcas Ageas, entre as quais a Médis, denominada "Novo Ciclo" – um projeto recente, totalmente focado na saúde e bem-estar da mulher, no qual se passou a disponibilizar gratuitamente, em todas as casas de banho dos nossos edifícios, produtos menstruais feitos de algodão 100% biológicos, seguros e livres de toxinas, assumindo, assim, o cuidado menstrual como uma necessidade de higiene básica. Ao oferecer estes produtos, a empresa acredita estar a fomentar uma organização mais inclusiva e equitativa. Apenas mais um exemplo do nosso empenho em alterar o paradigma, mitigando défices e desigualdades, tornando-os evidentes, e que fazem com que a saúde e o bem-estar das mulheres fiquem, genericamente, muito aquém do que é possível e desejável.

Se as mulheres são 52% da população portuguesa, e se a sua saúde precisa de ser mais bem compreendida e mais debatida, então isso significa que a maioria da sociedade portuguesa precisa de atenção, de cuidados específicos e adequados à sua especificidade. Somos uma marca do nosso tempo e da nossa sociedade, não podemos, por isso, ignorar mais de metade dos seus membros.

Com o (M)Eu, Verso desafiamos o público a pensar criticamente, contribuindo para um maior conhecimento e a consciencialização de que se pode mudar o rumo e ambicionar um novo paradigma. É esse o objetivo da nossa ação e intervenção pública.


Um estudo realizado pela Médis revelou dados importantes sobre a saúde e o bem-estar das mulheres. Têm mais dor, experienciam menos frequentemente sentimentos de calma, serenidade ou energia, vivem sob pressão para corresponder a ideais. Ao mesmo tempo, sentem necessidade de normalizar ou "esconder" estes estados. Há ideias-feitas sobre a saúde da mulher que precisam de ser desconstruídas?

Maria do Carmo Silveira: Sim, claramente, este é um território de ideias feitas e de normalização de opiniões. Um exemplo: a ideia de que o parto é obrigatoriamente um momento de felicidade é uma ideia-feita, que esquece as muitas mulheres que sofrem experiências negativas (algumas até aterradoras) neste momento, e também a enorme percentagem de depressões pós-parto. Acrescentem-se outros exemplos de consensos sociais: a de um certo ideal de beleza, que torna as mulheres escravas do seu peso e da sua balança; a ideia de que a menopausa é necessariamente uma coisa má, uma declaração de velhice, o que leva a que seja, ainda hoje, um tema tabu e uma fase envergonhada. São estas e outras ideias feitas que temos que desconstruir e o (M)Eu, Verso, nesta segunda edição, é uma forma excelente de o fazer: a poesia tem a capacidade de ser uma janela – sensível e acutilante – da alma. Nesta iniciativa, através das palavras, faremos uma viagem ao que de mais íntimo tem o Ser Mulher.


Como é que a Médis vê ou gostava que as mulheres vissem e perspetivassem a sua saúde, de uma forma ideal, mas ainda assim realista?

Teresa Thöbe: Percebendo que, pelo facto de serem mulheres, a sua saúde tem efetivamente especificidades muito próprias e naturais, que devem assumir sem vergonha ou receio. E nunca, mas nunca, devem normalizar o sofrimento nem o aceitar como destino natural. Esse é o paradigma a mudar.


Que alertas são importantes passar de forma a ser possível melhorar a qualidade de vida das mulheres?

Maria do Carmo Silveira: Antes de mais, há um processo de tomada de consciência que é fundamental. Através do estudo que fizemos em 2022, percebemos que apenas 10% das mulheres se consideram felizes e realizadas, que as mulheres sofrem em silêncio, que aceitam e convivem com a dor e o sofrimento como algo normal, isto é de uma violência atroz.

Veja os dados ao contrário – 90% das mulheres portuguesas são infelizes e têm visto as suas expectativas de várias ordens frustradas. Não podemos ignorar estes dados e passar ao tema seguinte. A violência deste retrato tem de nos convocar a todos a refletir, primeiro, e a agir, depois. Como podemos ser uma sociedade completa quando somos esmagados com estes dados?


No lançamento, em 2022, o projeto (M)Eu, Verso tocou em temas como a maternidade, a oncologia, o wellbeing e a saúde mental. Nesta nova edição, vamos abordar quatro subtemáticas, ou "bolsas de mal-estar", como lhes chamaram, associadas à mulher. Menstruação, gravidez, menopausa e relação com o corpo. Podemos dizer que estes temas são os que mais marcam a mulher nas diferentes fases do seu ciclo de vida?

Teresa Thöbe: Nesta 2ª fase do projeto (M)Eu, Verso, queremos abrir espaço para o debate, a reflexão e a consciencialização sobre estas quatro bolsas de mal-estar relacionadas com a saúde da mulher. Queremos normalizar temas sobre os quais ainda pairam estigmas e tabus, com histórias de vida contadas na primeira pessoa, e reconhecer a saúde da mulher como uma prioridade.

