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Lei da Nacionalidade. O que muda e por que está a provocar críticas?

Tiago Neto
Tiago Neto 29 de outubro de 2025 às 18:01
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O diploma aprovado no Parlamento, com o apoio da direita, introduz prazos mais longos de residência, novos critérios de integração e possibilidade de perda de nacionalidade. Críticas da esquerda e das associações de imigrantes alertam para “retrocesso civilizacional”.

A Assembleia da República aprovou, na terça-feira, 28 de outubro, a , alterando de forma profunda os critérios de aquisição e perda da cidadania portuguesa. O diploma, aprovado com 157 votos a favor e 64 contra – com o apoio dos partidos da direita e de Filipe Sousa, deputado único do Juntos Pelo Povo (JPP), e o voto contra de toda a esquerda – endurece os prazos de residência, impõe novas exigências de integração e introduz a possibilidade de perda de nacionalidade em determinados casos criminais. A proposta aguarda agora promulgação pelo Presidente da República, entrando em vigor no dia seguinte à sua publicação.

O diploma foi aprovado na terça-feira e prevê várias alterações
O diploma foi aprovado na terça-feira e prevê várias alterações Dominik Bindl/Getty Images

Entre os principais objetivos do Governo está, segundo a maioria parlamentar, a de “reforçar a ligação efetiva à comunidade nacional” e garantir que a nacionalidade portuguesa “não seja instrumentalizada por quem não partilha os valores da República”. Já as críticas sublinham que o texto representa um “recuo histórico” e um “sinal de hostilidade” para com as populações migrantes. Afinal, o que muda na Lei da Nacionalidade?

1Prazos de residência

Os prazos para requerer a nacionalidade portuguesa aumentam significativamente. Passam de cinco para dez anos para estrangeiros de países terceiros e para sete anos no caso de cidadãos da União Europeia ou de países de língua oficial portuguesa. Esta diferenciação, eliminada em 2006, regressa agora à lei, reintroduzindo um critério que já existira entre 1994 e 2006.

2Filhos de estrangeiros nascidos em Portugal

Os filhos de cidadãos estrangeiros nascidos em território português passam a só ter direito à nacionalidade automática se os pais residirem legalmente em Portugal há pelo menos cinco anos; antes, bastava um ano, independentemente do estatuto legal. A proposta inicial previa três anos, mas o prazo foi alargado durante a discussão na especialidade.

3Novos requisitos de integração

Além da prova de conhecimento da língua portuguesa, os candidatos terão de demonstrar conhecimento da cultura, da organização política e dos valores democráticos do País, bem como assinar uma declaração solene de adesão aos princípios da República. Entre os fundamentos para recusar o pedido incluem-se agora comportamentos “que de forma concludente e ostensiva revelem rejeição da comunidade nacional, das suas instituições ou símbolos”, refere a Lei.

4Condenações criminais e capacidade económica

A nova redação elimina a possibilidade de naturalização a quem tenha sido condenado a pena de prisão efetiva – independentemente da duração – e exige que o requerente comprove “capacidade de subsistência económica” no momento do pedido, uma proposta incluída pela AD e reclamada pelo Chega como “vitória política”.

5Perda de nacionalidade 

A perda de nacionalidade não foi incluída diretamente no diploma, mas sim numa alteração paralela ao Código Penal, aprovada no mesmo dia. A medida permite a perda de nacionalidade a quem tenha sido condenado a pena de prisão igual ou superior a cinco anos por factos cometidos nos dez anos posteriores à naturalização, desde que tenha dupla nacionalidade (para evitar casos de apatridia). A decisão cabe a um juiz e será aplicada como pena acessória, não automática. Inclui também a possibilidade de retirar a nacionalidade a condenados por terrorismo, que apenas poderão requerê-la novamente dez anos após o cancelamento do registo criminal.

6Fraude e falsas declarações 

Foi ainda incluída uma disposição que impede de voltar a requerer nacionalidade quem a tenha obtido “de forma manifestamente fraudulenta”.

7Descendentes de portugueses 

A lei alarga o direito de nacionalidade aos bisnetos de cidadãos portugueses, desde que comprovem uma “ligação efetiva” a Portugal. Trata-se da recuperação de uma proposta antiga do PSD, com o objetivo de reforçar a ligação das novas gerações da diáspora.

8Fim do regime dos judeus sefarditas

É revogado o regime excecional de atribuição de nacionalidade aos descendentes dos judeus sefarditas expulsos de Portugal no século XV. Um mecanismo criado em 2013, com efeitos práticos a partir de 2015, que o Governo justificou agora revogar com base em “abusos e distorções” do regime.

9Reações divididas

O secretário-geral do PS, José Luís Carneiro, acusou o primeiro-ministro, Luís Montenegro, de se “ter escondido de uma aliança com o Chega” na aprovação do diploma, considerando que a lei traduz “um endurecimento ideológico e desnecessário” das políticas de nacionalidade.

Em sentido oposto, o candidato presidencial Luís Marques Mendes, apoiado pelo PSD, considerou a versão final “equilibrada” e “constitucionalmente segura”, lamentando apenas “que não tenha reunido um consenso mais alargado”. Para o ex-líder social-democrata, “o diálogo parlamentar melhorou substancialmente a proposta inicial”, eliminando aspetos que poderiam suscitar dúvidas de conformidade constitucional.

"A versão inicial era muito polémica, muito controversa e levantava mesmo problemas de conformidade com a Constituição", disse Marques Mendes sobre o documento à margem de uma intervenção no NEXXT, em Leiria, onde falou sobre educação e economia. "A versão agora aprovada parece-me equilibrada, menos polémica e provavelmente sem problemas de natureza constitucional", disse. Para o candidato presidencial "não há razões para enviar esta lei ao Tribunal Constitucional". 

Timóteo Macedo, presidente da associação Solidariedade Imigrante, criticou duramente o diploma, classificando-o como um “retrocesso civilizacional” que “ataca os direitos humanos de quem chega”. Em declarações à Lusa, o dirigente afirmou que “Portugal perdeu uma grande oportunidade de continuar a ser uma referência de acolhimento e dignidade humana” e acusou o Governo de “dar campo ao populismo e às políticas mais retrógradas da Europa”.

Macedo alertou ainda que enquanto existirem milhares de imigrantes em situação irregular e explorada, o País continuará a alimentar desigualdades em vez de as combater. "Enquanto tivermos milhares de ilegais, escondidos, a fazerem o trabalho que é necessário, os salários não vão subir. E quem acusa hoje os imigrantes de roubarem empregos, esses empregos vão continuar a ir para quem é mais explorado", avisou.

Timóteo Macedo contesta ainda a diferença de prazo para quem é europeu ou lusófono (sete anos de residência documentada) e para os outros (dez anos), afirmando que se tratam pessoas "de modo diferente, criando uma discriminação inaceitável" e adiantou esperar que o Presidente da República mande verificar o diploma, por considerar que viola o "princípio da igualdade", previsto na Constituição Portuguesa.

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