Os números falam por si. Em Portugal, perto de um milhão e oitocentas mil mulheres menstruam, sendo que 40% delas consideram a menstruação difícil. São cerca de 1.375 dias de dificuldade na vida de mais de 700 mil mulheres. Aproximadamente 3,7 anos das suas vidas.

Há cerca de 85 mil mulheres que passam em cada ano por um processo de maternidade. Quase metade (48%) considera o pós-parto difícil ou muito difícil. São mais de 140 dias de dificuldade na vida de 40 mil mulheres em cada ano.

Cerca de um milhão de mulheres, entre os 45 e os 64 anos, estarão em processo de menopausa, que é considerado difícil ou muito difícil por mais de um terço (32%). São 1.213 dias de desconforto na vida de mais de 265 mil mulheres. Aproximadamente, três anos das suas vidas.

Na relação com o corpo, quase um milhão de mulheres estão desconfortáveis com o peso, embora o seu IMC (índice de massa corporal) sugira que é "normal". Quase trezentas mil (27%) reconhecem que a insatisfação com o peso interfere muito com o seu bem-estar psicológico, infligindo-lhes sofrimento desnecessário.

Depois destes números, a nossa indiferença não pode continuar. Hesitar ou recusar ver a necessidade de promovermos a saúde da mulher é persistir numa visão errada, redutora, contra a História e contra a evidência científica.

Esta 2ª edição do (M)Eu, Verso vem dar lugar e voz às mulheres e promover uma mudança da atitude, mantendo a premissa do projeto na sua 1ª edição: histórias pessoais e reais, que reflitam os vários lados da mesma temática, dando uma perspetiva mais abrangente das experiências vividas.


Para quem não conhece o projeto (M)Eu, Verso, esta é uma iniciativa que junta saúde com poesia. Saúde em Poesia. Um conceito arriscado que nos convida a refletir, mas que ao mesmo tempo nos permite expor uma abordagem mais aproximada à realidade. São histórias reais que inspiram poemas. Apesar de as histórias, por si só, serem fortes e merecedoras de serem partilhadas, a poesia é uma forma de chegar às pessoas e impactar de uma forma diferente?

Maria do Carmo Silveira: Não diria que é um conceito arriscado, mas sim original. A comunicação em saúde é normalmente uma comunicação muito factual, muito direta. No (M)Eu, Verso queremos olhar de forma realista e, ao mesmo tempo, humana e solidária, para as quatro bolsas de mal-estar, que são momentos marcantes, penosos e duradouros da vida das mulheres. Vamos partilhar histórias de situações vividas nos vários lados do espectro.

Para dar vida a estas histórias reais, vamos convidar atores e poetas a criarem uma narrativa impactante, emocional e artística de cada uma destas histórias, que serão narradas através de poesia falada. Pretendemos uma narrativa real e pessoal, com que as pessoas se identifiquem.

A poesia tem a capacidade, de captar o íntimo, de o expor, de ser uma janela da alma. A resposta é sim, claro, a poesia é uma forma diferente de causar impacto. Sensível, mas acutilante.

Queremos fazer uma viagem – através das palavras – ao que de mais íntimo tem e significa o Ser Mulher.


O que podemos esperar da ação da Médis neste campo da saúde da mulher e no campo da saúde em geral durante o decorrer deste ano? Que projetos e ações é que a Médis implementou e que reforçam este compromisso com a promoção da saúde feminina?

Teresa Thöbe: A Médis está fortemente empenhada no tema da saúde da mulher. É um assunto que faz parte da nossa essência, da nossa história.

O nosso estudo de 2022 deixou claro que é pelo maior conhecimento e consciencialização que se pode mudar o rumo e ambicionar um novo paradigma. Além de todas as soluções que já apresentámos e que relembro – o programa Bebé Médis, muito focado no momento da conceção e maternidade; a solução de psicologia online, em que 67% das utentes são mulheres, provando o acerto das conclusões do estudo de 2022, ou seja, de que as mulheres sofrem mais pressão e têm pior saúde mental –, em 2024, apostaremos forte nos temas da consciencialização da sociedade e na literacia. Usaremos como instrumentos o nosso site e as redes sociais e, também, campanhas mais massivas.

O "Faz bem à saúde", além de ser a nossa assinatura de marca (desde sempre), é uma missão e um compromisso que levamos muito a sério.


Qual é o principal objetivo da Médis neste momento?

Maria do Carmo Silveira: Como marca global que "faz bem à saúde" dos portugueses, o propósito da Médis é potenciar hoje a saúde de amanhã. Acreditamos que cada um de nós é, ou pode ser, produtor e promotor da sua saúde atual e futura. O nosso propósito é impulsionar continuamente esta ação individual. A razão é simples: impulsionando hoje a ação individual, criamos um futuro com melhor saúde coletiva.

De um ponto de vista prático, temos um foco tripartido:

• Trabalhar a saúde de forma proativa: ajudando cada cliente a ser produtor da sua saúde e bem-estar;

• Desenvolver e proporcionar soluções além do seguro, e que cheguem, tendencialmente, a todos os portugueses;

• Desenhar soluções que melhorem o acesso, a qualidade e a sustentabilidade do sistema.